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quinta-feira, março 14, 2024

60 anos depois, celebrações do Dia da África mobilizam africanos no continente e na diáspora

No Brasil e em outros países, africanos celebram a data que prega a união do continente e buscam derrubar estereótipos sobre o continente

Por Mamadú Cissé*
Do ProMigra

Ao longo desta última semana de maio, organizações multilaterais africanas e globais, cidadãos e cidadãs africanos/as estão conduzindo atividades em celebração do Dia da África. Migrantes, afrodiaspóricos, pesquisadores e atores da sociedade civil foram protagonistas de ações e discussões marcadas por temas como migrações, produção de conhecimento, mudança do olhar sobre o continente, autoestima, manifestação cultural dentre outros.

Nesse texto, o ProMigra ouviu organizadores dos eventos em comemoração do 25 de Maio na África, Europa e várias regiões do Brasil.

A data de 25 de Maio como Dia da África foi instituída em homenagem à fundação da Organização da Unidade Africana (OUA), hoje União Africana, nesse mesmo dia em 1963. Na altura, o então imperador etíope, Haile Selassie, e outras três dezenas de chefes de Estado se reuniram em Adis Abeba (capital da Etiópia) para reafirmarem a unidade do continente face ao colonialismo e imperialismo europeu.

Muita coisa mudou no mundo nesses 60 anos. Mas o mesmo sentimento pan–africanista que motivou a fundação da OUA continua sendo um dos mecanismos impulsionadores das políticas estruturais para todo o continente. Na prática, órgãos políticos africanos têm retomado esse legado pan–africanista para reafirmarem a unidade do continente perante sua diversidade, tendo a solidariedade como um dos valores centrais.

Como as migrações aparecem em meio as agendas estruturais do continente africano?

Apesar dessa janela temporal, as principais agendas geopolíticas do continente continuam expressando a vontade e ambição de uma trajetória que aponta para prosperidade de todo continente. Para este ano, por exemplo, a União Africana adotou como tema “Nossa África, nosso futuro”, numa tentativa de enfatizar as urgências em torno da paz social e desenvolvimento socioeconômico no continente.

A nível institucional, o secretário–geral da Nações Unidas, António Guterres, enfatizou as potencialidades do continente ao prestar homenagens à essa data, declarando que “o dinamismo da África é imparável; o seu potencial é de tirar o fôlego, desde a vitalidade do seu enorme número de jovens até às possibilidades do comércio livre”. Guterres ainda adotou um tom crítico ao exortar “a comunidade internacional a estar ao lado de África. África merece paz, justiça e solidariedade internacional”, conclui na sua mensagem veiculada pela agência noticiosa da ONU especializada em temas sobre o continente africano, Africa Renewal.

Internamente, a União Africana esteve na vanguarda das celebrações, tendo organizado sessão especial na sede da União Africana em Adis Abeba e no Parlamento Pan-Africano, seu órgão legislativo sediado na África do Sul. Dentre os discursos, é relevante sublinhar duas passagens; primeiro, do segundo vice–presidente do parlamento Pan–Africano, Ashibiri Gayo: “como vamos celebrar o Dia de África em 2024?”, questionou, manifestando de seguida sua vontade ao indicar que “gostaria que tivéssemos liberdade de circulação consolidada em toda África”, concluiu. Por fim, o presidente de Comores e da União Africana, Azali Assoumani, assegurou que “juntos, conseguiremos criar as condições para a livre circulação de bens e pessoas no espaço continental africano”.

Atualmente, a emancipação socioeconômica da África é das pautas que mais aparecem em voga e isso se deve em grande parte à mobilização e apropriação que a comunidade diaspórica fez da Agenda 2063, nomeado como “África que queremos”. Representantes das mulheres, da juventude, das organizações da sociedade civil e diáspora são contribuintes ativos para debates estruturais nos principais fóruns políticos da própria União Africana.

A Agenda 2063 é um documento–compromisso amplo que expressa as principais ambições, desafios e metas da governança para o progresso do continente num período de 50 anos (2013 – 2063), ao mesmo tempo que visa retomar a autoestima e agência da África em sua agenda de reformas, desenvolvimento e demais assuntos que a interessem e afetem por meio da mudança de percepções sobre o continente.

