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quarta-feira, outubro 16, 2024

A importância da competência intercultural e dos mediadores interculturais no cuidado à saúde dos migrantes

O desenvolvimento da Competência Intercultural vem para tentar superar todas as barreiras, desafios e problemas que os profissionais de saúde enfrentam no atendimento a populações culturalmente diversas, como os migrantes de diferentes origens

Por Hiordana Bustamante
Do Observatório Saúde e Migração

Estudos demonstram que os migrantes enfrentam uma série de desafios no acesso a cuidados de saúde em geral. De início podemos destacar obstáculos no acesso à informação sobre o funcionamento do sistema de saúde do novo país de residência, dificuldades para tomar conhecimento sobre seus direitos, problemas financeiros pela dificuldade em se inserir no mercado de trabalho, exclusão social, entre outros.

Porém, os maiores obstáculos que os migrantes enfrentam no cuidado à saúde na chegada ao novo país de residência, são as barreiras linguísticas e culturais. No Brasil, com uma população majoritariamente monolíngue, as diferenças linguísticas que os migrantes enfrentam resultam frequentemente em dificuldades para se comunicar fluentemente em português, isso prejudica a comunicação com os  profissionais na hora de procurar cuidados em saúde, o que pode levar a mal-entendidos, falhas na comunicação dos sintomas, no entendimento do diagnóstico e dos riscos e benefícios do tratamento; podendo, inclusive, gerar até agravamento a saúde dos migrantes.

Já as barreiras do tipo culturais podem influenciar na disposição para a busca por tratamento, uma vez que migrantes provenientes de culturas diferentes podem ter atitudes distintas em relação à procura por cuidados em saúde. Existem evidências que confirmam o fato da cultura ter uma influência decisiva sobre a forma como os sintomas são vividos e interpretados tanto subjetivamente como socialmente. As explicações que damos aos nossos sintomas estão estreitamente relacionados às nossas crenças e podem nos conduzir a processos terapêuticos muitas vezes antagônicos em relação a métodos e técnicas que os profissionais usam.

Aliás, alguns migrantes provenientes de países como a Bolívia têm crenças e práticas de cuidado à saúde muito diferentes dos da medicina ocidental. Por exemplo, podem dar maior importância às práticas de saúde holística e ao uso de remédios naturais. Sendo assim, os profissionais da saúde que não estejam familiarizados com essa diversidade de práticas e saberes, correm o risco de interpretá-las erroneamente ou inclusive descartá-las, dando lugar a quebra na comunicação e na confiança do sistema de saúde e do profissional.

Se somamos a isso a falta de informação que os migrantes têm ou podem ter sobre a forma como funciona o sistema de saúde no novo país, obviamente os obstáculos se multiplicam na procura por atendimento médico  e no acesso aos cuidados que possam estar precisando. Isso gera aumento inclusive, dos riscos para problemas de saúde mais graves devido ao desconhecimento da população migrante sobre o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Competência Intercultural

Nesse sentido, o desenvolvimento da Competência Intercultural vem para tentar superar todas as barreiras, desafios e problemas que os profissionais enfrentam no atendimento a populações culturalmente diversas. A Competência Intercultural em saúde é definida como a combinação de conhecimentos, atitudes e habilidades necessárias para que os profissionais da saúde possam interagir eficazmente com populações cultural e etnicamente diversas.

A Competência Intercultural é fundamental porque permite que todos, independente das origens culturais, tenham acesso a cuidados de saúde equitativos e de qualidade. Elas possibilitam, ao mesmo tempo, que os profissionais possam entender e respeitar as crenças e as  práticas culturais dos migrantes, e desta forma, melhorar não somente a comunicação e a confiança entre profissionais e usuários, mas principalmente, melhorar os resultados de saúde dos migrantes tendo um impacto importante na redução das disparidades nos cuidados à saúde em geral  das pessoas culturalmente diversas.

E como se tudo isso não bastasse, a Competência Intercultural também pode favorecer a redução dos custos em saúde, visto que, ao prestar atendimentos adaptados às especificidades da população migrante, os profissionais da saúde contribuem na redução de hospitalizações desnecessárias e reduzem intervenções médicas de alto custo.

