Por Rocio Bravo Shuña
Da Fenami e do OSM (Observatório Saúde e Migração)
Neste ano, duas notícias vindas de Uganda têm abalado as comunidades e os movimentos em prol dos direitos humanos, especialmente dos direitos da população LGBTQI+. Uma delas diz respeito à assinatura de uma lei anti-LGBTQI+ pelo presidente Yoweri Museveni, e a outra trata da suspensão de ajuda financeira pelo Banco Mundial em resposta a essa lei.
No dia 29 de maio deste ano, o presidente da Uganda assinou uma lei anti-LGBTQI+, uma das mais punitivas leis contra os direitos das pessoas LGBTQI+. Esta legislação inclui a pena de morte por “agravante homossexual” e representa um retrocesso severo nos direitos humanos e na dignidade dessa população. A discriminação legalizada promovida por essa lei pode levar à estigmatização, à violência e à exclusão social, afetando diretamente a saúde mental e a própria vida das pessoas LGBTQI+.
Em um contexto de discriminação institucionalizada, muitas pessoas LGBTQI+ podem buscar refúgio em países que possuem leis favoráveis aos direitos dessa comunidade, como é o caso do Brasil. No entanto, é importante notar que, mesmo em locais com legislações progressistas, os desafios persistem. A operacionalização efetiva das leis nem sempre é cumprida, resultando em casos contínuos de LGBTQI+fobia. O Brasil, por exemplo, ainda é uns dos país que mais registra assassinatos de pessoas trans.
Quando consideramos a interseção entre raça/etnia/cor, identidade de gênero, orientação sexual e migração, outros desafios emergem, principalmente no que diz respeito ao acesso aos serviços de saúde. Por exemplo, pessoas que iniciaram seu tratamento hormonal mesmo na clandestinidade em seus países de origem podem encontrar barreiras para continuar o processo de transição durante o processo migratório ou mesmo no país de acolhimento.
Dificuldades
Minha experiência como pesquisadora e ativista em prol dos direitos das pessoas migrantes LGBTQI+ destacou as dificuldades enfrentadas pelos profissionais de saúde ao lidar com a diversidade sexual e de gênero em indivíduos com características étnicas marcantes, especialmente aqueles provenientes de comunidades indígenas ou grupos étnicos do Oriente Médio. A persistência de uma abordagem cisheteronormativa na saúde representa uma barreira adicional, somando-se a outras questões como a barreira linguística e a falta de reconhecimento do nome social nos documentos, resultando em tratamentos inadequados ou na evitação do cuidado médico.
Por outro lado, a punição aplicada pelo Banco Mundial a Uganda, em 8 de agosto, cortando os empréstimos para o país em resposta à lei anti-LGBTQI+, é um exemplo de como as instituições financeiras internacionais estão reconhecendo a importância dos direitos humanos na política global. No entanto, essa medida pode ter implicações para o atendimento dos direitos básicos de toda a população ugandense, incluindo as pessoas LGBTQI+. A falta de recursos financeiros pode afetar a disponibilidade e a qualidade dos serviços públicos essenciais, como os de saúde, especialmente para grupos vulneráveis.
Ademais, a suspensão da ajuda pode aumentar ainda mais a vulnerabilidade da população LGBTQI+ da Uganda, que já enfrenta condições de vida precárias. Essa população é, em geral, mais suscetível a riscos para a saúde devido à exposição à violência, ao estresse e à falta de acesso a serviços adequados, como o tratamento para HIV. A suspensão da assistência econômica pode ser um fator adicional que leve a comunidade LGBTQI+ ugandesa a buscar refúgio em outros países.
Batalha por equidade e direitos humanos
É fundamental reconhecer que a promoção dos direitos humanos e a busca pela equidade são essenciais para garantir a saúde e o bem-estar das pessoas LGBTQI+. Isso requer uma colaboração comprometida tanto de instâncias nacionais quanto internacionais, que não apenas revoguem leis punitivas, mas também promovam ações de educação e conscientização para melhorar o acesso aos cuidados adequados. Essa colaboração tem que visar não apenas a promoção da saúde integral, mas também a oportunidade de viver com dignidade e bem-estar.
Portanto, é imperativo que nossa batalha pela equidade e pelos direitos humanos e pessoas LGBTQI+ seja uma missão global que transcende fronteiras. Precisamos assegurar que nossas políticas e ações sejam verdadeiramente inclusivas e sensíveis às necessidades singulares das comunidades LGBTQI+. O objetivo deve ser o estabelecimento de uma sociedade justa e inclusiva para todas as pessoas.
Dentro desse contexto, a Rede MILBi+, composta por pessoas cis e trans migrantes e refugiadas, com diversas orientações sexuais, tem desempenhado um papel significativo. Ela tem se dedicado há cinco anos na criação de oficinas e materiais que visem aprimorar o atendimento humanizado à população migrante internacional LGBTQI+. Esses recursos são direcionados a profissionais tanto do setor público quanto do terceiro setor, com o propósito de enriquecer suas práticas de atendimento e garantir que ninguém seja deixado para trás.
Sobre a autora
Rocio Bravo Shuña é migrante peruana, doutora em Psicologia Social pela USP, integrante da FENAMI e ativista na Rede MILBi+