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sexta-feira, março 29, 2024

“The Greek Freak”: Giannis Antetokounmpo foi de apátrida a melhor jogador da NBA

Filho de imigrantes nigerianos não documentados, ele viveu até os 18 anos na periferia de Atenas, sem nenhuma cidadania nacional; hoje é um dos destaques da principal liga de basquete do mundo

Por Mathias Boni
(Publicado originalmente em 2.jul.2019 e atualizado às 12h45 de 21.jul.2021)

“Toda vez que eu entro em quadra, eu penso nos meus pais.” Essa foi umas das frases do emocionado Giannis Antetokounmpo em seu discurso de recebimento do prêmio de melhor jogador da temporada 2018/2019 da NBA, em junho de 2019. Uma dose que foi repetida na temporada seguinte (2019/2020).

Embora não tenha levado o prêmio na temporada encerrada nesta semana, Giannis foi fundamental para seu time, o Milwaukee Bucks, romper com um jejum de 50 anos e conqusitar o título da NBA. Ele marcou nada menos que 50 pontos, 14 rebotes e 5 tocos, numa atuação digna das grandes lendas do esporte, na vitória sobre o Phoenix Suns por 105 a 98.

“Dou esperança para as pessoas na África, na Europa e no mundo. Pode ser feito. Espero que isso dê esperanças a todos no mundo. Acredite nos seus sonhos. Foi uma longa jornada. Fiz de tudo. Estar aqui e não jogar. Vir do banco. Jogar de armador, de defensor no corner. Essa noite, precisei fazer de tudo. Os Bucks me draftaram, me fizeram sentir em casa aqui. Khris [Middleton], Jrue [Holiday], o técnico Bud. Sempre me colocaram para frente. E eu não posso parar. É o meu jeito. Eu sou assim”, definiu Giannis, na entrevista coletiva após o jogo, abraçado aos troféus.

A trajetória que levou o garoto nascido na periferia de Atenas, capital da Grécia, ao posto de estrela da mais famosa liga de basquete do mundo, foi das mais árduas. Um caminho iniciado ainda pelos seus pais, antes mesmo dele nascer, em busca de melhores condições para sobreviver com dignidade.

Da periferia de Atenas aos EUA

Giannis é o terceiro de cinco filhos dos nigerianos Charles e Veronica Antetokounmpo. Em 1991, o casal imigrou da Nigéria para a Grécia em busca de melhores condições de sobrevivência, pois seu país natal atravessava um período de crise econômica e forte instabilidade política na época. Giannis nasceria somente três anos depois, em 1994, já em território grego, assim como todos os seus irmãos.

Como seus pais eram imigrantes indocumentados na Grécia, portanto, vivendo em situação migratória “irregular”, Giannis e seus irmãos não adquiriram a nacionalidade grega após os seus nascimentos. Também não registrados na Nigéria, país natal de seus pais, os irmãos Antetokounmpo cresceram nas periferias de Atenas como apátridas, não sendo oficialmente reconhecidos como nacionais de nenhum país.

Na época em que os pais de Giannis chegaram à Grécia, no final da década de 1980 e início da de 1990, o país helênico recebia um grande fluxo migratório, principalmente em decorrência dos conflitos incipientes nos Balcãs. Até 1991, a legislação grega para tratar questões migratórias ainda datava da década de 1920. Então, nesse ano, o mesmo em que os pais de Giannis chegaram na Grécia, o governo grego atualizou sua legislação, na forma da Lei Federal No. 1975/1991. Redigida por um governo conservador, em um contexto onde a Grécia se mostrava despreparada para receber o grande número de imigrantes que chegavam ao seu território, a nova lei tinha basicamente uma perspectiva de forte restrição de direitos a esses novos imigrantes, com o intuito de forçar a saída dos que lá já estavam e também desencorajar novas chegadas.

Após a promulgação da lei, estrangeiros na Grécia poderiam trabalhar legalmente no país apenas se um visto de residência e trabalho fosse requerido e aprovado antes de sua chegada, sem prever possibilidades de regularização para os que já se encontravam em território grego. Além de restringir o acesso a serviços públicos básicos, como saúde e educação, a lei ainda previa possibilidades de prisão, por até cinco anos, e também de deportação, aos imigrantes indocumentados que fossem pegos pelas autoridades gregas.

