publicidadespot_img
sexta-feira, março 29, 2024

Poder público e militância debatem acolhida de imigrantes LGBT em São Paulo

CRAI-SP promoveu evento no Auditório da Defensoria Pública da União, no último dia 13 de setembro, para debater a situação de imigrantes LGBT na cidade de São Paulo

Por Ana Gebrim, Fábio Ando Filho e Vítor Lopes Andrade

No dia 13 de setembro, aconteceu no Auditório da Defensoria Pública da União a “Roda de Conversa: Imigrantes e Refugiados/as LGBT em São Paulo: desafios da acolhida e da integração local”. O evento foi promovido pelo Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes (CRAI), serviço da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) da Prefeitura de São Paulo em parceria com o Serviço Franciscano de Solidariedade (SEFRAS).

No evento, o CRAI buscou aprofundar um debate iniciado no Fórum Social Mundial de Migrações (FSMM) deste ano, que ocorreu em São Paulo, com uma roda de conversa mediada pela pesquisadora Isadora Lins França. Já o evento do dia 13 reuniu pesquisadores com experiência de trabalho na área, imigrantes LGBT, representantes da SMDHC e interessados em geral, apontando já encaminhamentos práticos para a criação de um plano de trabalho. Participaram como mediadores Ana Gebrim e Vítor Lopes Andrade.

Da esquerda para direita: os palestrantes Fabio Ando, Ana Gebrim e Vitor Lopes, além de Viviana Peña, coordenadora atual do CRAI. Crédito: Divulgação
Da esquerda para direita: os palestrantes Fabio Ando, Ana Gebrim e Vitor Lopes, além de Viviana Peña, coordenadora atual do CRAI.
Crédito: Divulgação

Combate à intolerância

Ana Gebrim, em sua fala, relembrou os números recentes publicados pela ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) de que, em 2015, mais de 65 milhões de pessoas se deslocaram por questões relacionadas ao refúgio. Segundo ela, esses números apontam deslocamentos massivos no globo e que denunciam igualmente a produção social do deslocamento em um sistema político-econômico desigual. Frente a isso, a resposta hegemônica de grande parte dos Estados tem sido empregar medidas cada vez mais restritivas de segurança e controle; tais como a construção de muros, políticas de segurança e contenção. No âmbito da integração, também as instituições se veem diante dessas mesmas injunções. Nesse sentido, Gebrim levantou as seguintes questões: diante das políticas de gestão e administração de populações consideradas indesejáveis – através do silenciamento, controle e, no âmbito da saúde mental, da patologização das experiências migratórias – como fazer resistência a esses modelos? Isto é, como podemos pensar em estratégias efetivas de integração para as populações imigrantes e refugiadas?

Segundo Ana, o mesmo sistema político-econômico que produz os deslocamentos em massa também prolifera discursos de ódio e intolerância. Assim, violência e vulnerabilidade são duas categorias centrais para se pensar a vivência de imigrantes e refugiados LGBT. Frente a isso, Gebrim destacou dois desafios para serem levados em conta ao tratar de estratégias de integração e acolhimento para essa população: a vivência de criminalização e intolerância às questões LGBT no interior das comunidades de origem dos imigrantes e refugiados; e, as vivências de intolerância no país de acolhida, ou seja, no Brasil.

Com alguma frequência, imigrantes e refugiados LGBT buscam não se integrar em suas comunidades de origem para evitar novas experiências de descriminação, e, por isso, acabam ficando à margem de políticas de integração voltadas à comunidade migrante como um todo. Ao mesmo tempo, muitas vezes, essa mesma população também desconhece a rede de apoio específico às comunidades LGBT no país de acolhida. Dessa forma, populações LGBT, pelos aspectos de vulnerabilidade, tendem a se situar em um lugar à margem da já marginalidade da condição do estrangeiro. É para essa dinâmica que os dispositivos de acolhimento e integração precisam estar atentos em suas atuações.

