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quinta-feira, março 28, 2024

A Europa além de Charlie: abrigo ou fortaleza?

Por Eleonora Silanus

Faz muito tempo que a União Europeia começou a ser chamada de “Fortaleza Europa”. A ideia medieval de um lugar inacessível, cheio de altos muros e reis prontos para jogar fora qualquer estrangeiro, destrói todo o conceito de União e de uma comunidade aberta ao mundo. As politicas migratórias dos governos europeus são controversas e cada momento se tornou propício para limitar a possibilidade de entrar e permanecer nessa “Fortaleza”.

As reações dos políticos e da opinião pública europeia a respeito dos últimos eventos ocorridos na França demonstram quantas estradas ainda precisam ser construídas para reconhecer a liberdade e o direito de migrar de todos os seres humanos.

A reação dos políticos foi, como sempre, a mais previsível.  “Estamos em guerra e temos o inimigo em casa”, “mais poder à polícia”, “Este é o Islã”, “Vamos suspender o Schengen!”. Muitos são políticos italianos, um país que, mesmo sendo fisicamente uma ponte entre a África e a Europa, faz de tudo para fechar as suas fronteiras pensando que uma crise pode ser superada excluindo e não incluindo. Nem toda a população concordou com estas afirmações, mas um povo com medo é exatamente o que estes políticos querem. Na Europa inteira grupos políticos da extrema direita estão ganhando visibilidade e apoio da população fazendo do racismo e da exclusão a bandeira do próprio partido. São eles os profissionais da difamação que nestas semanas estão usando um ato feroz de poucos para culpar muitos que moram na Europa. A condição de ser muçulmano ou nascido num país muçulmano já é por si só uma culpa. Depois do ataque, muitas pessoas nascidas em países islâmicos que estão morando na Europa se dissociaram, como se isso fosse necessário. Pedir desculpa para ter nascido em um lugar: é isso que uma parte da sociedade europeia está pedindo.

Uma reflexão profunda e interessante foi feita pelo blogueiro Karim Metref, que mora em Turim, na Itália:

“Eu condeno este ato como condeno esta violência, não me dissocio de nada. […]Não peço desculpa para ninguém. Eu não matei ninguém e não tenho nada a ver com estas pessoas. A mesma coisa não pode ser dita pelos governantes que amanhã declararão guerra contra alguém em nome deste crime […] Eu estou em guerra com os terroristas há 30 anos, há 30 anos que os combato. Não estou com eles e não estou com quem os arma um dia e os bombardeia no dia seguinte.”

Nas ruas europeias todo mundo segue gritando “Je suis Charlie”, mas quem é Charlie?

Nas ruas europeias todo mundo segue gritando “Je suis Charlie”, mas quem é Charlie? Crédito: Tim Chester, 11/01/2015
Muita hipocrisia acompanha os “Je suis Charlie”.
Crédito: Tim Chester/Twitter – 11/01/2015

Um jornal satírico pode fazer rir ou não, pode exagerar e pode, como muito frequentemente acontece, desrespeitar comunidades minoritárias que precisam de tudo exceto de um continente que ri de suas crenças. Papa Francisco, depois de ter afirmado “não se mata no nome de Deus”, falou: “ se você falar um palavrão sobre a minha mãe então deverá esperar um punho, na liberdade de expressão existe um limite”. Contudo, ninguém pode negar que uma revista satírica está representando uma ideia de liberdade de expressão que tem que ser protegida, e que não foi e não é defendida pelos mesmos políticos que marcham na França contra o ataque e os seus mandantes.  Muita hipocrisia acompanha os “je suis charlie”. Foi curiosa, na Marcha Republicana ocorrida em Paris em 11 de janeiro para defender os valores de democracia e liberdade, a presença dos Ministros das Relações Exteriores de Egito e da Rússia, do premiê israelense Netanyahu, do Sheikh dos Emirados Árabes e do primeiro-ministro da Turquia Davutoglu – ou seja, dos representantes de  vários governos que limitam a liberdade de expressão. “É inaceitável que aqueles que impõem o silêncio aos jornalistas nos próprios países aproveitem de Charlie para melhorar a imagem internacional deles”, disse Christophe Deloire,  secretário geral de Reporters sans frontières .

Se Charlie pode ser alguém, então poderia ser aquele Maomé que na ultima edição da revista está  chorando.  A interpretação da imagem é controversa, mas o chargista Luz a explicou assim: “Entendi que deveria ser de novo Maomé, porque aquele é o meu personagem. Depois chegou a frase, o titulo “tudo se perdoa” e depois a lágrima. O meu Maomé chora, está triste. Mas se tornou mais simpático. Continuamos sendo Charlie. Sou Charlie. Sou policial, sou hebreu e sou muçulmano também”.

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