É nela que também aparece o memorando de entendimento para implementação do “Passaporte único Africano e Livre Movimento de Pessoas”, cuja meta é remover todas restrições documentais e barreiras fronteiriças de viagem, estabelecimento, trabalho e estudos entre todos os países como forma de acelerar a integração do continente e aumentar o intercâmbio sociocultural.

Sob acompanhamento do Departamento de Assuntos Sociais da União Africana – órgão responsável pela governança migratória no continente – esse documento tem servido de base e inspiração para novas políticas migratórias tanto a nível da governança continental quanto para políticas públicas migratórias regionais e nacionais. Vale lembrar que as migrações africanas ocorrem essencialmente dentro das sub–regiões do continente, sendo que o número de pessoas que migram dentro do continente chegou a atingir 75% do total recentemente, segundo dados da FAO (Agência da ONU para Alimentação e Agricultura) revelados pelo jornal El Pais.

Esse número também deve ser entendido como resultado de não apenas conflitos que de fato deslocam muitas populações, mas também de dinâmicas de corredores migratórios entre diversas sub–regiões que sempre fizeram do continente um cenário de constante movimento, intercâmbio social, cultural e econômico entre as nações. Efeitos de mudanças no clima também são chaves importantes a considerar.

25 de Maio e o protagonismo de africanos e suas redes construídas na diáspora

Além da parte institucional, junto a 60ª celebração da fundação da OUA, o Dia da África em 2023 é comemorado em meio a desafios da governança migratória e tentativas de aproximações com sua diáspora. Ouvimos pessoas e organizações que estiveram à frente dos eventos dentro e fora do continente, contando com bastante protagonismo de africanos e suas redes construídas na diáspora desde dentro das universidades até organizações da sociedade civil.

Em São Paulo, Leonel Vicente Mendes – doutorado em educação na USP – foi um dos organizadores das atividades na USP e lembrou a importância do 25 de Maio para reafirmar a “busca por fortalecimento dos laços encentrais que unem os africanos na diáspora e os que estão no continente através de inciativas de diversos movimentos sociais e de intelectuais por meio atividades acadêmicas, artísticas e culturais, debatendo desafios e fortalecendo essas relações”.

Para ele, “é impossível pensar o desenvolvimento do continente africano sem a participação ativa da sua diáspora, dado que esses migrantes têm contribuído em vários sentidos nos desafios postos ao continente, começando por questões econômicos através de envio de remessas de dinheiro que impulsiona a economia local em seus países de origem e contribui também na superação de pobreza. Adicionalmente, a produção acadêmica da diáspora desempenha um papel fundamental que influencia a agenda do desenvolvimento de alguns países africanos”, salientou.

No Rio Grande do Sul, José Rivair Macedo, ouvimos o professor titular do departamento de História da UFRGS e coordenador institucional da semana da África na UFRGS que tem sido organizada desde 2013. Em 2023, o evento está marcando sua 11ª edição sob a temática: “Línguas e conhecimentos africanos”, com homenagens ao intelectual senegalês Sheikh Anta Diop.

Refletindo sobre a mudança do ideário social sobre a África e os africanos, o professor está convencido de que “a Semana da África conseguiu estabelecer um espaço e reconhecimento em toda UFRGS. Vai além das celebrações e debates acadêmicos, oportuniza conexão entre pessoas negras do Rio Grande do Sul, estudantes e cidadãos africanos residentes em Porto Alegre. Na verdade, o evento propõe atividades com impacto social e educativo que consolidem o estabelecido na Lei 10.639 sobre ensino de história e cultura afro–brasileira” exemplificou. Rivair Macedo ainda lembrou que nessas onze edições os temas foram marcados pela “celebração do continente em equilíbrio com o debate e reflexão crítica, tais como: pensamento africano, questões de gênero, trabalho, migrações, as sociedades diaspóricas entre vários outros”.