Segundo Ana, o mesmo sistema político-econômico que produz os deslocamentos em massa também prolifera discursos de ódio e intolerância. Crédito: Fabio Ando Filho
Segundo Ana, o mesmo sistema político-econômico que produz os deslocamentos em massa também prolifera discursos de ódio e intolerância.
Crédito: Fabio Ando Filho

Atendimento, acolhida, integração e elegibilidade

Em sua fala, Vítor Lopes Andrade abordou quatro aspectos que dizem respeito a imigrantes, refugiados e refugiadas LGBT em São Paulo, de acordo com o que observou na pesquisa que realizou na cidade: atendimento, acolhida, integração local e elegibilidade (este último aspecto restrito aos casos de solicitação de refúgio baseados em perseguição por orientação sexual).

No que diz respeito ao atendimento, Andrade ressaltou a necessidade de que as instituições elaborem estratégias a fim de que os estrangeiros e as estrangeiras LGBT se sintam confortáveis em falar sobre as suas orientações sexuais nos momentos de cadastro. Como são preenchidos os formulários? Como são feitas as entrevistas? Que outras pessoas ouvem ou leem suas histórias? Esse ponto é muito importante porque, na maior parte das vezes, essas pessoas têm muito medo em revelar que não são heterossexuais, já que esse é o motivo principal das discriminações que sofreram e as fizeram sair de seus países. Mas também é importante ter cuidado aos símbolos ocidentais na elaboração das estratégias, uma vez que, para muitos estrangeiros, a “bandeira gay”, por exemplo, não significa absolutamente nada.

Ainda sobre a questão do atendimento, Andrade destacou que poderia ser elaborada uma cartilha voltada ao público imigrante LGBT, como há em relação a Direitos Trabalhistas e também sobre o funcionamento do SUS (Sistema Único de Saúde). Neste folheto constariam, além de outras informações, os contatos das organizações LGBT que atuam na cidade de São Paulo, para que imigrantes, refugiados e refugiadas possam procurá-las caso tenham interesse. Por fim, o pesquisador frisou ser urgente a capacitação acerca de questões de gênero e sexualidade para funcionários que atendem diretamente imigrantes e solicitantes de refúgio.

Vitor Lopes frisou ser urgente a capacitação acerca de questões de gênero e sexualidade para funcionários que atendem diretamente imigrantes e solicitantes de refúgio. Crédito: Fabio Ando Filho
Vitor Lopes frisou ser urgente a capacitação acerca de questões de gênero e sexualidade para funcionários que atendem diretamente imigrantes e solicitantes de refúgio.
Crédito: Fabio Ando Filho

Em relação à acolhida, Andrade afirmou que em São Paulo existem os albergues/centros de acolhida que são voltados para imigrantes/refugiados e os que são voltados ao público LGBT. Aqueles que são para o público LGBT normalmente contam com nacionais, isto é, não há estrangeiros. Já nos que são voltados a imigrantes e refugiados, normalmente acontecem duas situações: as estrangeiras transexuais são discriminadas, já que sua posição passa pelo corpo, ou seja, são identificadas visualmente como transexuais; já os estrangeiros gays e as estrangeiras lésbicas não comentam sobre sua sexualidade com os demais moradores (somente, às vezes, com funcionárias, como assistentes sociais e psicólogas) e por isso acabam não sendo discriminados.

Uma possível estratégia sugerida por Andrade nesses casos, a fim de melhorar a situação de convivência nos centros de acolhida, seria organizar rodas de conversa entre os moradores e abordar vários tipos de preconceito juntos, como xenofobia, machismo, racismo, homo-lesbo-transfobia. Assim, um sujeito que não gosta de ser discriminado por ser negro ou por ser estrangeiro, por exemplo, poderia passar a se questionar de que também não é interessante discriminar alguém por ser homossexual ou transexual. É preciso ter cuidado, entretanto, para o efeito não ser o contrário e essas rodas de conversa acabem por expor e estigmatizar os estrangeiros LGBT, fazendo com que se comece uma possível “caça às bruxas” em relação a essas pessoas. Vítor Andrade ressaltou também a necessidade de treinamento em gênero e sexualidade para funcionários e funcionárias que atuem nos centros de acolhida, além do fato de que a pessoa imigrante ou em situação de refúgio deve sempre ser perguntada se está confortável no centro de acolhida em que se encontra e, quando estiver sendo discriminada, ter a possibilidade de mudança para outro centro.

