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sábado, novembro 23, 2024

Acordo entre Reino Unido e França reforça tendência europeia de tratar migrantes e refugiados como ameaças

A lógica securitária das políticas migratórias europeias transformou o estrangeiro em inimigo. À luz dos desdobramentos dos conflitos no Oriente Médio e no Norte da África, nascem discursos xenofóbicos, segundo os quais a Europa estaria sendo brutalmente tomada por imigrantes

Por André Gabay Piai

Na Europa atual, o termo “crise migratória” [embora seu uso seja desencorajado por especialistas e organizações internacionais] é amplamente empregado para descrever a crítica situação em que se encontram os refugiados ao desembarcar no continente, considerado invadido por estrangeiros e submergido por solicitações de refúgio. A expressão, que passou a ser largamente utilizada a partir de 2015, traz à mente as famosas imagens de barcos infláveis super lotados de imigrantes tentando cruzar o Mediterrâneo ou o Canal da Mancha, para aqueles cujo objetivo é se instalar no Reino Unido. 

Em um sentido mais amplo, “crise migratória” pode igualmente fazer referência ao cenário catastrófico das políticas de acolhimento adotadas no continente europeu. Para os críticos de tais políticas, não existe, portanto, uma crise ligada a um grande fluxo de refugiados que buscam se instalar na Europa. Assim, a crise é atribuída aos entraves impostos aos refugiados e às políticas de asilo cada vez mais restritivas de um continente que visa transformar suas fronteiras em fortaleza. A lógica securitária das políticas migratórias europeias transformou o estrangeiro em inimigo. À luz dos desdobramentos dos conflitos no Oriente Médio e no Norte da África, nascem discursos xenofóbicos, segundo os quais a Europa estaria sendo brutalmente tomada por imigrantes.  

Neste contexto, um acordo sem precedentes entre a França e o Reino Unido, separados apenas pelo Canal da Mancha, permitirá o financiamento, por parte do governo britânico, de um centro de detenção para imigrantes no norte da França. Ademais, para que a França invista em tecnologia e policiamento, o governo britânico disponibilizará, ao país vizinho, a exorbitante quantia de meio milhão de libras esterlinas (aproximadamente 3 bilhões de reais, na cotação atual). Com vistas a fortalecer as fronteiras da Europa, a medida visa impedir que embarcações com imigrantes, consideradas ilegais pelos dois países, cheguem ao Reino Unido através da França, pela travessia do Canal da Mancha.

Além disso, é igualmente importante ressaltar que os Reino Unido adota essas medidas em um contexto particularmente decisivo para a França: Emmanuel Macron voltou a trazer ao debate político a nova (e polêmica) lei de imigração, segundo a qual, dentre outros pontos, traria mais celeridade e eficácia às medidas de expulsão de imigrantes em situação irregular.   

Deste modo, ambos os países têm por objetivo a limitação de chegadas consideradas irregulares a seus territórios. Assim, a cooperação franco-britânica visa ao aumento das taxas de interceptação de travessias do Canal da Mancha a fim de atingir um objetivo final: o completo desmantelamento desta antiga e tradicional rota de migração. Os líderes de ambos os países consideram que esta medida inibirá o financiamento das grandes redes de tráfico humano que operam na região. 

Finalmente, no caso do primeiro-ministro britânico, este julga que as migrações constituem uma problemática não só internacional, mas local, dado que as políticas a serem implementadas não escondem sua ideologia anti-imigrantes e sua vontade de minar o acolhimento de refugiados na Grã-Bretanha. 

Por sua vez, segundo o líder francês, as duas nações farão progressos conjuntos e em sincronia, porém ressalta que a França não aceitará acolher imigrantes impedidos de atravessar o Canal da Mancha pelas autoridades britânicas. Adeptos de uma agenda anti-imigrante, diversos líderes europeus de extrema direita saudaram as medidas a serem tomadas pela França e pelo Reino Unido.     

No caso mais específico do Reino Unido, a aversão ao estrangeiro e a intensificação dos entraves impostos ao acolhimento de refugiados culminou na saída do país da União Europeia e da Zona de Schengen, baseada no acordo de livre circulação entre os estados-membros do bloco europeu. 

Deste modo, a consequência desta longa e custosa saída da União Europeia conferiria à Grã-Bretanha uma maior autonomia na gestão de suas fronteiras e na gestão do fluxo de refugiados que chegam ao país atravessando o Canal da Mancha, desde a vizinha França. Isto é, a ilha não teria mais suas leis e regulamentações – migratórias, inclusive – subjugadas à Bruxelas, sede do parlamento europeu, que determina, no caso dos refugiados, a noção de “compartilhamento da responsabilidade” entre os países integrantes do bloco.   

Assim, à luz da construção e financiamento de um novo centro de detenção para imigrantes na França, dentre as consequências do Brexit, cujo plebiscito aconteceu em 2016, pode-se citar notadamente um maior endurecimento das políticas migratórias do país. De perfil conservador, aqueles que votaram a favor da saída do país da União Europeia almejavam um maior controle sobre a entrada de estrangeiros no território britânico com vistas a, teoricamente, aumentar a segurança no país, dado que, para o senso comum, a presença de imigrantes está associada ao aumento do terrorismo (vide a série de atentados entre 2015 e 2016 que assolou cidades europeias tais como Paris, Berlim, Nice e Bruxelas). 

Finalmente, com mais autonomia sobre suas próprias leis e com a quebra de acordos entre os diferentes membros do bloco europeu, o parlamento britânico passou a votar leis relativas à migração tidas como bastante polêmicas. Um dos pontos culminantes dessa nova era pela qual passa o Reino Unido consiste, portanto, neste acordo firmado entre Rishi Sunak, primeiro-ministro britânico conservador e de ascendêcia indiana, e Emmanuel Macron, presidente da França em seu segundo mandato, cujas políticas migratórias caminham em direção a um maior endurecimento.

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