Campanha busca sensibilizar para o caso de Nduduzo, que mexe ainda com o tabu da reinserção social de pessoas egressas do sistema prisional
Por Rodrigo Borges Delfim
Em São Paulo (SP)
Atualizado às 14h35 de 12/03/18
Movimentos culturais, ativistas e demais atores da sociedade civil tem se mobilizado em torno da permanência no Brasil da artista sul-africana Nduduzo Godensia Dlamini, 29, que pode ser expulsa do país.
Nduduzo cumpre pena desde fevereiro de 2013, acusada de ser “mula” – como são chamadas as pessoas usadas para o transporte internacional de drogas. Em regime aberto desde fevereiro de 2017, precisa ir a cada três meses no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, para justificar suas atividades profissionais e sua permanência em território brasileiro.
Por conta do processo criminal, a sul-africana responde ainda a um processo administrativo que pode resultar na sua expulsão do Brasil.
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Além de ser mulher e migrante, o caso de Nduduzo mexe com um assunto que é considerado um grande tabu no Brasil, que é a reinserção social de pessoas egressas do sistema prisional.
“Como mulher, eu penso que não passamos apenas pela punição do sistema, mas a punição também se torna moral, dos seus valores como mulher. Mas por quanto tempo eu vou pagar?”, desabafa a artista, em vídeo disponível na página de apoio a ela no Facebook.
“São mulheres que muitas vezes saíram de seus países em razão de questões econômicas e que eram as chefes de seus lares, sem antecedentes criminais e que diante dessas diferentes vulnerabilidades que tangenciam suas vidas, aceitam realizar o transporte de pequenas quantidades de drogas para diferentes países. Outras mulheres não tinham sequer conhecimento que carregavam substâncias ilícitas e mesmo nessas situações extremas, elas enfrentam uma série de violações e dificuldades de provar e terem suas penas diminuídas ou extintas pelo poder judiciário brasileiro”, explica a advogada Viviane Balbuglio, do ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania), sobre as circunstâncias que trouxeram Nduduzo ao Brasil. A entidade acompanha a artista por meio do Projeto Migrantes Egressas, voltado para mulheres migrantes em cumprimento de pena em meio aberto na cidade de São Paulo. A entidade também é responsável pelo Projeto Estrangeiras, focado nas migrantes que estão em regime fechado.
A descoberta da veia artística
Enquanto cumpria pena na PFC (Penitenciária Feminina da Capital) e na Penitenciária Feminina do Butantã, ambas em São Paulo, Nduduzo descobriu na arte um novo caminho ao atuar como cantora no projeto Mulheres Livres, desenvolvido em parceria entre a PFC e o Coral da USP (Universidade de São Paulo).
Depois de passar ao regime aberto, Nduduzo passou a integrar diversos projetos artísticos. Desde 2017, ela atua no espetáculo Inútil Canto e Inútil Pranto Pelos Anjos Caídos, escrito pelo dramaturgo Plínio Marcos em 1977, que ficou em temporada na Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo e no Itaú Cultural. Também participou do projeto “Voz Própria”, do grupo Mulheres Livres, que dará origem a um filme curta metragem patrocinado pela Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo.
Além da atuação artística, Nduduzo também é convidada do Núcleo Permanente de Pesquisa Musical da Cia Tijolo, projeto coordenado pelo maestro William Guedes apoiado pela Lei de Fomento ao Teatro da Prefeitura de São Paulo. A artista tem contribuído ainda o grupo de pesquisa em performances e novas mídias do Colabor-USP, ligado à ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da USP).
Luta pela permanência
É com base nesse processo bem sucedido de reinserção e nos laços já desenvolvidos no Brasil que Nduduzo tenta reverter e convencer o Ministério da Justiça a reconsiderar e revogar o decreto de sua expulsão, expedido ainda em 2017.
Em fevereiro de 2018, Nduduzo foi chamada a comparecer à sede da Polícia Federal em São Paulo para prestar esclarecimentos e manifestar desejo de permanecer no Brasil. Em seguida, pediu ajuda aos colegas do espetáculo Inútil Canto e Inútil Pranto Pelos Anjos Caídos para elaborar uma defesa jurídica do caso. A artista está sendo acompanhada na Defensoria Pública da União pelo ITTC.
Nesse contexto, além da frente jurídica, começou também a se formar a campanha #NduduzoTemVoz, englobando projetos dos quais a artista faz ou fez parte e seus integrantes, lançada oficialmente no último dia 8 de março, quando também é lembrado o Dia Internacional da Mulher. Entre outros, a ação já recebeu apoio do político Eduardo Suplicy (PT), ex-senador e atualmente vereador em São Paulo.
“A solidariedade criada em torno da campanha já ultrapassa fronteiras, abrindo espaço para discutir também o encarceramento em massa que é o apartheid de hoje. Foi representativo lançar a campanha no Dia Internacional das Mulheres. A vitória de Nduduzo será uma vitória para os direitos humanos, com base na possibilidade de ressocialização prevista na nova lei de migração”, pontua a advogada de direitos humanos Karina Quintanilha, que faz parte da campanha. “Agora o desafio é garantir impacto na sociedade para sensibilizar o Ministério da Justiça, a Polícia Federal e, se for necessário, o Judiciário”, completa.
Enquanto o processo se desenrola, a campanha tenta sensibilizar a sociedade brasileira das contribuições que Nduduzo já realizou e da importância de reconhecer a possibilidade de ressocialização de pessoas egressas do sistema prisional. Uma batalha que, pelo contexto social vivido pelo país, promete ser dura. No entanto, também mas deixa lições importantes sobre a possibilidade real de reinserção de egressos do sistema prisional e sobre outras facetas do movimento migratório global.
“A prisão transnacional no Brasil, ainda que a extrema maioria dessas mulheres não tivessem a intenção de migrar ao Brasil desde o início, a obrigatoriedade de permanecer aqui enquanto respondem o processo ou cumprem pena, acaba por abrir novas perspectivas migratórias em suas vidas e que precisa ser entendida como o direito de migrar, independentemente da existência de antecedentes penais ou de ter passado pela justiça criminal brasileira”, finaliza Viviane.
Com informações da Ponte Jornalismo