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domingo, dezembro 22, 2024

Após agressões na Alemanha, política liberal de Merkel com refugiados fica ameaçada

Por Ricardo Rossetto
De Pamplona (Espanha)

Atualizado em 09/03/16

Para as milhares de pessoas que buscam refúgio na União Europeia, o ano de 2016 começou difícil. Na Alemanha, durante a noite de Ano Novo, grupos de homens – entre eles supostamente solicitantes de asilo vindos do norte da África e Oriente Médio – roubaram e agrediram sexualmente centenas de mulheres nas cidades de Colônia e Stuttgart. No total foram 883 vítimas e 766 denúncias (500 delas de crimes sexuais), que chocaram o país, e que fortaleceram os discursos anti-imigração de grupos nacionalistas xenofóbicos, de autoridades jurídicas e de partidos de extrema-direita, colocando sob ameaça a política de portas abertas da chanceler Angela Merkel, que permitiu a entrada de 1,1 milhão de imigrantes no país em 2015.

Na sexta-feira (15) em Bruxelas, o Ministro de Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, afirmou que o direito de livre circulação no continente “pode estar perto do fim”, e que o país poderia voltar a adotar o controle de fronteiras. O governador da Baviera, Horst Seehofer, seguiu o mesmo discurso e disse, em entrevista à revista Der Spiegel publicada neste sábado (16), que pode processar o governo se a chanceler não estabelecer medidas para impedir a “entrada desenfreada de requerentes de asilo” e simplificar a deportação de estrangeiros que cometam delitos. “Se isso não acontecer, o governo bávaro não terá outra opção senão se queixar no Tribunal Constitucional Federal”, afirmou Seehofer, que se destaca como um dos maiores críticos das políticas pró-imigrantes de Merkel. Além disso, o juiz constitucional Udo di Fabio publicou um artigo no jornal Bild declarando que “a Constituição alemã não existe para assegurar a proteção de todas as pessoas do mundo”, e que o governo “tem a obrigação de estabelecer controles efetivos nas fronteiras federais”.

De fato, aumentou a preocupação dos alemães com a população de imigrantes depois dos ataques no réveillon. De acordo com uma pesquisa realizada pelo canal de televisão alemão ZDF, 60% da população acredita que o país não conseguirá lidar com o fluxo de requerentes de asilo (em dezembro esse número era de 46%). Apesar disso, 57% dos alemães não acreditam que a proposta de limitar em 200 mil o número de refugiados a serem acolhidos – como defende o partido União Social Cristã – seja a solução para o problema.

Desde outubro do ano passado Angela Merkel é acusada de se “auto investir de poder” ao ter permitido a entrada de milhares de imigrantes sem a aprovação do parlamento. O filósofo da lei Reinhard Merkel disse, em uma entrevista em outubro para a agência Deustche Welle, que seria necessário um plebiscito sobre o tema, uma vez que a população nunca tinha sido consultada.

Manifestantes do grupo Pegida (Europeus Patrióticos Contra a Islamização do Ocidente, na sigla em Inglês), organizam protesto na cidade de Leipzig Crédito: Reprodução
Manifestantes do grupo Pegida (Europeus Patrióticos Contra a Islamização do Ocidente, na sigla em Inglês), organizam protesto na cidade de Leipzig
Crédito: Reprodução

Pressionada pela oposição, por membros do seu próprio partido e por uma sociedade cada vez mais ansiosa, Merkel analisa cuidadosamente os próximos passos que dará sobre o tema. No seu último discurso na sexta-feira (15), reconheceu que o governo é incapaz de prever e impedir ataques como os ocorridos no dia 1° de janeiro, mas frisou que o seu trabalho não é o de espalhar preocupações e sim o de encontrar soluções. “Vamos continuar trabalhando junto com nossos parceiro da União Europeia para encontrar uma solução conjunta aos desafios impostos aos refugiados no nosso continente”.

