Sobram dúvidas e faltam respostas sobre a política migratória europeia e de seus países, como a Itália
Por Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Em Roma (Itália)
No dia 18 de julho de 2018, a Itália anunciou que não pretende mais ser o único país da Europa onde devem atracar as naves com os imigrantes. Por isso, o Ministro das Relações Exteriores, Luca Fraschetti Pardo, recebeu o encargo de informar os demais parceiros da União Europeia (UE) que se faz necessário mudar as regras das operações de search and rescue (busca e socorro) que ocorrem no Mediterrâneo meridional. Ou seja, Roma não condivide mais os procedimentos estabelecidos, primeiro pela “Missione Triton”, gestida pela Frontex, depois seguidos pela “Operazione Sophia”, para o salvamento dos migrantes que tentam a travessia entre África e Europa. As autoridades da Península não concordam com o “desembarque exclusivo nos portos italianos”. Segundo o Primeiro Ministro Giuseppe Conte, “o momento de mudar é agora”. O governo Conte, portanto, “começa a colocar, preto no branco, a mudança de política levada adiante com os fatos pelo Ministro do Interior, Matteo Salvini (Cfr. Jornal Corriere della sera, 18/julho/2018).
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O novo governo italiano, de fato, assumiu a decisão de deixar as naves à deriva com os migrantes resgatados, enquanto negocia com as outras nações do velho continente a divisão de quotas, coisa que fazia parte dos acordos estabelecidos na UE. Entretanto, sobram dúvidas e faltam respostas. Em primeiro lugar, se é verdade que, no último caso de 450 estrangeiros, entre 13 e 15 de julho/2018, seis países dispuseram-se a acolher 50 migrantes cada um, também é certo que os “amigos de Salvini” (mais à extrema direita, como Áustria, Hungria, Holanda, República Checa, etc.) negaram-se categoricamente a abrir as portas a um só migrante que fosse. Outros países sequer ousaram manifestar-se. De resto, até mesmo entre a população, o silêncio e a indiferença caminham lado a lado com uma intolerância progressiva.
Além disso, análises recentes revelam duas constatações preocupantes: em relação ao ano anterior, vem diminuindo o número de migrantes que tentam cruzar o Mediterrâneo; ao mesmo tempo, porém, vem crescendo o número de naufrágios e de mortes por afogamento. De janeiro/2018 até agora, foram cerca de 1.500 vítimas. Disso se conclui que a travessia tornou-se mais perigosa e letal. Resulta que, de um lado, essa tentativa de envolver todos os países da UE no socorro, resgate e acolhida dos migrantes tem seu lado positivo; de outro lado, a política adotada de modo particular por Matteo Salvini expõe os requerentes de asilo a maior vulnerabilidade. A espera em alto mar pode ser fatal para os mais debilitados.
Outro alerta vem do tratamento dado pelo governo às organizações não governamentais (ONGs) que, nos últimos anos, salvaram milhares de vidas. Prevalece o discurso ambíguo, esquivo e cínico da desconfiança e do descrédito. O tema já se converteu em um refrão na boca de Salvini: “Que fazem no Mediterrâneo e em nossos portos essas ONGs com embarcações estrangeiras, bandeira estrangeira e dinheiro estrangeiro? Quem as paga para executar esse serviço?” Daí à demonização e à criminalização pura e simples de tais organizações, a distância não é longa. Tanto que o Primeiro Ministro da Hungria, Viktor Orbán, chegou a ameçar de perseguição as pessoas e entidades que acolhem e protegem os migrantes. As coisas não estão tão diferentes com o Primeiro Ministro da Áustria, o jovem Sebastian Kurz.
Por fim, mas não menos relevante, é deveras clamorosa a situação nos campos de migrantes, refugiados e prófugos na Líbia. Precários em todos os sentidos: saúde, alimentação, identificação, higiene, perspectivas de futuro… O acordo entre este país e a UE prevê que os migrantes sejam bloqueados no norte da África, em troca de investimentos europeus regulares, acordo feito anteriormente com a Turquia. Isso significa, em última instância, que aqueles que chegam até a Líbia fugindo da violência, da guerra ou da pobreza, em lugar de caírem nas mãos dos traficantes, acabam encontrando um regime de repressão por parte das autoridades líbias. Ali quem controla o fluxo de migrantes é a Guarda Costeira. Os integrantes desta, em 17 de julho de 2018, numa operação de salvamento, deixaram à deriva das ondas duas mulheres e uma criança. Mais tarde, a nave Open Arms, de uma ONG espanhola, encontrou no local uma das mulheres ainda viva, junto com os cadáveres da outra e do filho.
Numa palavra, devido a esses famigerados acordos, a migração converte-se em caso de polícia. Resta a pergunta que não quer calar: onde atracarão as próximas naves?