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segunda-feira, dezembro 23, 2024

A migração laboral entre a esperança e os desafios nacionais de integração

Seja como trabalhadores ou consumidores, os migrantes possuem um papel importante na economia do país em que decidem recomeçar a vida

Por Debora Draghi
De Curitiba (PR)

A migração é uma transformação social, um processo dinâmico que ocorre entre um país ou local de origem e outro de destino. Contudo, na maioria da vezes a migração não é uma escolha, mas sim, uma necessidade que afeta a vida de muitas famílias, que deixam filhos e parceiros para trás passando por situações perigosas e dolorosas em busca de um futuro econômico melhor. Nesse cenário, a migração laboral é uma esperança tanto para aqueles que vão como para os que ficam. No caso dos haitianos e outros migrantes que pagaram coiotes para chegarem até o Brasil, o valor pago é imenso para que se tenha a oportunidade de conseguir um trabalho.

A ideia de que migrantes não possuem qualificações não deveria existir mais, pois eles trazem consigo habilidades e conhecimento. Ao contrário do que se pensa, as pessoas que mudam de país com o intuito de trabalhar não tiram os empregos de cidadãos nacionais, mas acabam contribuindo tanto com o país de origem como para o país de destino: para o primeiro através de remessas, e para o segundo que ganha com desenvolvimento, multiculturalidade e diversidade. As remessas acabam reduzindo os riscos nos países de origem, pois quem recebe encontra-se em uma situação melhor financeiramente.

Leia também: Cartilha do MPT-SP traz direitos trabalhistas dos migrantes no Brasil

Entretanto, de certa forma os Estados querem que a migração aconteça e desse modo, tentam selecionar os migrantes, regulando suas preferências através de políticas voltadas para determinados grupos: enquanto os migrantes altamente qualificados são encorajados a mudar de país, aqueles que não possuem tanta experiência acabam sendo excluídos de um sistema que procura deixar de fora cada vez mais os que são vistos como um incômodo. Precisa-se, sim, de migrantes em diferentes setores de trabalho, e não apenas os mais qualificados. Em meio a isso, os grupos mais vulneráveis, como trabalhadores sem documentação, mulheres e minorias étnicas e raciais são os grupos que sofrem maior risco de exploração.

A questão laboral é um dos principais motivos que levam as pessoas a migrarem de um país para o outro.
Crédito: Marcello Casal Jr/ABr

Pensar que os migrantes internacionais tem direitos diferentes de cidadãos nacionais é uma maneira de exclusão. Eles precisam de uma proteção social que garanta seus direitos, pois muitas vezes o trabalho realizado é visto como “flexível” e quando não possuem um status “regular”, seus patrões utilizam-se dessas condições para fazer ameaças ou obter controle da situação. Em casos mais graves, os patrões de trabalhadores estrangeiros retém seus passaportes para que a fuga de seus empregados não aconteça e a exploração continue até que o prazo do contrato termine. No Brasil, muitos casos assim ocorreram com bolivianos, paraguaios e peruanos impedidos de saírem do país, e mais comumente, com cidadãos do sudeste asiático em países do Golfo Pérsico.

Assim, trabalhar de forma irregular é muito arriscado. Quanto mais o governo de um país restringe as leis e torna-as mais difíceis para os estrangeiros, mais a precariedade do trabalho aumenta. Trabalhos com condições insalubres não dependem apenas dos empregadores, mas sim, de um compromisso conjunto entre esses e as leis de imigração de um país. Em muitos casos, quando a legislação não protege os trabalhadores internacionais, corre-se o risco de que esses sejam explorados. Para que isso aconteça, geralmente há uma combinação de fatores como a falta de reconhecimento das qualificações, pouca fluência do idioma local, preconceito ou falta de documentos. Desse modo, políticas diferentes levam à segregação, enquanto que políticas iguais para todos permitem que os migrantes interajam com o resto da população e possam se integrar. A discriminação acaba afetando a integração dos imigrantes no mercado de trabalho e tende a aumentar na medida em que o grupo de imigrantes cresce.

Aqueles que oferecem um trabalho irregular para estrangeiros possuem um domínio sobre essas pessoas que não possuiriam sobre cidadãos nacionais. De certo modo, quando não existe uma proteção e garantia de direitos para estrangeiros, é apenas uma maneira de assegurar que certos empregos serão destinados à pessoas de fora do país. A curto prazo, muitos migrantes estão dispostos a trabalhar com salários baixos e condições inseguras, sendo muitas vezes mais qualificados do que o necessário para determinada posição laboral. Contudo, essas circunstâncias podem ser exatamente aquilo que é procurado pelos empregadores.  (Anderson, 2010, p 313).

A migração dá a oportunidade para imigrantes econômicos de melhorarem suas qualificações e obterem melhores salários. Aumentar e facilitar a mobilidade de trabalhadores estrangeiros é uma maneira de melhorar a alocação de recursos e capitais, trazendo novas ideias, conhecimentos e diversidade, pois muitas vezes isso funciona como um complemento, preenchendo vagas que não são ocupadas por cidadãos nacionais por falta de qualificação, ou no sentido de realizarem trabalhos domésticos para que os patrões possam trabalhar fora de casa, por exemplo.

Seja como trabalhadores ou consumidores, os migrantes possuem um papel importante na economia do país em que decidem recomeçar a vida. A migração é uma estratégia para um meio de vida e os migrantes atuam como agentes do desenvolvimento. Providenciar trabalhos para  eles é uma maneira de que sejam integrados na sociedade mais facilmente, não sendo apenas um passo a mais na vida financeira desses, mas também na social. É um modo de transformar um desafio em uma grande oportunidade.

 

Debora Draghi é internacionalista e Mestre em Migração e Etnia pela Universidade de Amsterdam. Realizou pesquisa com imigrantes sem documentação no mercado de trabalho holandês e refugiados sírios no Brasil. Durante a estada na Holanda, percebeu as dificuldades no processo de integração e presenciou a recepção e estrutura para refugiados da África e Ásia. Participa atualmente no Projeto Linyon em Curitiba (PR)

Referências:

Bridget Anderson, Migration, immigration controls and the fashioning of precarious workers ( Oxford: BSA Publications Ltd® Volume 24(2): 300–317)

Stephen Castles, Hein De Haas e Mark J. Miller, The age of migration: International Population Movements in the Modern World. (New York: Palgrave Macmillan, 2014)

1 COMENTÁRIO

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