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quinta-feira, abril 18, 2024

Imigrantes italianos e haitianos no Brasil: explicitando as semelhanças

Por Ana Risson*
Do GEIROSC

Como muitos sabem, nos últimos anos me dedico aos estudos e pesquisas sobre a temática das migrações. No entanto, este texto, nada ou pouco tem de acadêmico ou possui resultados de minhas pesquisa — talvez tenha alguns resquícios da dureza que é escrever pela/para cientificidade. Lembro que é um recorte, se fosse abordar toda a complexidade que proponho com estas reflexões, teria outra dissertação.

Para início de conversa…

“Heróis desconhecidos” é o título do livro que conta a história da chegada da família Celant no Brasil — da qual sou descendente — , ao findar de 1888. Este livro conta as dificuldades vividas pelos italianos no norte da Itália, a decisão de migrar para o Brasil e a chegada em terras brasileiras para conquistar tudo o que lhes haviam prometido.

Não foram todos italianos que emigraram para o Brasil para fugir da miséria, mas, todos que migraram buscavam por melhores condições de vida. No período de 1870 a 1930, a estimativa é que quase 30 milhões de pessoas tenham e emigrado da Itália, sendo que deste contingente apenas 1,5 milhão veio para o Brasil.

“A história se inicia em Fontanafredda, lugarejo humilde, ao norte da Itália. Ali vivia uma população numerosa e sofrida. Era época de predomínio de latifúndios. A terra produtiva, na sua totalidade, era posse dos poderosos, que predominavam amparados e galardoados pela monarquia, então reinante. Ao povo cabia o trabalho duro nesses domínios, num regime de exploração. Em troca recebia apenas o estrito necessário para viver e haurir mais forças para produzir mais, numa tentativa forçada e inútil de saciar a voracidade de seus patrões. Todo o produto de seus suores ia para a insidiosa fome de seus senhores. A revolta era grande e mal contida. Suspirava-se por dias melhores” (Trecho de “Heróis desconhecidos”, página 10, grifo meu).

Com os haitianos não foi diferente, eles também suspiravam por dias melhores. Aliás, independente da nacionalidade, as pessoas só migram quando há chances de terem melhores condições de vida em outro lugar — seja cidade, estado ou país.

Foto feita em uma revista sobre migrações.
Crédito: Ana Risson/Arquivo pessoal

A emigração do Haiti faz parte da história do país, é cultural. O principal destino da população haitiana é os Estados Unidos — conforme a publicação do Migration Policy Institute, em 2014 residiam nos EUA quase 1 milhão de haitianos. O Brasil ingressou na rota de países procurados pelos haitianos somente a partir de 2010, quando, por uma soma de fatores, nosso país recebeu visibilidade internacional, inclusive dos haitianos. No auge da imigração haitiana para o Brasil, em 2014, estimava-se que estavam residindo aqui 60 mil haitianos.

Lembro-me de uma reportagem de O Globo, que referia-se a imigração haitiana como “invasão”. De forma sutil — para muitos imperceptível — , associar a chegada de novos imigrantes como invasão, é colocá-los em um lugar de “problemas para a sociedade”.

Não posso deixar de mencionar que: embora o Brasil tenha entrado na rota de imigrantes de diversas nacionalidades nos últimos anos, a soma e imigrantes em nosso país não chega a 1% da população. Em países como Estados Unidos, Canadá e Arábia Saudita a porcentagem é de, respectivamente, 12%, 18% e 25% imigrantes na população.

Vejamos…

Na história do contexto da Itália e do Haiti, das devidas épocas em que aconteceram as emigrações, há muitas similaridades. Foi o contexto que motivou a emigração, a buscar por melhores condições de vida e trabalho: os italianos fugindo da exploração da força de trabalho (dentre outros fatores) e os haitianos fugindo de um contexto precário de vida que acabara de ter sido agravado por um terremoto na capital do país.

O livro “Heróis desconhecidos” conta as dificuldades vividas pelos italianos no percurso até o Brasil, caracterizada como “viagem longa e sofrida” (p. 11). Dezenas de italianos não resistiram a travessia até o Brasil e morreram nos navios. Já os haitianos precisaram percorrer rotas aérea e terrestre (carro, ônibus, a pé), na sua grande maioria clandestina, para chegar a fronteira do Brasil (Acre ou Amazonas). Muitos haitianos relatam que foram assaltados, violentados e passaram fome nestes trajetos.

A decisão/condição de sair de seu país (não entendo que foi uma opção), foi só o início das dificuldades para italianos e haitianos. Além do percurso, a chegada ao Brasil foi com muito sofrimento. Por parte dos italianos, conforme o livro que venho citando, “ a realidade desfez seu bonito sonho”. Para os italianos, a promessa de que teriam “salames em árvores” não ocorreu. Para os haitianos, as dificuldades estavam em chegar até a cidade destino, encontrar emprego, lidar com as falsas promessas de salário e coiotes, condições de moradia e PRECONCEITO.

Portanto…

O que me cativou a escrever este texto, foram as inúmeras falas preconceituosas e sem empatia de alguns/muitos nativos brasileiros, que aqui em Santa Catarina, em um número considerável são de descendentes de italianos.

Toda vez que escuto uma frase racista ou xenofóbica, proferida por um descendente de imigrante (italiano, alemão, polonês), penso que esta pessoa está negando ou esquecendo do sofrimento de seus pais, avós ou bisavós.

Faço parte de um grupo chamado GEIROSC — Grupo de Estudos sobre Imigrações para a Região do Oeste de SC, que possui uma campanha intitulada de #somostodosmigrantes. Esta campanha tem a intenção de conscientizar as pessoas que também somos imigrantes, na medida que a história da nossa família também é de migração.

Estas mãos são de uma brasileira (Fernanda Pilatti) e de uma criança haitiana. A foto foi tirada em um evento organizado pelo GEIROSC, em 2015.
Crédito: GEIROSC

Entendo que não deveria caber preconceito na relação de nativos brasileiros e imigrantes, até porque o brasileiro é um emigrante e vive esta condição de imigrantes em inúmero lugares do mundo — só nos EUA residem 1,3 milhão de brasileiros. O preconceito poderia ser substituído pela possibilidade de conhecermos o outro como alguém diverso a nós, com uma cultura e uma história que pode ser somada a minha, e a minha a dele.

*Texto publicado originalmente no Medium e reproduzido com autorização da autora
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