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quarta-feira, abril 24, 2024

Direito a voto se destaca entre desejos de participantes da Marcha dos Imigrantes

"Livres com direitos em qualquer lugar do mundo" foi o tema escolhido para este ano

Por Eduarda Esteves
Em São Paulo
Atualizado às 16h25 de 2.dez.2019

Pelo direito ao voto, por mais integração social e pelo fim das fronteiras, imigrantes que vivem em São Paulo foram às ruas neste domingo (1º) participar da 13ª Marcha dos Imigrantes e Refugiados, na avenida Paulista.

“Para igualdade e dignidade não existem fronteiras: Livres com direitos em qualquer lugar do mundo” foi o tema escolhido para este ano. A Marcha é puxada pelo CAMI (Centro de Apoio e Pastoral do Migrante), em conjunto com outras organizações e coletivos parceiros.

Além das organizações, o evento contou com a presença de pelo menos dois representantes da classe política: o vereador paulistano Eduardo Suplicy (PT) e a assessoria da deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL).

A coordenadora de políticas para imigrantes da Prefeitura de São Paulo, a colombiana Jennifer Anyuli, também compareceu à Marcha. “A participação dos imigrantes é uma de nossas prioridades. Especialmente diante do contexto atual é de suma importância lutar por essa cidadania”.

Luta por direitos e protagonismo

A concentração do ato foi realizada em frente ao MASP, às 14h. Por lá, a boliviana Gladis Zuleta, 30, segurava a principal faixa da marcha, junto ao grupo de participantes que iniciou a caminhada pela avenida. Ela mora em São Paulo há dois anos com o esposo e os filhos, mas apesar de se sentir bem recebida por alguns, a discriminação por ser imigrante ainda é muito presente na sua rotina.

“Eles nos falam gordas, chatas e pretas e perguntam ‘o que faz em meu país’. Nós levantamos e vamos buscar direitos”, conta Gladis.

Ela veio morar na capital paulista para garantir melhorias econômicas e atualmente precisa trabalhar como costureira, por falta de uma outra oportunidade no mercado de trabalho.

“Todos os bolivianos aqui trabalham com costura, mas é uma área ruim porque é muito barata. Mas a gente faz, precisa de pagar o aluguel e pagar comida”, afirma.

A boliviana Gladis Zuleta, que participou da Marcha.
Crédito: Eduarda Esteves/MigraMundo

A boliviana destaca que os imigrantes precisam de mais protagonismo e só a luta pelos direitos pode garantir tais melhorias.

O número de imigrantes bolivianos no Brasil aumentou. De 2010 para cá, o número registrado pela Polícia Federal cresceu cinco vezes. Na cidade de São Paulo, são mais de cem mil. Os bolivianos ultrapassaram os portugueses e se tornaram o maior grupo estrangeiro na capital paulista. A estimativa é de que o número real supere 250 mil.

Pela garantia do voto ao migrante

A marcha é realizada desde 2007 pela defesa dos direitos dos imigrantes e refugiados e por políticas públicas contra a xenofobia e a discriminação. Neste domingo, grupos de vários países se reuniram na Paulista.

O ato foi pacífico e com espaço para cada liderança falar um pouco sobre as diferentes vivências. Além do CAMI, a marcha também conta com o apoio de outras instituições que atendem imigrantes e refugiados no Brasil.

A assistente social e integrante do CAMI Carla Aguilar dedica mais de vinte anos de sua vida ao trabalho com os imigrantes. Ela é uma das organizadoras da marcha e explica que uma das maiores bandeiras do grupo atualmente é pelo direito ao voto dos imigrantes em São Paulo.

“Estamos querendo que essas pessoas possam votar nesse país, eles pagam impostos, trabalham aqui e também moram. Ainda é preciso desse avanço para serem cidadãos completos”, destaca Carla, ao alegar que esse voto não é institucionalizado porque os imigrantes ainda são vistos como uma ameaça nacional.

Carla Aguilar, assistente social do CAMI.
Crédito: Eduarda Esteves/MigraMundo

O Artigo 14 da Constituição Federal veda o alistamento eleitoral de estrangeiros. Por isso, só brasileiros e pessoas naturalizadas podem votar.

Atualmente, tramita no Senado uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) pronta para votação em plenário. A ideia é que imigrantes também possam votar, pelo menos na esfera municipal. Se aprovada, a estimativa e que o eleitorado ganhe até 3 milhões de votos a mais.

Para Carla, a marcha também é dos caminhos percorridos com o intuito de chamar atenção da sociedade civil para a luta dos imigrantes pela integração. “Precisamos deixar claro que todos são iguais e não deveriam existir fronteiras, isso é uma criação dos seres humanos”, diz.

Durante o ato, Johny Gardere, 40, caminhava orgulhoso com a bandeira de seu país, o Haiti. Com o celular, ele transmitia parte do ato para seus amigos haitianos pelo Facebook. Estava orgulhoso de estar ali, em uma das avenidas mais importantes do Brasil, para garantir mais respeito e direitos perante a legislação do local que o acolheu há seis anos. “No Brasil eu me sinto em casa”, pontua.

