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quarta-feira, março 13, 2024

A crise humanitária é filha do crime humanitário

Por Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Em São Paulo (SP)

Do ponto de vista das autoridades nacionais e internacionais, a migração em massa é vista em geral como “crise humanitária”.

Fala-se, por exemplo, de crise humanitária quando migrantes de várias nações subsaarianas ou do Oriente Médio se dirigem à Líbia para depois tentar atravessar o Mediterrâneo. Ou quando sírios, curdos e outros povos, aos milhões, concentram-se na Turquia com a esperança de seguir em frente rumo à Europa, via rota balcânica. Ou também quando sul-americanos e centro-americanos pressionam sobre a fronteira entre Guatemala e México ou sobre a fronteira México e Estados Unidos, tentando alcançar o Eldorado norte-americano. E ainda quando os venezuelanos, cada vez em maior número e em situação mais precária, procuram pisar no território brasileiro ou colombiano, buscando uma alternativa para o caos do próprio país.

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Essas são as “crises humanitárias” mais visíveis do lado do mundo ocidental. Outras, menos divulgadas entre nós, poderiam ser identificadas no interior do continente africano, onde uma série de países exibem feridas e cicatrizes de tensões, conflitos e guerras, bem como de condições infra-humanas de vida. O mesmo ocorre entre os países do continente asiático, em que indianos, filipinos e indonésios tentam buscar novas oportunidades nos chamados Tigres Asiáticos e nos Emirados Árabes.

“Crises humanitárias” que, vista em seu conjunto, somam hoje ao redor de 220 milhões de migrantes sem pátria, que residem fora do país em que nasceram, sendo que mais de 25 milhões são reconhecidos como prófugos e refugiados. Pessoas e famílias fugitivas que conseguem escapar da violência, da pobreza, da miséria e da fome – sonhando e lutando por um futuro menos ameaçador. Mas vale a pergunta: até que ponto essa fuga pode se converter em uma nova busca, onde o sonho se torne realidade?

Operação de resgate conduzida por MSF a bordo do barco Aquarius.
Crédito: Kevin McElvaney/dez.2016

Tudo isso revela a amplidão do retrato e do mapa da mobilidade humana no mundo atual. O quadro, porém, é muito mais complexo e diversificado. Por trás do fenômeno visível e numérico desse vaivém sem fim, sem rumo e às vezes sem destino, existem fatores perversos que levam os migrantes a levantar acampamento e ir em busca de outro rumo. Entre tais fatores, duas causas de caráter mundial podem ser destacadas: por uma parte, a concentração da riqueza e da renda, a qual, ao mesmo tempo concentra igualmente pobreza e exclusão social; por outra parte, a fabricação, comércio e uso das armas, num círculo vicioso que não se cansa de semear e/ou acirrar conflitos latentes, obrigando milhares de civis à fuga.

A concentração de riqueza e da renda como contraface da pobreza e exclusão social constitui o lado visível do mercado. A globalização econômica e o crescimento a qualquer preço estão contaminados pelo vírus da injustiça e da desigualdade social. O aumento da produção e da produtividade favorece unicamente os que habitam o andar superior da pirâmide social, deixando os habitantes da base em disputa por migalhas. Disso resulta maior nível de desemprego, subemprego, trabalho temporário e migração. Segundo a Carta Encíclica Populorum Progressio (1967) do Papa Paulo VI, o crescimento puro e simples, embora apresentando como remédio para a crise, não produz o “desenvolvimento integral”. “Economia que mata”, diz por sua vez o Papa Francisco.

Quando à produção, comércio e uso das armas – os mesmos países que condenam a violência e se recusam a receber os prófugos e refugiados, não raro são aqueles que se beneficiam da indústria bélica. Chegam às vezes ao cúmulo da hipocrisia: falam de acordo de paz sobre a mesa de negociação, enquanto, por baixo da mesa, fabricam e vendem armas. Resulta que a economia viciada, concentradora de riqueza e pobreza, ao mesmo tempo, alia-se ao comércio das armas, criando uma espécie de “indústria das migrações”. Fortes interesses de países e de empresas transnacionais condenam milhões de pessoas ao êxodo e à estra – errantes em busca de um solo que possa ser chamado de pátria.

São Paulo, 08 de maio de 2018

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