Em vez de adotar abordagens focadas em afro–brasileiros e estadunidenses, o professor lembrou que o evento prioriza temas e realidades vinculadas diretamente ao continente africano, tendo migrantes e estudantes africanos/as como protagonistas em debates acerca das “contribuição de africanos e africanas no mundo contemporâneo com ideias sobre afrofuturismo, cosmopolitismo cultual, culinária, dança, produção de conhecimento, papel social e as dificuldades enfrentadas por migrantes africanos na Europa, no Brasil etc.”, algo que vai ao encontro dos constantes apelos da União Africana sobre a relevância da sexta região do continente constituída por sua diáspora.

Também teve eventos na Bahia, de onde Ussumane Embaló, que é estudante da UNILAB/BA e presidente em exercício da Associação de Estudantes e Amigos da África (ASEA), pontuou que a celebração do Dia da África “vai além da reflexão sobre a marginalização econômica e epistemológica do continente africano e debateu a conjuntura política dos Estados africanos. Foi também um momento de aproximação entre os africanos emigrantes e os que residem no continente”. Cabe recordar que a ASEA está celebrando a 10ª edição do evento em 2023.

No mais, Ussumane entende que “a agenda 2063 da União Africana infelizmente não mostra aos africanos sinais credíveis de que realmente será alcançada, mesmo que esteja certo e consciente em relação ao relevante papel do migrante africano diante dos desafios da agenda e do continente como um todo”, finalizou em tom crítico.

Logo comemorativa dos 60 anos da União Africana e das celebrações do Dia da África (Foto: União Africana)

O Dia da África na África e na Europa

A integrante do Núcleo de Estudantes Africanos no Instituto Universitário de Lisboa, Ana Vanessa da Veiga, é uma das organizadoras da 1ª edição da Semana de África no ISCTE sob a temática “60 anos da OUA (Organização da Unidade Africana): avanços, desafios e recuos”.

Ela entende que o evento “proporcionou aos estudantes, investigadores, docentes e demais interessados, um espaço de discussão e de partilha de conhecimentos e experiências sobre os desafios de transformação e desenvolvimento do continente africano ao mostrar a rica herança cultural da África e promover o intercâmbio cultural e a relação entre os africanos e a diáspora”.

Ela enfatizou ainda que “essa celebração tem para nós, enquanto estudantes e africanos, um significado especial. O nosso objetivo era dar visibilidade aos estudantes africanos desta instituição e ocupar um espaço que muitas vezes não é dado aos africanos em Portugal. Serviu também para mostrar que África é um continente e não um país; com muitas culturas, artes, gastronomias e riqueza humana. Isso nos fez refletir sobre o quão importante é a representatividade.

Da África, conversamos com Nkanande Ka, professor guineense e coordenador da Semana da África na Guiné–Bissau, país do continente africano, enfatizou que “essa celebração retoma os laços através de um dos princípios da ancestralidade, a Circularidade, sendo que somos árvores do mesmo tronco, mas separados involuntariamente pelas mazelas da brutal invasão e colonização; 25 de Maio apresenta a diáspora como parte da emancipação” relembrou.

Nkanande ainda exemplificou que “o Brasil é um país que discute bastante sobre a África e suas contribuições e tem vindo a possibilitar o encontro dos filhos da mãe África. Mas vejo que ainda estamos distantes pela ausência de uma certa união que permita efetivamente combater todas as formas de descriminação, de todo modo, observa-se avanços plausíveis”.

Ele lamentou que muitos africanos e afrodescendentes não conhecem a agenda 2063, mas reconhece que “migrantes têm contribuído para apresentar a África aos seus filhos que não a conhecem e criar espaços de interação com viés académico e social, com intuito de fortalecer os laços que une a diáspora e o continente”, adicionando que “é preciso mais atuação da União Africana no cumprimento da sua agenda, caso contrário, estamos perante um dia discurso utópico”, completou.

Sobre o autor

Mamadú Cissé é integrante do GT Acadêmico do ProMigra e se interessa pelas migrações africanas, políticas públicas e integração regional africana. Atualmente está cursando mestrado em Demografia no CEDEPLAR – UFMG.

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