Ao longo de toda a década de 1990, cerca de 2 milhões de imigrantes foram deportados da Grécia. Mesmo assim, muitos imigrantes indocumentados continuaram lá vivendo e trabalhando, informalmente, como a família Antetokounmpo. Com o medo de serem presos ou deportados, viviam com medo e insegurança constantes, além das dificuldades financeiras que a sua situação acarretava. A Grécia experimentou um período de certo crescimento econômico no fim do século passado e começo dos anos 2000, impulsionado também pela escolha do país como sede da Olimpíada de 2004 – que ocorreu na capital, Atenas. Os empregadores gregos, nessa época, favoreceram o uso de imigrantes em situação migratória irregular, para flexibilizar suas obrigações trabalhistas. Por isso, nos primeiros anos do século XXI, a exploração do trabalho informal de imigrantes, que muitas vezes estavam em condições análogas à escravidão, chegou a corresponder a cerca de 30% do PIB grego.

Nessa parcela, estava a família Antetokounmpo, incluindo Giannins e seus irmãos mais velhos, Kostas e Thanasis, que também já trabalhavam na rua como vendedores ambulantes. No documentário Finding Giannis, o atleta relembra as dificuldades enfrentadas por seus pais e sua família durante sua infância, principalmente por serem imigrantes em situação migratória “irregular”.

“Por 20 anos, eles (meus pais) viveram em situação ilegal. É muito difícil viver 20 anos sem documentos. Muito, muito difícil. Você tem filhos e precisa buscar trabalho, mas sem documentos é impossível achar algo decente. A qualquer momento os policiais podem te parar e dizer: ‘Venha aqui que vou te mandar de volta para o seu país”, afirmou.

O principal meio de lazer que Giannis e seus irmãos tinham durante a infância era passar o tempo praticando o seu esporte favorito: futebol. Charles, o pai, era apaixonado por futebol, esporte mais popular da Nigéria, e também da Grécia, e passou essa paixão para os filhos. Os irmãos também gostavam de jogar basquete, principalmente pela altura já avantajada, mas o esporte número um era definitivamente o futebol. Até 2007. Quando um olheiro viu os três irmãos jogando basquete em uma periferia de Atenas, ficou significativamente impressionado, e os convenceu que o futuro deles deveria ser mesmo com uma bola nas mãos, e não nos pés.

Os três começaram a jogar em um time pequeno da Grécia, em troca de uma pequena ajuda de custo, o que começou a aliviar um pouco a situação da família. Com o passar dos anos, tiveram uma evolução técnica e física espetacular, principalmente Giannis. Ao completar 18 anos, seu nome estava sendo sondado para jogar na NBA, a liga de basquete americana. E foi só mesmo quando a liga demonstrou de maneira concreta o seu interesse de contar com Giannis e ele precisou comprar uma passagem para Nova York, onde seria o processo de escolha dos novos jogadores da NBA, que ele e seus irmãos finalmente receberam a cidadania grega, o que precisou ainda de uma intervenção direta do Ministro dos Esportes para acontecer.

Dias depois, já nos Estados Unidos, Giannis Antetokounmpo foi escolhido para jogar no Milwaukee Bucks. Ao subir no palco para confirmar a sua entrada na liga, e aparecer pela primeira vez para o mundo inteiro como novo jogador da NBA, Giannis orgulhosamente trazia junto a si uma bandeira grega.

Giannis e o debate sobre migração

Giannis entrou na NBA em 2013, e, nos anos seguintes, sua popularidade foi crescendo gradativamente na liga – na mesma medida em que crescia a questão migratória na Europa. Assim, pelo seu reconhecimento midiático e o histórico de sua família, não demorou para que ele visse seu nome inserido também no centro do debate sobre imigração.

Apesar de muitas reações negativas de uma parte da população grega em relação a eles, os irmãos Antetokounmpo sempre se consideraram gregos, afinal, até ali, eles só haviam conhecido a Grécia. Todos os irmãos cumpriram o serviço militar obrigatório, aprenderam a falar grego e seguiram a religião cristã ortodoxa, praticada por 97% dos habitantes do país. Apesar disso, logo quando ele foi anunciado na NBA, quando apareceu mundialmente junto à bandeira da Grécia, ele sofreu um terrível ataque racista de Nikolaos Michaloliakos, líder do partido grego de extrema-direita “Aurora Dourada”.

