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quinta-feira, abril 18, 2024

Artista sul-africana luta por permanência no Brasil

Campanha busca sensibilizar para o caso de Nduduzo, que mexe ainda com o tabu da reinserção social de pessoas egressas do sistema prisional

Por Rodrigo Borges Delfim
Em São Paulo (SP)
Atualizado às 14h35 de 12/03/18

Movimentos culturais, ativistas e demais atores da sociedade civil tem se mobilizado em torno da permanência no Brasil da artista sul-africana Nduduzo Godensia Dlamini, 29, que pode ser expulsa do país.

Nduduzo cumpre pena desde fevereiro de 2013, acusada de ser “mula” – como são chamadas as pessoas usadas para o transporte internacional de drogas. Em regime aberto desde fevereiro de 2017, precisa ir a cada três meses no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, para justificar suas atividades profissionais e sua permanência em território brasileiro.

A artista sul-africana Nduduzo, que enfrenta processo de expulsão do Brasil.
Crédito: Larissa Cidral

Por conta do processo criminal, a sul-africana responde ainda a um processo administrativo que pode resultar na sua expulsão do Brasil.

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Além de ser mulher e migrante, o caso de Nduduzo mexe com um assunto que é considerado um grande tabu no Brasil, que é a reinserção social de pessoas egressas do sistema prisional.

“Como mulher, eu penso que não passamos apenas pela punição do sistema, mas a punição também se torna moral, dos seus valores como mulher. Mas por quanto tempo eu vou pagar?”, desabafa a artista, em vídeo disponível na página de apoio a ela no Facebook.

“São mulheres que muitas vezes saíram de seus países em razão de questões econômicas e que eram as chefes de seus lares, sem antecedentes criminais e que diante dessas diferentes vulnerabilidades que tangenciam suas vidas, aceitam realizar o transporte de pequenas quantidades de drogas para diferentes países. Outras mulheres não tinham sequer conhecimento que carregavam substâncias ilícitas e mesmo nessas situações extremas, elas enfrentam uma série de violações e dificuldades de provar e terem suas penas diminuídas ou extintas pelo poder judiciário brasileiro”, explica a advogada Viviane Balbuglio, do ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania), sobre as circunstâncias que trouxeram Nduduzo ao Brasil. A entidade acompanha a artista por meio do Projeto Migrantes Egressas, voltado para mulheres migrantes em cumprimento de pena em meio aberto na cidade de São Paulo. A entidade também é responsável pelo Projeto Estrangeiras, focado nas migrantes que estão em regime fechado.

A descoberta da veia artística

Enquanto cumpria pena na PFC (Penitenciária Feminina da Capital) e na Penitenciária Feminina do Butantã, ambas em São Paulo, Nduduzo descobriu na arte um novo caminho ao atuar como cantora no projeto Mulheres Livres, desenvolvido em parceria entre a PFC e o Coral da USP (Universidade de São Paulo).

Depois de passar ao regime aberto, Nduduzo passou a integrar diversos projetos artísticos. Desde 2017, ela atua no espetáculo Inútil Canto e Inútil Pranto Pelos Anjos Caídos, escrito pelo dramaturgo Plínio Marcos em 1977, que ficou em temporada na Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo e no Itaú Cultural. Também participou do projeto “Voz Própria”, do grupo Mulheres Livres, que dará origem a um filme curta metragem patrocinado pela Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo.

Nduduzo durante a peça Inútil Canto e Inútil Pranto Pelos Anjos Caídos
Crédito: Alécio Cezar/Divulgação

Além da atuação artística, Nduduzo também é convidada do Núcleo Permanente de Pesquisa Musical da Cia Tijolo, projeto coordenado pelo maestro William Guedes apoiado pela Lei de Fomento ao Teatro da Prefeitura de São Paulo. A artista tem contribuído ainda o grupo de pesquisa em performances e novas mídias do Colabor-USP, ligado à ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da USP).

Luta pela permanência

É com base nesse processo bem sucedido de reinserção e nos laços já desenvolvidos no Brasil que Nduduzo tenta reverter e convencer o Ministério da Justiça a reconsiderar e revogar o decreto de sua expulsão, expedido ainda em 2017.

Em fevereiro de 2018, Nduduzo foi chamada a comparecer à sede da Polícia Federal em São Paulo para prestar esclarecimentos e manifestar desejo de permanecer no Brasil. Em seguida, pediu ajuda aos colegas do espetáculo Inútil Canto e Inútil Pranto Pelos Anjos Caídos para elaborar uma defesa jurídica do caso. A artista está sendo acompanhada na Defensoria Pública da União pelo ITTC.

Nesse contexto, além da frente jurídica, começou também a se formar a campanha #NduduzoTemVoz, englobando projetos dos quais a artista faz ou fez parte e seus integrantes, lançada oficialmente no último dia 8 de março, quando também é lembrado o Dia Internacional da Mulher. Entre outros, a ação já recebeu apoio do político Eduardo Suplicy (PT), ex-senador e atualmente vereador em São Paulo.

“A solidariedade criada em torno da campanha já ultrapassa fronteiras, abrindo espaço para discutir também o encarceramento em massa que é o apartheid de hoje. Foi representativo lançar a campanha no Dia Internacional das Mulheres. A vitória de Nduduzo será uma vitória para os direitos humanos, com base na possibilidade de ressocialização prevista na nova lei de migração”, pontua a advogada de direitos humanos Karina Quintanilha, que faz parte da campanha. “Agora o desafio é garantir impacto na sociedade para sensibilizar o Ministério da Justiça, a Polícia Federal e, se for necessário, o Judiciário”, completa.

Enquanto o processo se desenrola, a campanha tenta sensibilizar a sociedade brasileira das contribuições que Nduduzo já realizou e da importância de reconhecer a possibilidade de ressocialização de pessoas egressas do sistema prisional. Uma batalha que, pelo contexto social vivido pelo país, promete ser dura. No entanto, também mas deixa lições importantes sobre a possibilidade real de reinserção de egressos do sistema prisional e sobre outras facetas do movimento migratório global.

“A prisão transnacional no Brasil, ainda que a extrema maioria dessas mulheres não tivessem a intenção de migrar ao Brasil desde o início, a obrigatoriedade de permanecer aqui enquanto respondem o processo ou cumprem pena, acaba por abrir novas perspectivas migratórias em suas vidas e que precisa ser entendida como o direito de migrar, independentemente da existência de antecedentes penais ou de ter passado pela justiça criminal brasileira”, finaliza Viviane.

Nduduzo recebe apoio durante oficina do Instituto Brincante, em São Paulo.
Crédito: Divulgação

Com informações da Ponte Jornalismo

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