Andrade fez questão de ressaltar que tanto o trabalho das instituições que atendem ao público imigrante em São Paulo como os serviços prestados pelas organizações que atendem ao público LGBT na cidade são muito eficientes; o que ainda falta é uma maior articulação entre os dois públicos-alvo, isto é, pensar estratégias especificamente para o público LGBT estrangeiro. De acordo com o pesquisador, imigrantes e refugiados LGBT que vêm para o Brasil normalmente estão fugindo da discriminação de suas próprias famílias e também de seus conterrâneos e chegam buscando uma maior liberdade sexual e afetiva. Acontece que, na maior parte das vezes, essas pessoas são encaminhadas para as instituições que atendem ao público imigrante e, então, encontram com outras pessoas da mesma nacionalidade, tendo muitas vezes que morar com elas nos centros de acolhida, o que acaba por inibir, mais uma vez, suas orientações sexuais e identidades de gênero a fim de não sofrerem discriminação. Como muitas vezes as informações não são bem difundidas entre a população imigrante, essas pessoas não sabem que podem recorrer às organizações que trabalham com o público LGBT em São Paulo. Daí a maior necessidade de articulação entre as instituições que trabalham com imigrantes/refugiados e as que trabalham com o público LGBT, a fim de que a população estrangeira LGBT tenha redes nas quais se apoiar sem que sejam somente baseadas em compatriotas, com os quais escondem suas sexualidades ou são discriminados.

Público lotou o auditório da DPU para acompanhar a roda de conversa. Crédito: Fabio Ando Filho
Público lotou o auditório da DPU para acompanhar a roda de conversa.
Crédito: Fabio Ando Filho

Por fim, no que diz respeito à elegibilidade, isto é, aos deferimentos ou indeferimentos das solicitações de refúgio baseadas em perseguição por orientação sexual e identidade de gênero, Vítor Andrade destacou também a necessidade de capacitação nas questões de gênero e sexualidade para as pessoas que trabalham como agentes de elegibilidade. O pesquisador ressaltou que é preciso estar atento às especificidades culturais, ou seja, ao fato de que ser gay no Brasil não é a mesma coisa que ser gay na Nigéria, por exemplo. Nesse sentido, os agentes de elegibilidade não podem se deixar levar pelos próprios preconceitos e estereótipos no momento de analisar as solicitações de refúgio, como as associações de homossexualidade masculina à feminilidade e de lesbianidade à masculinidade.

Próximos passos

Um dos principais desdobramentos da atividade, por parte da política pública de atendimento à população de imigrantes, é o fomento à promoção de direitos humanos e sociais de forma democrática, abrindo a agenda de trabalho e gestão dos serviços para consulta e diálogo direto com a população. Além disso, as coordenações de políticas para migrantes e para LGBT da SMDHC firmaram o início de um trabalho de cooperação entre seus serviços.

Nos dias 27/09 e 03/10 o CRAI já recebeu visitas de técnicos trabalhadores, respectivamente, do Centro de Cidadania LGBT (CCLGBT) do Arouche e do recém-inaugurado CCLGBT Luana Barbosa dos Reis, situado na Zona Norte de São Paulo. As visitas técnicas tiveram como objetivo a troca de conhecimento sobre procedimentos de trabalho, contexto geral do público atendido e divulgação das políticas em curso para ambas as populações, além da discussão de casos de atendimentos.

Roda de conversa debateu a situação de imigrantes LGBT na cidade de São Paulo. Crédito: Fabio Ando Filho
Roda de conversa debateu a situação de imigrantes LGBT na cidade de São Paulo.
Crédito: Fabio Ando Filho

Sobre o CRAI-SP

Inaugurado em 2014, o CRAI-SP é o primeiro centro público de atendimento especializado à população imigrante e referência na promoção de seus direitos no Brasil. Além de reunir esses serviços, o CRAI também é usado como espaço para discussões e articulações junto aos migrantes e à sociedade civil.

A qualificação do atendimento ao público imigrante LGBT tornou-se uma das prioridades do CRAI a partir do 1° semestre de 2016, incluindo a atividade promovida em torno do tema durante o último Fórum Social Mundial de Migrações, em São Paulo.
* Ana Gebrim é psicanalista e socióloga e tem experiência com imigração e refúgio.

** Fábio Ando Filho é educador popular, cientista social e trabalha como assistente de projetos no CRAI.

*** Vítor Lopes Andrade é bacharel em Relações Internacionais e atualmente cursa o mestrado em Antropologia Social.

Publicidade

Últimas Noticías