“Se você dá a um chimpanzé uma banana e uma bandeira, isso faz dele um grego?”, falou na época o político. 

O ataque racista suscitou uma firme resposta do primeiro-ministro do país no período, Antónis Samaras. “Giannis não se tornou grego porque ganhou documentos. Ele lutou para ser grego. Ele foi à escola desde muito jovem e aprendeu a falar grego melhor que muitos gregos. Ninguém pediu a ele que fizesse isso, mas ele escolheu ser batizado como cristão ortodoxo. Ele começou jogando nos parquinhos de Atenas e hoje está na NBA. Ele é um de nós e nos deixa orgulhoso. Ele é mais grego do que todos aqueles que falam mal dele por causa da cor de sua pele e queimam nossa bandeira. Essas pessoas sim é que são uma desgraça para nosso país.”

Giannis não deixou os ataques racistas e xenófobos que recebia na Grécia impedi-lo de continuar evoluindo como jogador, mesmo quando as ofensas se tornaram mais recorrentes, o que ocorreu após ele passar a defender a seleção nacional de basquete. Giannis conta que muitos o mandavam “ir de volta para a Nigéria”, mesmo sem ele nunca ter estado naquele país em sua vida. Aos poucos, ele foi se transformando em um dos melhores jogadores da NBA, e suas atuações impressionantes o renderam um apelido nos Estados Unidos: “The Greek Freak.” Em 2017, Giannis renovou seu contrato com o Milwaukee Bucks, em um acordo que lhe rendeu mais de US$ 100 milhões.

Kostas e Thanasis, seus irmãos mais velhos, também viraram jogadores de basquete profissionais. Mesmo sem o mesmo destaque do irmão, também são atletas de ótimo nível, jogando nos principais times da Grécia, e, assim como o irmão, defendendo a seleção grega. Infelizmente, nem o sucesso e a história de superação dos irmãos Antetokounmpo é suficiente para cessar as ofensas racistas a eles, pelo contrário. Recentemente, um comentarista esportivo grego chamou Thanasis, do clube Panathinaikos, de macaco durante uma partida sua pela liga grega. O terrível ataque ao irmão fez Giannis se manifestar publicamente.

“Se esse tipo de coisa pode acontecer com Thanasis, que representa a seleção nacional grega e o Panathinaikos com orgulho e sempre com um sorriso, podemos imaginar o que acontece com as outras pessoas de cor na Grécia. Estou extremamente triste e desapontado, mas não vamos deixar esses comentários negativos mudar essa família e o nosso amor pelo país onde crescemos. Meus irmãos e eu estamos orgulhosos de sermos greco-nigerianos, e se alguém não estiver contente com isso, o problema é seu.”

Exceções à regra

O jurista Nikos Odubitan é ativista social, sendo o fundador da organização Generation 2.0, um grupo de advogados que defende os direitos dos imigrantes e refugiados na Grécia. Em entrevista ao jornal The New York Times, ele saúda o sucesso de Giannis e seus irmãos, mas ressalta que os seus casos são excepcionais.

“Ainda hoje, os imigrantes, mesmo de segunda e terceira gerações, têm imensas dificuldades em assegurar um visto legal de residência para si, quanto mais a cidadania grega. Os Antetokounmpo só receberam a cidadania porque Giannis estava indo para a melhor liga de basquete do mundo. É isso que você precisa conseguir para obter a cidadania grega? Ser um dos melhores atletas do mundo? Precisamos aproveitar o exemplo deles para buscar mais meios que favoreçam a regularização de imigrantes e seus descendentes na Grécia”.

Giannis e seus irmãos têm buscado exatamente isso. Eles participam de organizações solidárias na Grécia que defendem os direitos dos imigrantes no país, e também financiam os estudos e a prática de esportes de jovens descendentes de imigrantes não documentados. Além dessas ações, o sucesso dos Antetokounmpo também pode servir de inspiração para que os imigrantes continuem resistindo às inúmeras dificuldades que enfrentam, sem perder as esperanças. Foi isso que Charles e Veronica ensinaram aos filhos.

A trajetória de um imigrante forçado sempre vai ser difícil, cheia de obstáculos, ainda mais se sua situação não está regularizada no novo país onde vive. Porém, essa trajetória não necessariamente precisa levar até Nova York, em uma cerimônia de gala, para ser bem-sucedida. Para muitos, simplesmente poder viver com dignidade já é o maior prêmio.


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