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quarta-feira, março 13, 2024

Do Brasil para o Líbano, casal cria ONG que atua com famílias e crianças refugiadas

Driblando falta de recursos, instituição procura dar apoio a famílias de crianças que perderam parentes no conflito na Síria

Por Alethea Rodrigues
De Zahle (Líbano)

Há trinta anos, Salwa Jomaa acompanha e auxilia o marido que é presidente do Centro Islâmico, em São Bernardo do Campo (SP). A arrecadação de alimentos e roupas para moradores em situação de rua e muçulmanos que necessitam de ajuda sempre foi algo corriqueiro no dia a dia deles. Mas, assim que a guerra na Síria começou, sentiram a necessidade de ajudar.

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Em 2011, o casal abriu no Líbano a ONG Humanitarian Foundation for Social Welfare and Education, e começou a cadastrar famílias que estavam se refugiando no país para auxiliar de alguma maneira. “Não tínhamos escritório, fazíamos tudo em casa. Aos poucos conseguimos alguns voluntários, as doações foram aumentando e só depois consegui alugar um local para desenvolver melhor o nosso trabalho”, contou ela, que é vice-presidente da ONG.

A libanesa-brasileira Salwa Jomaa, que coordena ONG voltada para famílias e crianças refugiadas no Líbano.
Crédito: Alethea Rodrigues/MigraMundo

Libanesa, muçulmana e naturalizada brasileira, Salwa morou no Brasil por quase vinte anos. Hoje, passa maior parte do tempo em Zahle, no Líbano, para cuidar da instituição, que se mantém apenas com doações e conta com 22 voluntários fixos, além de receber pessoas solidárias de várias partes do mundo.

Foco em famílias e crianças

O trabalho começou acolhendo a todos os refugiados sírios. Mas por conta da quantidade de doações preferiu dar prioridade às famílias em que há crianças órfãs de pai, ou que não possuem nem pai e nem mãe. Hoje, o Líbano abriga cerca de dez mil crianças que perderam os pais na guerra. Ao todo, de acordo com a mais recente edição do relatório Global Trends, do ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados), são 1 milhão de refugiados vivendo no país.

Mulheres refugiadas aguardam atendimento da ONG criada pelo casal brasileiro-libanês no Líbano.
Crédito: Alethea Rodrigues/MigraMundo

“A gente faz o que pode. Depois de oito anos de guerra as doações diminuíram, parece que as pessoas cansaram de ajudar ou o dinheiro está realmente curto devido à crise na Europa. Recebemos ajuda da Inglaterra e do Canadá, nenhum outro país tem ajudado. Oramos todos os dias para que a guerra acabe e essas pessoas possam voltar para a Síria, mas isso não depende de nós”, ressaltou Salwa.

As 1250 famílias cadastradas pela ONG estão espalhadas por diversas cidades do Líbano, mas a maioria vive em barracas, nos acampamentos montados pelas Nações Unidas – que também ajudam dando a cada uma delas 180 dólares mensais para que consigam recomeçar suas vidas. As condições das moradias são precárias, mas com as doações e a ajuda financeira essas pessoas conseguem viver dia por dia, pelo menos com o básico.

Barracas nas quais vivem os refugiados no Líbano.
Crédito: Alethea Rodrigues/MigraMundo

No último dia 9 de maio, a instituição distribuiu 750 cestas básicas para as famílias sírias cadastradas. Apesar do calor, centenas de mulheres enfrentaram a fila em um espaço cedido pela prefeitura, e conseguiram levar os mantimentos para casa. “Nosso trabalho é transparente, prestamos conta de tudo que recebemos para que as pessoas saibam que o dinheiro e as doações em geral estão sendo usados de forma correta. Além disso, fazemos visitas regularmente na casa dessas pessoas para saber se elas ainda precisam do nosso apoio”, concluiu a fundadora da ONG.

Doloroso recomeço

Na fila, à espera da cesta básica estavam mulheres que guardam dentro de si histórias de vida que emocionam. Dentre elas estava Mona Omar. Com apenas 25 anos, chegou da Síria no dia anterior da entrevista com quatro filhos, de 9, 8, 6 e um ano de idade. O marido foi morto na guerra durante um bombardeio no momento em que recolhia lenha para vender: “Minha vida acabou depois da morte do meu marido. Vim para o Líbano para encontrar com a minha mãe que já vivia aqui e agora preciso pensar no que fazer”, contou a jovem com lágrimas nos olhos.

Quatro meses depois da morte do marido, Mona ainda teve sua casa atingida por uma bomba e perdeu tudo. “Não queria ter saído do meu país, mas perdi tudo. Eu e as crianças viemos para cá somente com a roupa do corpo, não dava mais para continuar morando lá. Estou perdida. Pelo menos há pessoas que ajudam e essa cesta que estou recebendo hoje é a garantia que meus filhos vão comer amanhã”.

Cestas básicas são distribuídas às famílias refugiadas no Líbano que são cadastradas pela ONG.
Crédito: Alethea Rodrigues/MigraMundo

A ONG tem parceria com a Islamic Relief, uma instituição internacional que recebe e repassa doações, inclusive roupas e brinquedos para as crianças. Salwa ressalta que além das arrecadações, ela costuma organizar sessões de terapias para mães e crianças que chegam no país completamente abaladas, atividades de recreação com os pequenos para que eles possam esquecer um pouco do passado: “Muitos lembram perfeitamente de tudo que aconteceu, inclusive presenciaram a morte dos pais. Isso é muito dolorido, por isso tentamos amenizar essa dor. Eu amo todos eles, mas tenho um carinho especial pelos órfãos. Eles são maduros, passaram por situações que nem gente grande aguentaria”, concluiu.

Apesar das dificuldades financeiras enfrentadas nos últimos dois anos, Salwa afirma que não vai desistir: “Já pensamos em encerrar nossos trabalhos muitas vezes, mas como fechar a porta na cara dessas crianças que tanto precisam da gente? Eu não conseguiria fazer isso”.

Como ajudar?

A procura de brasileiros por crianças sírias tem aumentado consideravelmente, mas não é possível concretizar essa adoção porque a Síria não é signatário da Convenção de Haia, não existe acordos para adoção de crianças. Além disso, as leis brasileiras não aprovam adoção de crianças que vivem em países que estão em conflito. Mas, se alguém tiver interesse em ajudar ou ser padrinho de uma dessas crianças é só contatar o Centro Islâmico e obter mais informações:

Centro de Divulgação do Islam para América Latina
R Henrique Alves dos Santos, 161 – Jardim Américas – São Bernardo do Campo (SP) – CEP: 09725-730
Tel: (11) 4122-2400, (11) 4122-2732 ou (11) 4124-8032

ONG tem seu atendimento focado em famílias e crianças órfãs entre os refugiados.
Crédito: Alethea Rodrigues/MigraMundo

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