A experiência de uma aluna que resolveu estudar inglês em um curso ministrado por pessoas em situação de refúgio. Se interessou? Para o segundo semestre tem mais
Por Priscila dos Santos Pacheco
O que ocupa a mente quando alguém pensa no significado do substantivo abraço? Envolvimento com os braços, demonstração de afeto e acolhimento? E quando a palavra está inserida no nome de um curso de idiomas ministrado por refugiados em São Paulo? Acolhimento é uma palavra que gosto para definir a minha relação com o Abraço Cultural, o acolhimento de diferentes culturas, o acolhimento recebido por quem precisou sair do país onde vivia por causa de algum conflito e, por fim, o acolhimento recebido por quem quer aprender um idioma e conhecer melhor outras culturas.
O Abraço Cultural foi desenhado pelo Atados, plataforma social que ainda estava em processo de gestação quando eu conheci em meados de 2012, época em que era estagiária de comunicação na ONG Canto Cidadão. O Daniel, um dos fundadores do Atados, foi o responsável pelo meu primeiro contato com pessoas em situação de refúgio. Em junho de 2013, Daniel enviou um convite para eu participar do One Love Junino, festa do Dia Mundial do Refugiado organizada pelo Atados e Adus – Instituto de Reintegração do Refugiado. A partir daquele momento começou a brotar em mim um interesse pela causa do refúgio. Antes do primeiro contato eu tinha grande interesse pelas questões do Oriente Médio e países como Afeganistão, mas o que acompanhava estava ligado aos conflitos e ao turismo. Naquele domingo de 2013 ampliei o meu olhar para outras regiões e para o ser humano que vivia entre os conflitos.
E foi justamente por meio do Atados que conheci o Abraço Cultural, pois em maio desse ano chegou uma notificação do Daniel para eu curtir a página do curso. A princípio não pensava em fazer nenhuma aula, porque estava estudando o nível avançado 1 de inglês em outra instituição. Todavia, a proposta de oferecer aulas por meio de uma metodologia que foge do tradicional e as aulas sobre cultura atiçavam a minha curiosidade e o meu desejo. Decidi fazer a minha matrícula no Abraço Cultural por causa da minha grande dificuldade em aprender inglês. Com tantas limitações não seria nada bom ficar sem aulas em julho e as minhas tentativas em ser autodidata não haviam funcionado para esse idioma. Além disso, as aulas do Abraço Cultural pretendiam dar ênfase para a conversação, a minha maior dificuldade. O meu antigo curso “pegava pesado” na gramática, portanto, vi as aulas do Abraço como uma oportunidade para complementar o que já estava aprendendo e de sanar algumas deficiências que haviam ficado dos módulos anteriores.
Uma professora sempre dizia que devíamos resolver todas as nossas deficiências antes de passar para o módulo seguinte, porque em algum momento o acúmulo nos derrubaria. Fui derrubada no fim de junho ao ser reprovada no avançado 1 por ter tirado 6,7 de nota sendo que a média era 7. O desespero veio forte, principalmente porque inglês é essencial para jornalistas. Pensei: “Não posso refazer o avançado 1 sem resolver as pendências do passado”. O Abraço Cultural não fechou turma para avançado e eu fiquei na turma de intermediário, mas não vejo como um retrocesso. Foi necessário. Logo no primeiro dia de aula foi possível perceber a sensação de acolhimento. Em uma sala pequena com paredes brancas estava um professor e nove alunos, sendo que um deles, no caso eu, sentia um imenso medo de errar e ainda carregava uma certa angústia por ter sido reprovada no antigo curso.
Wessam, o professor de inglês com foco em cultura árabe, é formado em administração de empresas, morou na Inglaterra por alguns anos e saiu da Síria com a família durante a guerra civil. Chegou ao Brasil no segundo semestre de 2014, mas ainda fala pouco português. Ensina o inglês com muita paciência. Lembro que em uma das aulas eu não conseguia pronunciar uma palavra e ele a repetiu comigo como fazia pacientemente em outras ocasiões, depois comentou que também tinha dificuldades para pronunciar a palavra “Eu” em português. Senti uma empatia nesse compartilhamento de dificuldades. Alphonse, professor de inglês com foco em cultura africana, veio da República Democrática do Congo e com muito entusiasmo nos acolhia durante as aulas culturais que eram compartilhadas com Wessam.
No Abraço Cultural não sentia a pressão para atingir uma determinada nota. O meu coração não acelerava pela preocupação em fazer pontos em uma prova escrita ou em uma apresentação. Ao contrário, tinha em mente que estava naquele lugar para aprender a falar, escrever e ler o inglês sem a obrigação de conseguir pelo menos sete pontos na média. Outra questão muito importante é que estava naquele lugar para pensar e conhecer diferentes culturas. Outra experiência que pode ser destacada aconteceu no último dia de aula, momento em que invertemos os papéis e os professores se tornaram alunos. Nossa missão era apresentar, em inglês, questões sobre o Brasil. Eu falei a respeito da reserva ambiental que existe no extremo sul de São Paulo, sobre os índios que vivem lá, mostrei algumas cachoeiras daquele lugar, de Minas Gerais e da Bahia. Eles demonstraram interesse pelo que estava falando e pela primeira vez me senti leve em uma apresentação em inglês, apesar das dificuldades. O Abraço Cultural parece ser um pouco terapêutico.
Durante a jornada de julho lembrei-me de um livro que se chama “Volta ao mundo em 13 escolas”. Ele mostra instituições que fogem do modo tradicional de ensino e valorizam o pensar, a reflexão e a autonomia da aprendizagem. Creio que o Abraço Cultural segue esta linha. É uma boa opção para aprender o idioma, conhecer diferentes culturas e compreender a causa do refúgio. Afinal, apesar de o tema está aparecendo na mídia com mais frequência ainda há muitas visões deturpadas por parte da sociedade sobre o refúgio. Quem são as pessoas que estão refugiadas? De onde elas vieram? O que existe no país delas? O que eles dançam? O que gostam de comer? Qual a arte que produzem? Qual a vida que pulsa em meio a um conflito? Na troca de aprendizagens estão a demonstração de afeto, o acolhimento e o envolvimento com os braços, podem ser braços invisíveis ou imaginários. Fizeram uma boa escolha para o nome.
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Além do inglês, o Abraço Cultural também oferece aulas de espanhol, francês e árabe. No primeiro semestre, foram 120 alunos, 12 turmas e 14 professores. As aulas aconteceram na Bibliaspa, entidade voltada para estudos árabes e que também oferece cursos de português para imigrantes e refugiados.
Para o segundo semestre estão previstas 450 vagas e as inscrições já podem ser feitas por meio do site http://abracocultural.com.br/inscricoes/
[…] promover a inserção dos migrantes no Brasil a partir do conhecimento cultural de cada um, como o Abraço Cultural e o Migraflix – ambas, aliás, figuram como apoiadoras do […]
[…] promover a inserção dos migrantes no Brasil a partir do conhecimento cultural de cada um, como o Abraço Cultural e o Migraflix – ambas, aliás, figuram como apoiadoras do […]