Algumas estratégias a serem usadas pelos profissionais da saúde, tanto na atenção primária como na especializada, com vistas a melhorar a competência intercultural no cuidado à saúde de populações culturalmente diversas, está relacionada com a oferta de treinamento e educação em competência intercultural desde o início da formação profissional.

Para tanto, é necessário também capacitação permanente por meio de seminários, cursos online e workshops com profissionais de diversas áreas entre eles antropólogos e migrantes de diversas origens culturais, de forma a permitir que os profissionais da saúde possam entender melhor as características culturais das mais diversas comunidades migrantes atendidas no território de atuação com a intenção de brindar cuidados sensíveis às diferenças culturais.

Além de espaços de formação, é importante que os equipamentos de saúde contem com serviços linguísticos para auxiliar a comunicação entre profissionais e migrantes, a partir da incorporação de tradutores, profissionais bilíngues, uso de novas tecnologias como videoconferências e software de tradução. Desta forma, podem ser superar as barreiras linguísticas, permitindo uma comunicação verdadeira e efetiva com os profissionais, e assim, brindar cuidados adequados em saúde.

Da mesma forma, os serviços de saúde podem adaptar os ambientes tornando estes mais acolhedores e inclusivos por meio da disposição de cartazes multilíngues, providenciando alimentos e bebidas culturalmente adaptados e incorporação nos ambientes da saúde diversos elementos culturais, de forma a permitir que os migrantes se sintam seguros e bem vindos também nesses espaços. Outra estratégia que pode ser implementada é o acesso a materiais de informação multilíngues, incluindo formulários de consentimento e protocolos de atendimento disponíveis para o atendimento à população migrante.

Mediadores interculturais

Para finalizar, é importante ressaltar que existem iniciativas exitosas de competência intercultural na área da saúde. Um deles é a presença de “Agentes Comunitários de saúde” os quais frequentemente são membros do mesmo contexto cultural dos usuários, isso permite entender as necessidades e especificidades culturais dessa comunidade. Porém, é preciso que isso se amplie na contratação também de migrantes das mais diversas origens culturais em todos os territórios onde predomine a presença de migrantes.

Para esse propósito, é necessário pensar na formação de Mediadores Interculturais que estejam inseridos nos diversos equipamentos de saúde de forma a garantir o acesso de migrantes a direitos e serviços com  qualidade e equidade. Pensar na incorporação de migrantes em programas de formação para Mediadores Interculturais, possibilita a inserção destes, nos serviços de cuidado à saúde, auxiliando desta forma na tradução das orientações médicas, a explicação dos procedimentos médicos e as orientações necessárias para que migrantes entendam seus direitos e responsabilidades, isso é possível porque migrantes em qualidade de Mediadores Interculturais são bilíngues ou multilíngues e possuem  conhecimentos vivenciais da cultura e tradições das comunidades migrantes, permitindo a superação das barreiras linguísticas e culturais que existe entre provedores de atenção médica e migrantes, melhorando desta forma o acesso aos cuidados em saúde para a população migrante.

No entanto, é necessário que médicos, governantes e população em geral, reconheçam a importância dos Mediadores Interculturais e trabalhem em conjunto para a formação e contratação destes, nos serviços públicos, principalmente nos da saúde. Do mesmo modo, é importante resgatar e incorporar iniciativas exitosas de outros paises. Por exemplo, no Canadá os profissionais bilíngues usam um adesivo no crachá que diz “Eu falo francês” ou “Eu falo espanhol”. Isso estimula as pessoas a utilizarem suas próprias línguas e normaliza o uso no ambiente de saúde. 

Sobre a autora

Lineth Hiordana Ugarte Bustamante é migrante boliviana de origem quéchua, formada em Psicologia e Serviço Social, ativista pelos Direitos Humanos das populações minoritarias e pesquisadora da questão migratória e sua relação com a saúde mental. Integra o Observatório Saúde e Migração

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