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quinta-feira, março 28, 2024

Em decisão histórica, STF francês descriminaliza ajuda a migrante indocumentado

Magistrados deram força de lei ao que chamaram de “liberdade de ajudar o outro de maneira altruísta, com fins humanitários, sem considerar a regulamentação de estadia em território nacional”

Por Victória Brotto
Em Estrasburgo (França)

O Conselho Constitucional da França (instância jurídica máxima do país, o equivalente ao Supremo Tribunal Federal brasileiro) descriminalizou a ajuda ao estrangeiro em situação irregular no país, instaurando o chamado “princípio de fraternidade”.

Pela primeira vez na história jurídica do país, os magistrados deram força de lei ao que chamaram de “liberdade de ajudar o outro de maneira altruísta, com fins humanitários, sem considerar a regulamentação de estadia em território nacional.” Com isso, todas as ações de ajuda em alojar e à circulação do estrangeiro sem documentação com fins humanitários ficam isentadas de processo penal.

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No último dia 27, o MigraMundo publicou artigo sobre os países que condenavam a ajuda à migrantes – dentre eles, a França.

A decisão, tomada pela Corte na última sexta-feira (06/07), veio em resposta à apelação do agricultor Cédric Herrou, que foi condenado a quatro meses de prisão no ano passado pelo chamado “delito de solidariedade”. O agricultor hospedou em sua casa um grupo de imigrantes africanos que não tinham permissão de estadia na França.

Monumento “Direitos Humanos” no jardim central do Conselho Europeu, em Estrasburgo (França).
Crédito: Victória Brotto/MigraMundo

“Em um momento em que os países da União Europeia não encontram um equilíbrio sobre a questão migratória diante do crescimento da extrema-direita na região, essa decisão constitui, inegavelmente, uma vitória importante para as ONGs e para as pessoas que colocaram na pauta do Conselho uma questão de prioridade constitucional”, afirmou um dos jornais mais influentes da França, o Le Monde , na tarde após a decisão da Corte.

Um dos advogados do agricultor condenado, Patrice Spinosi disse que a decisão é uma vitória para as liberdades fundamentais. “É uma vitória importante das liberdades fundamentais que permite neutralizar o delito da solidariedade”.

Para o líder do Partido Republicano (LR, sigla em francês), Christian Jacob, tal decisão “é perigosa”. “Ela é perigosa, porque dá mais margem para interpretações e ações duvidosas”, afirmou o deputado da região de Seine-et-Marne, líder do partido dos republicanos na Assembleia Nacional.

No programa dominical Grand Jury, transmitido pelo canal LCI e pela rádio francesa RTL e pelo jornal Le Fígaro, Jacob afirmou: “Eu não concordo com essa decisão. Sei que é uma decisão do Conselho Constitucional e que ela se impõe como tal por definição. Mas para mim ele é chocante pois vai permitir, efetivamente de acompanhar as pessoas que estão em situação irregular – e nós nunca vamos saber até onde vai esse ‘acompanhar’.”

No texto da apelação, Patrice Spinosi, um dos advogados do agricultor condenado, chamou o texto da lei que institucionaliza tal delito de “borrão”, por ser incompreensível. “O legislador não conseguiu tratar a questão de maneira clara, ele não conseguiu traçar uma linha simples: de um lado a assistência remunerada, os atos interesseiros, do outro, uma assistência desinteressada dada pelos indignados, dos militantes, dos engajados, e, por isso, não se pode haver ambiguidade: um processo penal não pode ser instaurado.”

De acordo com o artigo L.622-1 da norma francesa, “toda a pessoa que tiver, indireta ou diretamente, ajudado na facilitação ou tentado facilitar a entrada, a circulação ou a estadia irregular de um estrangeiro na França será punido com cárcere de cinco anos e de uma multa de R$ 150 mil.”

O Conselho constitucional acatou os argumentos de Spinosi afirmando que a lei não “conciliava de maneira suficientemente equilibrada” o princípio de fraternidade, “princípio este agora consagrado para salvaguardar a ordem pública”, afirmou a corte em sua decisão. “O Conselho, considera assim, que tal princípio as ações perpassadas por tal princípio devem estar isentas de processo judicial aquelas que se colocarem como atos de ajuda com fins humanitários”, acrescentou a corte.

E o Conselho também descriminalizou não somente a ajuda em alojar um migrante, mas também “a ajuda à circulação do estrangeiro irregular”, uma vez que tenha fins humanitários.

Entretanto, sublinhou que tal isenção não é dada à ajuda à entrada no território francês, “uma vez que tal ajuda se configura, por princípio, uma situação ilícita.” O ministro do Interior, Gérard Collomb, afirmou estar contente por tal decisão do Conselho de manter a ajuda à entrada irregular no país como crime.

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