Por Luís Felipe Aires Magalhães, Thamirys Lunardi, Maria das Graças Brightwell e Eduardo Zanatta de Carvalho
do Observatório das Migrações em Santa Catarina
Na última terça-feira (12), foi assinado um convênio que libera financiamento federal e estadual para a instalação de um Centro de Referência e Acolhimento dos Imigrantes e Refugiados em Florianópolis, durante cerimônia no Centro Integrado de Cultura (CIC). Este será o primeiro centro desse tipo em Santa Catarina, que atenderá uma reivindicação antiga das associações de migrantes e grupos de apoio, pesquisa e direitos humanos no Estado.
O convênio prevê o repasse de R$ 1 milhão do governo federal e uma contrapartida da gestão estadual, que repassará mais R$ 58 mil ao projeto. Esse montante será utilizado para a montagem da equipe de trabalho, via publicação de edital, e para a instalação do Centro de Referência em algum imóvel da capital catarinense. A validade do projeto é de dois anos.
Nos últimos anos, as demandas relacionadas ao Centro de Referência ficaram ainda mais fortes em razão da chegada de imigrantes haitianos, senegaleses, ganeses e de refugiados sírios. Em audiências públicas realizadas desde 2014 e nos seminários organizados pelo grupo de apoio e no Fórum das Associações Migrantes, em outubro do ano passado, os imigrantes exigiram especialmente do governo estadual a criação do espaço e sua pronta instalação e funcionamento.
O que significa criar um Centro de Referência
A efetiva criação do Centro de Referência significará a instalação de uma via institucional de acesso dos imigrantes a serviços específicos, como acompanhamento de solicitação de vistos, encaminhamento a serviços de tradução juramentada de documentos e informações sobre educação, saúde e trabalho. Na prática, significará a ampliação do serviço de esclarecimento e acompanhamento já realizado pela Pastoral do Migrante, em condições limitadas de espaço e recursos financeiros.
Pela ampliação do público atendido, o Centro de Referência também permitirá o levantamento de dados de melhor qualidade sobre o perfil social e econômico do imigrante no Estado, e tais pesquisas contribuirão para a formulação de políticas públicas específicas.
A existência do Centro de Referência é necessária, urgente, mas ainda não suficiente. É preciso garantir o acesso pleno a direitos e documentos, sem quaisquer custos ao imigrante, e assegurar o encaminhamento de todas as denúncias de violações de direitos humanos e trabalhistas, e das reivindicações feitas pelas associações migrantes e grupos de apoio em referência a outros órgãos, como Delegacias de Polícia Federal, Universidades, sindicatos e empresas que contrata profissionais imigrantes.
Por isso, deve-se assegurar total autonomia para que o Centro de Referência possa encaminhar essas reivindicações, já que foi a articulação social e institucional que permitiu a criação do espaço. As associações e grupos de apoio são os protagonistas dessa construção, e um Centro de Referência forte e com capacidade de melhorar as condições de vida, trabalho e inserção social dos imigrantes depende cada vez mais de sua força e organização em Santa Catarina.
Cerimônia
Na cerimônia, estavam presentes o Governo Federal, representado pelo Secretário Nacional de Justiça, Beto Vasconcelos; o Governo Estadual, especialmente através da Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho e Habitação; e a Prefeitura Municipal de Florianópolis.
Os articuladores das ações que culminaram na criação deste Centro, órgãos da sociedade civil, como o Grupo de Apoio ao Imigrante e Refugiado de Florianópolis e Região (GAIRF), a Pastoral do Migrante de Florianópolis e o Observatório das Migrações, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), contribuíram com o debate.
O projeto do Centro de Referência foi apresentado por Ivone Perazza, gerente de políticas públicas da Secretaria Estadual de Assistência Social, Trabalho e Habitação, que destacou que o Centro auxiliará em demandas específicas dos imigrantes e que atuará como instrumento de integração social.
Na sequência, Paul André, coordenador do Movimento Haitiano em Santa Catarina, ponderou que o Centro de Referência “é um primeiro passo de uma longa caminhada para a integração e a inserção dos imigrantes dentro da sociedade catarinense”. Para ele, a integração vai além, e passa necessariamente pela educação. Daí a importância de tradução dos documentos e a validação da formação dos imigrantes ser objetos de trabalho no Centro de Referência.
Por fim, Paul André argumentou que a integração só será efetiva com a real aplicação do art. 5º da constituição do Brasil, que afirma que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Padre Joaquin, da Pastoral do Migrante de Florianópolis e importante figura na recepção e acolhimento de imigrantes e refugiados, considerou que os recursos do convênio devem servir, principalmente, para a instalação de um espaço adequado ao atendimento e acompanhamento dos imigrantes e para a contratação de pessoal qualificado para os serviços de referência. Recordou ainda que se trata de um avanço esperado há décadas, pois bem antes da chegada dos imigrantes haitianos, a cidade e o Estado já eram destino da migração de cidadãos de Estados Partes do Mercosul. Destacou, por fim, que o convênio não fique nas “intenções” e seja realmente capaz de se estruturar como espaço a serviço dos imigrantes.
Já Tamajara Silva, também da Pastoral, lembra os tempos conturbados recentes que foram vividos pela instituição. “Desde as primeiras reuniões do GTI se evidenciou como principal demanda a criação do Centro de Referência já que a Pastoral vinha fazendo mais 45 atendimentos diários com uma escassa estrutura física e econômica, além de uma das dificuldades na legalização dos papéis para aceder a distintos níveis de educação. Nesse sentido, foi uma luta de longa data e nos sentimos feliz enquanto Pastoral de poder fazer parte dessa história”.
O secretário nacional de Justiça, Beto Vasconcelos, por sua vez, inseriu o Centro de Referências dentro de um esforço do governo federal em construir parcerias suprapartidárias com outras esferas de governo e com a sociedade civil.
Para ele, vive-se a pior crise humanitária desde a 2ª Guerra Mundial e, por isso, o governo brasileiro tem buscado implementar uma política receptiva centrada em dois eixos: entendimento da imigração como elemento estratégico para o desenvolvimento social e econômico do país; e vinculação da imigração a uma política humanitária. Expressões desse esforço são a criação de uma rota humanitária, com emissão de vistos aos imigrantes haitianos diretamente no Haiti para evitar a crise social na fronteira com o Peru; a regularização de 43.871 imigrantes já residentes no Brasil; e a criação de programas de sensibilização da sociedade brasileira quanto à imigração e ao refúgio, incentivando um comportamento solidário e humanitário.
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