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quinta-feira, março 28, 2024

Apesar de controvérsias, Alemanha é um país de imigrantes

Estatísticas e fatos confirmam que o país europeu se tornou um dos maiores destinos para imigrantes econômicos – e não só para refugiados de guerra

Por Manuela Marques Tchoe

Quando pensamos em países que construíram sociedades a partir da imigração, vêm à mente os Estados Unidos, Canadá e Brasil. Mais recentemente, o Reino Unido e a França, ambos com histórico de colonização. Mas a Alemanha?

Não, o país germânico jamais se viu como um país de imigração, mesmo com as estatísticas de que o número de estrangeiros na Alemanha subiu para 10,9 milhões, atingindo o recorde populacional de 83 milhões, conforme relatado pelo Escritório de Estatísticas da União (Statistische Bundesamt) em abril de 2019. 13,1% da população na Alemanha têm uma nacionalidade não alemã e um quarto da população tem histórico de migração.

A imigração de pessoas com permissão de trabalho de países fora da União Europeia voltou a aumentar significativamente. Até o final de 2018, um total de 266 mil pessoas haviam chegado como migrantes (ano anterior: 217 mil). Este foi um aumento de mais de 20% pelo terceiro ano consecutivo.

Entre os países de origem mais importantes estão a Índia (12%), a China (9%), a Bósnia-Herzegovina (8%) e os EUA (7%). Essas pessoas – incluindo muitos trabalhadores qualificados – tinham em média 35 anos de idade e a maioria era do sexo masculino (68%).

Esses números refletem como a Alemanha se tornou um dos destinos mais atrativos para trabalhar na Europa, com um aumento significativo em imigrantes econômicos ao invés de refugiados de guerra.

Bandeira da Alemanha no Bundestag, em Berlim.
Crédito: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo – jun.2014

Imigração econômica e Bálcãs

O crescimento do grupo dos Bálcãs Ocidentais foi especialmente forte. No final de 2018, a Albânia, a Bósnia-Herzegovina, a Sérvia, o Montenegro, o Kosovo e a Macedônia representavam, em conjunto, quase um quarto dos migrantes da força de trabalho. Em 2015, essa participação ainda estava em torno de nove por cento. Ao mesmo tempo, desde 2016, as pessoas desses países têm acesso mais fácil ao mercado de trabalho alemão.

O Escritório Federal não dá detalhes quão alto o número de refugiados entre os estrangeiros detectados no ano passado. Nos primeiros três meses deste ano, o Departamento Federal de Migração e Refugiados (Bamf) aceitou por todo o país cerca de 46.500 pedidos de asilo – cerca de tantas como no mesmo período de 2017. A maioria dos candidatos veio da Síria, Iraque e Nigéria, de acordo com o Ministério Federal do Interior.

A preocupação migratória

Muitos alemães veem esse aumento de estrangeiros com preocupação, principalmente nos grandes centros urbanos como Munique, Berlim e Hamburgo, além da província da Renânia Vestefália, onde a grande maioria dos imigrantes, principalmente de origem turca, residem. Entretanto, considerando que o país continua a envelhecer e a taxa de natalidade permanece baixa, o mercado de trabalho consegue crescer apenas porque muitos estrangeiros aceleram o crescimento econômico alemão.

Os números fazem com que até as alas mais conservadoras entendam que a Alemanha se tornou um país de imigrantes – desde que começou a “importar” trabalhadores turcos no pós-guerra. Com a entrada de milhões de refugiados a partir de 2015, o debate sobre imigração se tornou uma das maiores controvérsias políticas, com o ministro do interior Horst Seehofer, do partido conservador bávaro CSU, definindo a imigração como “a mãe de todos os problemas”.

Manchetes de jornais foram dominadas por histórias sobre a crise migratória e suas ramificações para a sociedade alemã desde 2015, mas a questão de como atrair imigrantes qualificados aparentemente caiu no esquecimento. No entanto, apesar da chegada de mais de um milhão de refugiados na Alemanha, a questão de como atrair trabalhadores qualificados continua pertinente.

Até agosto de 2018, mais de 300 mil desses refugiados haviam encontrado emprego. No entanto, a maioria desses migrantes exige treinamento intensivo e cursos de idiomas antes de se qualificar para cargos de nível de entrada no mercado de trabalho alemão. Enquanto isso, quase 1,2 milhão de vagas de emprego permanecem vazias. Conceder asilo aos perseguidos é um imperativo humanitário, mas não é uma solução mágica para os problemas demográficos da economia alemã.

Apesar da histeria do debate sobre a imigração, aos poucos vemos avanços nas alas mais conservadoras (exceto pelo partido de extrema-direita AfD – Alternativa para a Alemanha). Finalmente a maioria política reconhece que precisa-se atualizar a lei de imigração, principalmente para beneficiar imigrantes econômicos e, portanto, continuar a acelerar o crescimento alemão.

Além dos números

Já se a Alemanha se considera um país de imigração, é um debate que vai além dos números e estatísticas. Não só muitos alemães se tornaram inseguros com relação à diversidade cultural, como a falácia da islamização do país – mas principalmente em função da cultura que, muitos acham – se esfacela com tantos imigrantes buscando um novo lar no coração da Europa. E esse é um debate mais complexo, que toca em aspectos mais subjetivos e que, infelizmente, pode dar lugar ao medo generalizado que pôs o partido de extrema-direita AfD no parlamento.

Debate sobre a questão migratória na Alemanha vai além dos números – e também dos muros que são erguidos em relação ao tema .
Crédito: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo – jun.2014

Diferentemente dos países de imigração que dão nacionalidade a quem nasce no território (o princípio do “Jus Solis”), os germânicos têm uma outra imagem do que é ser alemão, que sempre fora definido através do sangue, e não através do nascimento na Alemanha (princípio do “Jus Sanguinis”, em que a cidadania é transmitida através da cidadania dos pais ou por etnia). Por isso, esse é um debate que tem consequências não só para a economia e a lei, mas para a questão: o que é ser alemão?

Fato é, a Alemanha está cada dia mais diversa, com pessoas de todas as nacionalidades buscando uma nova casa nesse país de tantas possibilidades. E isso terá consequências culturais – assim como para qualquer país de imigração.

Fontes:

Manuela Marques Tchoe é uma escritora baiana que atualmente reside em Munique, Alemanha. É autora de “Ventos Nômades”, uma coletânea de contos que cruzam continentes e exploram o desejo de viajar e a vida de imigrante, e do romance “Encontro de Marés”. Manuela também escreve para o seu blog pessoal Baiana da Baviera e está presente no Facebook, Instagram e Twitter com reflexões sobre a vida de imigrante, viagens e literatura.

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