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terça-feira, abril 23, 2024

Após atentados em Paris, Reino Unido vive crise de percepção em relação aos refugiados

Por Victória Brotto
De Londres (Reino Unido)

Atualizado em 02/12/2015

“Vamos lá, você consegue terminar o circuito, são só mais três quilômetros. Imagina  quantos quilômetros os refugiados tiveram que percorrer para fugir”, disse uma britânica a sua amiga, enquanto ambas corriam ao redor do Tâmisa, na região de Putney, ao sul de Londres.

Eram meados de setembro, e a foto do menino sírio morto às margens do mar europeu pipocavam no noticiário mundial. Londres, como toda grande capital europeia, sentiu a pressão da morte do pequeno Alan Kurdi, e viu seu primeiro-ministro, David Cameron, abrir as fronteiras para os refugiados.

Todos estavam comovidos com as dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças que fugiam de guerras insanas em seus países e se arriscavam em barcos de morte para tentar entrar na Europa. O refugiado, à época, era ícone de resistência entre os britânicos. Mas hoje, não é mais assim.

Após os atentados em Paris, a hostilidade aos refugiados cresceu entre os britânicos. Principalmente depois que o governo da Grécia confirmou que um dos terroristas teria entrado por território grego, no dia 3 de outubro, junto com um grupo de 69 migrantes.

“O que temos hoje no Reino Unido é uma crise de percepção do migrante, e não uma crise de refugiados”, afirmou ao MigraMundo, Natalie Bennett, líder do Green Party na Inglaterra e no País de Gales. Conhecida por criticar a política de imigração de David Cameron, Natalie afirma que os britânicos precisam perceber que sua segurança e seus empregos não estão em risco por causa dos refugiados, mas por causa dos erros do governo.  “Uma maioria significativa dos britânicos usa salários baixos, segurança, falta de emprego e dificuldade para comprar uma casa própria como argumentos para culpar os refugiados e mantê-los longe”, afirmou. “Mas precisa-se entender que tudo isso não foi causado por eles, mas sim pelas falhas das políticas do governo”, acrescentou.

 Nathalie Bennett, líder do Grrren Party na Inglaterra e País de Gales, em evento sobre refúgio. Crédito: Victória Brotto/MigraMundo
Nathalie Bennett, líder do Green Party na Inglaterra e País de Gales, em evento sobre refúgio.
Crédito: Victória Brotto/MigraMundo

A líder do Green Party britânico falou ao MigraMundo após participar de uma conferência promovida pela Sociedade Islâmica (SOAS) na University of London. “Muitos afirmam que esses 600 mil refugiados irão aumentar desproporcionalmente a população europeia e prejudicar a economia. Isso é outro mito”, afirmou. “A Alemanha, por exemplo, que foi o país que mais recebeu refugiados na Europa até agora, tem perspectiva de crescimento econômico para os próximos anos. Isso devido à integração dos migrantes na economia alemã.”

Segundo Natalie, há soluções possíveis a curto e longo prazo para a crise dos refugiados no Reino Unido. “Primeiramente, o governo precisa criar um sistema que possibilite o migrante aplicar para o asilo fora da Inglaterra, para impedir essas viagens insanas, cruzando mares em barcos superlotados”, afirmou. “Segundo, precisamos pegar pelo menos mais dez mil refugiados.”

Para Josephine Liebl, advogada formada em Oxford e especializada em crises humanitárias e conflitos na África, existe um sistema para manter as pessoas fora da Europa. E é esse sistema que precisa mudar. “A crise não é porque muitas pessoas estão vindo, mas a crise é de nosso sistema, que não tem nenhuma lei humana de integração do migrante. O sistema que temos é para manter as pessoas longe da Europa”. Josephine citou o Brasil como um dos exemplos de países que pensaram em boas soluções para os refugiados. A advogada citou o visto humanitário criado pelo governo brasileiro aos haitianos no ano passado – embora os haitianos não sejam considerados refugiados pelo governo brasileiro.

Refúgio nas bordas da Europa

Desde o começo desse ano, estima-se que cerca de 750 mil migrantes tenham atravessado o mar Mediterrâneo em direção às fronteiras da União Europeia. A maioria vem de países como a Síria, Afeganistão, Iraque, Nigéria e Eritreia, mas também chegam pessoas de Kosovo, Albânia, Sérvia e Ucrânia. De acordo com a Organização Mundial para Migração (OIM, IOM na sigla em inglês), a maior parte dos refugiados estão na Alemanha, com 331 mil pedidos de asilo até o final de outubro. O segundo país é a Hungria, com 143.070 aplicações encaminhadas ao governo. O Reino Unido é um dos países que menos aceitou refugiados, com pouco mais de 20 mil até o momento.

Os refugiados, chamados assim por que estão fugindo de guerras, perseguições e terrorismo, hoje se acumulam em campos superlotados nas bordas da Europa e África. Em relação ao total de refugiados e deslocados, são poucos são os que conseguem cruzar as fronteiras.  E, segundo representantes de ONGs da comunidade islâmica presentes nesses campos, a situação tem piorado desde o atentado de Paris, no último dia 13.

“A situação nos campos muda a cada semana, para não dizer a cada dia. Mas desde os atentados em Paris, a polícia que faz a fiscalização dos campos tem sido muito mais violenta. Há relatos de abusos, o que faz com que a situação seja quase insustentável em campos superlotados e com condições de vida precárias”, afirmou Hiba Al-Hijazi, co-fundadora da ONG Move for Humanity, e que viajou por três meses ao campo de refugiados em Calais (França), na Itália, e nos campos nas fronteiras da Áustria e Eslovênia.

“Em Calais, você tem toda uma arquitetura de violência. Primeiro que você acorda numa fenda, a geografia do local é terrível. Segundo, o campo é cercado por indústrias químicas”, afirmou Kareen Dennis, voluntário da ONG London2Calais. “E a polícia francesa que está no local é muito violenta, uma violência que cresce todos os dias. Principalmente depois dos atentados”, afirmou Dennis, que acrescentou: “E é uma polícia paga pelo dinheiro do Reino Unido.”

Bombardeios na Síria

Desde os atentados em Paris, Cameron tenta angariar votos da maioria no Parlamento para aprovar uma maior presença do Reino Unido no Oriente Médio – em 2 de dezembro, ele conseguiu a aprovação para intensificar a presença e os ataques na Síria. Entre outras situações, o premiê apoiou a decisão do presidente francês, François Hollande, de bombardear a Síria e o Iraque, redutos do Estado Islâmico. Ainda amortecidos pelo terrorismo em Paris, nas ruas, não se viu nenhuma oposição à decisão de Cameron a se alinhar a Hollande.

Para a líder do Green Party, Cameron só demonstra que está “escolhendo mais uma vez um caminho completamente errado” na condução do Reino Unido. “Bombardear Iraque, Síria, Líbia, Afeganistão não vai resolver nada. Devemos focar na diplomacia. Mas Cameron parece, mais uma vez, estar escolhendo um caminho completamente errado”.

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