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quarta-feira, outubro 30, 2024

Após ação da DPU, Justiça suspende deportação de imigrantes que chegaram ao Brasil a pé

Situação ocorrida no Acre, na região de fronteira entre Brasil e Peru, exemplifica problema de violação de direitos humanos existente em portaria do governo

A Justiça Federal concedeu na quinta-feira (6) uma decisão liminar que suspendeu a deportação de 18 imigrantes que tentaram entrar no Brasil a pé, por meio da fronteira com o Peru, no Estado do Acre.

Até a decisão, os imigrantes viviam uma situação de limbo. Ao cruzarem a fronteira, na terça-feira (4), eles foram detidos e deportados pela Polícia Federal para o Peru, mas também não puderam ingressar no país vizinho.

Sem ter para onde ir, os 18 imigrantes — 12 venezuelanos, cinco colombianos e um cubano — ficaram detidos em uma ponte sobre o rio Acre, que liga a cidade peruana de Iñapari e a brasileira Assis Brasil. Lá, dependiam da ajuda enviada por entidades assistenciais. Dentre os imigrantes há oito crianças e adolescentes, com idades de 3 a 14 anos.

A situação levou a DPU (Defensoria Pública da União) a entrar, no último dia 5, com uma ação judicial ordinária, com pedido de tutela de urgência, para evitar a deportação coletiva do grupo.

Decisão contra portaria

Menos de 24 horas depois, o juiz Jair Araújo Facundes, da 3ª Vara Federal Cível e Criminal da Seção Judiciária do Acre, acolheu a ação da DPU e revogou a deportação do grupo feita pela Polícia Federal. Além disso, também determinou que os imigrantes tenham o direito de pedir refúgio no Brasil.

Na decisão, Facundes afastou a aplicação da portaria interministerial que veda a entrada de estrangeiros por fronteiras terrestres durante a pandemia. Segundo a decisão, isso “resultaria em severo risco à vida, à saúde e à integridade de pessoas aparentemente refugiadas, sendo parte delas formada por crianças e adolescentes.”

“A portaria cria uma figura ilegal, que é a da deportação imediata, que não respeita o que está na Lei de Migração, e também não respeita direitos básicos do migrante”, afirma o defensor público João Chaves, um dos autores da ação.

Além de Chaves, também assinam a ação os defensores Ana Luisa Zago de Moraes, Gustavo Zortéa da Silva e Matheus Alves do Nascimento.

Segundo informações da Pastoral do Migrante da Diocese de Rio Branco, os imigrantes serão abrigados em uma escola em Assis Brasil, onde ficarão por alguns dias. De lá, após passarem por quarentena, poderão seguir para a capital do Estado, Rio Branco.

Em nota, a Polícia Federal do Acre (PF-AC) negou que tenha deportado os imigrantes. A entidade disse ainda que apenas cumpriu a determinação quanto ao fechamento de fronteira, vigente desde março.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Justiça não se manifestou até o fechamento deste texto.

Situações semelhantes

Em maio passado, a DPU também atuou em favor de um grupo de 48 peruanos que saiu do estado de São Paulo e chegou ao Acre na primeira semana daquele mês. 

Nesse caso, os defensores acionaram autoridades brasileiras e peruanas para apoio assistencial ao grupo e viabilizar o retorno dos imigrantes ao Peru. Após a realização de testes rápidos para Covid-19, o grupo teve o acesso ao Peru liberado, mediante respeito às regras de quarentena e isolamento social do país vizinho.

Ainda em março, nas primeiras semanas de pandemia, um total de 340 imigrantes chegou às cidades acreanas que ficam na região de fronteira com Peru e Bolívia. O grupo, que aos poucos conseguiu deixar a região, contou com apoio da sociedade civil local e da OIM (Organização Internacional para as Migrações).

“Enquanto não houver política pública, isso ainda vai acontecer. E estamos num estado de fronteira”, comenta Aurinete Brasil, assessora da Caritas local e da Pastoral do Migrante da Diocese de Rio Branco.

Na primeira metade da última década, o Acre era destaque constante no noticiário sobre migrações no Brasil em razão do ingresso de imigrantes por meio do Estado, especialmente de haitianos. Com a situação econômica adversa no Brasil, parte dos imigrantes chegou a fazer o caminho inverso e passar pelo Acre em direção a outros países.

Portaria discriminatória

A situação vivida pelos imigrantes no Acre é um exemplo da principal crítica de entidades da sociedade civil sobre a portaria interministerial que restringe a entrada de pessoas de outros países no Brasil.

Criada para frear o avanço da pandemia de coronavírus, ela tem sido renovada sucessivamente desde março. No entanto, ela faz ressalvas adicionais em relação a venezuelanos e não menciona situações de pessoas em situação de refúgio ou que caibam no chamado visto humanitário, previsto na Lei de Migração.

“Essa portaria, nesse caso, demonstra a sua inviabilidade e sua ilegalidade. Por isso desde junho a Defensoria vem questionando a legalidade dessas portarias sucessivas, que não respeitam o direito ao refúgio”, resume Chaves.

No entanto, a edição mais recente da portaria liberou o acesso de pessoas de outros países via aeroportos. O argumento citado pelo governo federal para essa exceção é o incentivo ao turismo.

“Governo acaba de liberar entrada de turistas, mas não de solicitantes de refúgio que eventualmente cheguem em nossas fronteiras terrestres ou aquaviárias, depois de longas jornadas em vulnerabilidade. Difícil acreditar que as preocupações são sanitárias, e não uma tentativa de usar a pandemia para desmantelar os direitos de refugiados no país”, apontou à época Camila Asano, diretora de programas da Conectas.

Em junho, dez instituições da sociedade civil ligadas à temática migratória enviaram uma carta ao governo na qual criticam as ressalvas dirigidas especialmente aos venezuelanos e a ausência de menção a situações de refúgio.

Procurado à época pelo MigraMundo, o Ministério da Justiça informou por meio de assessoria de imprensa que a então Portaria 340 mencionava as questões de ajuda humanitária (artigo 3º, VI-b; e artigo 4º, parágrafo único). No entanto, a pasta não se manifestou em relação às exceções a venezuelanos.

“O Brasil tem direito de estabelecer controles migratórios e sanitários por conta da pandemia, desde que esses controles não violem direitos humanos como o do refúgio — como já foi dito tanto pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como pelo ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados)”, finaliza Chaves.


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