Assim como Carla, o haitiano sonha com um mundo sem a fronteira para separar as diferenças. Para o mundo melhorar, ele aposta nos ensinamentos de sua maior inspiração, o ativista norte-americano Martin Luther King, um dos principais líderes negros na luta contra a discriminação racial nos EUA. “Ele tinha um sonho e eu também. Vamos destruir essas barreiras porque o universo é só um”.

Johny Gardere, ostante com orgulho a bandeira do Haiti durante a Marcha.
Crédito: Eduarda Esteves/MigraMundo

Mulheres imigrantes e o protagonismo

Nas mãos da psicóloga Maria Fernanda, 29, o cartaz “Mulheres migrantes africanas. Existem e resistem”. Há sete anos, Fernanda viajou da Angola até o Brasil para estudar. Ela reconhece que ainda ter certos privilégios porque viajou como estudante e sabe que para os trabalhadores migrantes, o cenário é ainda mais diferente.

Maria Fernanda decidiu participar da marcha justamente por ser uma mulher imigrante e ser questionada a todo momento sobre os motivos de migrar sozinha para um novo país.

“Ser uma mulher e ser uma imigrante é estar em constante transformação o tempo todo. Primeiro por ser mulher, porque a gente sabe que o sexo feminino é visto como alguém que só segue e nunca como alguém que toma a decisão de suas próprias escolhas. Migrei porque quis e não por causa de marido”, diz a angolana.

No Brasil, ela fundou o coletivo Diásporas Africanas ao lado de outras mulheres imigrantes que vieram de países da África. “Nosso intuito é mostrar o olhar das mulheres que migram. O mundo hoje vive um crise migratória e humanitária, as pessoas não aceitam o diferente e esses novos governos extremos precisam ser parados de alguma forma”, explica.

Maria Fernanda, de Angola, resume em cartaz suas reivindicações.
Crédito: Eduarda Esteves/MigraMundo

Brasil abre portas e fecha janelas

O percurso da marcha durou cerca de duas horas. Por todo o trajeto, o chileno Miguel Godoy, 61, carregou uma placa que pedia o direito ao voto. Ele mora no Brasil há 37 anos e nunca conseguiu escolher um governante, muito embora a política sempre fez parte de sua vida. Godoy fugiu do Chile por causa da Ditadura Militar de Pinochet.

Augusto José Ramón Pinochet Ugarte foi um general do exército chileno e ditador do seu país de 1973 a 1990. Por não aceitar a repressão e política de tortura do presidente, Godoy foi preso e logo depois conseguiu migrar para o Brasil.

“Também não aceitava o toque de recolher e vim com amigos para trabalhar na indústria brasileira”, conta. Hoje, um dos maiores sonhos do chileno e poder participar das eleições no País em que criou uma família e montou o seu próprio negócio. “Quem sabe um dia, espero estar vivo”, sonha.

O chileno Miguel Godoy, com placa que pedia o direito ao voto.
Crédito: Eduarda Esteves/MigraMundo

Pela voz das mulheres na luta por mais direitos dos imigrantes e menos preconceito, a mexicana Paulina Menezes decidiu se juntar a Frente de Mulheres Imigrantes e Refugiadas, composta por mulheres de diversas origens.

Por ter o genótipo indígena, ela relata que sofreu muito racismo, principalmente em ambientes acadêmicos, o que a deixou surpresa. “Fiquei chocada e entende que a educação não tem nada a ver com o conhecimento. No Brasil, o racismo e sistemático”, aponta ao questionar quais as oportunidades que os imigrantes têm no mercado de trabalho. “Sempre são as menos qualificadas”, lamenta.

Sobre a Marcha

Em sua 13ª edição, a Marcha dos Imigrantes e Refugiados é realizada em São Paulo sempre na mesma época do ano, entre novembro e dezembro, por conta do Dia Internacional dos Imigrantes, estabelecido pela ONU no dia 18 de dezembro de 1990.

Nessa data foi ratificada a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias.

Veja os lemas de todas as edições da Marchas dos Imigrantes
2007 – “Integração, cidadania universal e direitos humanos”
2008 – “Nossas vozes, nossos direitos por um mundo sem muros, @s imigrantes pedem: ANISTIA JÁ”
2009 – “Por acesso a todos os direitos” 
2010 – “Por um MERCOSUL livre de xenofobia, racismo e toda forma de discriminação”
2011 – “Trabalho decente e Cidadania Universal”
2012 – “Nenhum direito a menos para @s imigrantes”
2013 – “Nova lei de imigração justa e humana para o fim da discriminação”
2014 – “Basta de violência contra @s imigrantes”
2015 – “Fronteiras livres, não a discriminação”
2016 – “Dignidade para os imigrantes no mundo: nenhum direito a menos”
2017 – “Pelo fim da invisibilidade dos imigrantes”
2018 – “Por direitos iguais Não me julgue antes de me conhecer”
2019 – “Para igualdade e dignidade não existem fronteiras: Livres com direitos em qualquer lugar do mundo”

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