Refugiados contra a generalização 

Como costuma acontecer em diversas ocasiões, quando um pequeno número de pessoas, representantes de um grupo maior, comete algum delito, a imagem de um indivíduo transgressor e perigoso transcende para o todo. Ainda são poucos os detalhes conhecidos do que realmente aconteceu na praça da Catedral de Colônia na virada do ano. Algumas informações preliminares da polícia da cidade – cuja ação que não impediu os ataques foi criticada pelo governo – aponta que dos 32 homens já identificados como suspeitos de terem cometidos os ataques, 22 são demandantes de asilo, entre eles 9 que teriam vindo da Argélia, 8 do Marrocos, 5 do Irã e 4 da Síria. Nesta segunda-feira (18), a polícia anunciou que um argelino de 26 anos foi preso, acusado de agressão sexual.

Para evitar a generalização de que todos os estrangeiros são pessoas mal intencionadas, um grupo de sírios que já obteve o status de refugiado na Alemanha se reuniu neste sábado (16) na praça onde aconteceram os ataques para dizer aos alemães que eles “respeitam os valores e os costumes da cultura e da sociedade alemã”.

Grupo de refugiados sírios esteve na praça da Catedral de Colônia neste sábado (16) para demonstrar o seu respeito aos valores e costumes da sociedade alemã Legenda: reprodução
Grupo de refugiados sírios esteve na praça da Catedral de Colônia neste sábado (16) para demonstrar o seu respeito aos valores e costumes da sociedade alemã
Legenda: reprodução

Em uma reportagem publicada na revista espanhola Contexto na quarta-feira (13), a jornalista Laura Alzola Kirschgens encontrou os irmãos sírios Shady e Jehad nas escadarias da Catedral de Colônia entregando folhetos com um texto que eles mesmos escreveram condenando as agressões às mulheres na noite de ano novo. “Condenamos energicamente as agressões às mulheres, assim como os roubos cometidos durante o ano novo nesta praça. Lamentamos que as mulheres tenham sido agredidas e esperamos que se recuperem rápido e bem destes ataques, e que os responsáveis sejam encontrados e punidos”.

Os irmãos sírios Shady e Jehad distribuíram e escreveram folheto no qual condenavam os ataques às mulheres Crédito: Laura Alzola Kirschgens
Os irmãos sírios Shady e Jehad distribuíram e escreveram folheto no qual condenavam os ataques às mulheres
Crédito: Laura Alzola Kirschgens

Enquanto boa parte da imprensa internacional discutia o choque de culturas e a difícil adaptação de árabes às leis e costumes ocidentais, o New York Times descobriu que uma das mulheres que tinha sido ameaçada durante a confusão na praça foi salva justamente por um refugiado sírio, chamado Hesham Ahmad Mohammad. O homem, que trabalhava como professor em Aleppo, vive em uma cidade próxima a Colônia e tinha ido à praça para ver as festividades da virada de ano. Ali, ele protegeu a estudante Caitlin Duncan, de 27 anos, até que ela reencontrasse o seu namorado.

Também no sábado (16), na cidade de Stuttgart, no sul do país, 7 mil alemães saíram às ruas para protestar em favor dos solicitantes de asilo, afirmando que eles são constantemente vítimas de preconceito e violência.

Apesar disso, a crescente sensação de medo dos europeus parece estar vencendo a razão. Desde os acontecimentos do ano novo, o número de rejeições a entrada de solicitantes de refúgio nos países da UE tem aumentado. Nas últimas duas semanas, Suécia, Dinamarca e Áustria impuseram medidas de controle de fronteira mais duras, impedindo ou dificultando a passagem de pessoas que vêm de países onde não há conflitos. O número total de pessoas que tiveram seu acesso à UE bloqueado desde 1° de janeiro, entretanto, ainda é incerto.

Atualização: Ao contrário do que havia dito na época, a polícia de Colônia afirma agora que não foi um grupo de refugiados recém-chegados à Alemanha que cometeu roubos e agressões sexuais contra mulheres na noite de Ano Novo na cidade

 

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