Por André Gabay Piai
Estudos da revista científica Nature revelam que o aquecimento global começou há cerca de 180 anos, isto é, muito antes do que se estimava. Antes da Revolução Industrial, a interferência humana no meio-ambiente já provocava efeitos na natureza. Entretanto, foram a intensificação da exploração de recursos naturais e a acelerada industrialização as grandes responsáveis por níveis alarmantes de gases de efeito estufa lançados na atmosfera.
Desta forma, a intensa industrialização, o consumo desenfreado e a incessante exploração de recursos naturais acendem um alerta na comunidade científica. Se todo o mundo vivesse aos moldes atuais da Europa e da América do Norte, seriam necessários, em média, 4 planetas Terra. Isto posto, alguns estudiosos apontam para um iminente ponto de não retorno dos efeitos produzidos pelo aquecimento global.
Tal hipótese é sustentada a partir da observação daquilo que é considerado como um dos inequívocos sinais das mudanças climáticas: o derretimento das geleiras nos Polos Norte e Sul. Uma expedição alemã enviada ao Ártico entre 2019 e 2020 concluiu que as camadas de gelo estão desaparecendo a uma velocidade dramática. Segundo cientistas, o degelo acelerado das calotas polares e o consequente aumento do nível dos oceanos nos aproximaria ainda mais rapidamente da irreversibilidade dos efeitos produzidos pelo aumento da temperatura na Terra.
Neste contexto, a pauta ambiental tem cada vez mais ocupado as agendas internacionais e ganhado os debates públicos, tornando-se uma questão de grande urgência. Confirmando o caráter emergencial da temática, cientistas de quase todo o mundo iniciaram, em fevereiro, a elaboração da segunda parte do relatório destinado a basear as conferências climáticas organizadas pela ONU.
Assim, os integrantes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) se reuniram para entregar um documento voltado à elaboração de políticas públicas dentro da problemática ligada às alterações climáticas. À ocasião, o recado dado na abertura do evento era claro: os impactos provocados pelas mudanças climáticas são visíveis e isso já levou a um aumento de desastres naturais, com consequências em diversos campos da vida.
Com isso, a partir de novas metas e diretrizes, o novo relatório do IPCC conclui a necessidade de se limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C até o fim do século. Para contraste, anteriormente, pensava-se que limitá-la a um aumento de 2°C seria suficiente para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Atualmente, mesmo que a nova meta seja atingida, os impactos provocados aos diferentes ecossistemas são tidos como irreversíveis.
Para além da extinção de espécies, da eclosão de epidemias e das intensas ondas de calor que assola certas partes do globo, uma das consequências observáveis das alterações climáticas e dos desastres naturais é o deslocamento de seres humanos em zonas sensíveis. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), mais de 4 bilhões de pessoas, isto é, mais da metade da população mundial, já se encontram em situação de vulnerabilidade frente a algum efeito relacionado à mudança climática.
O tom das preocupações em relação à questão climática já mudou dentro da classe científica. Cada vez mais, os estudiosos abandonam o tom de projeções futuras em relação aos efeitos produzidos pelo aumento da temperatura terrestre e alertam para o fato de que estes efeitos já fazem parte do presente.
Isto é, as ameaças ao bem-estar humano e o aumento da periodicidade de catástrofes ligadas ao aquecimento global não estão em um futuro longínquo. Segundo este novo relatório do IPCC, eventos cujos impactos eram antes estimados para 2050, produzem efeitos já nos dias atuais.
Deslocamentos forçados
Deste modo, nos dias de hoje, os efeitos produzidos pelas mudanças climáticas expõem à insegurança alimentar, à escassez de água e à iminência de deslocamentos humanos em algumas localidades do globo. Ainda segundo o relatório, as crises humanitárias se agravam onde fenômenos climáticos interagem com a alta vulnerabilidade da população local.
A este respeito, segundo a ONU, em 2020, 30 milhões de deslocamentos foram registrados em decorrência de desastres relacionados ao clima. Comparativamente, tais catástrofes já provocaram mais deslocamentos do que as áreas que registram conflitos armados e violência generalizada.
Vale a pena ressaltar que os desastres ambientais podem gerar disputas e acentuar a vulnerabilidade a conflitos. É o caso de Burkina Faso, onde grupos armados exploram tensões relacionadas ao acesso à água em um território muito propenso à seca. Neste sentido, a ONU atenta para o fato de que, atualmente, cerca de 80% das pessoas forçadas a se deslocar têm como procedência zonas sensíveis às alterações climáticas e não dispõem de recursos para se adaptar a um meio cada vez mais hostil. Tais pessoas buscam, em sua maioria, abrigo no próprio país do qual são nacionais.
Trata-se de pessoas já vulnerabilizadas em razão de conflitos e violência e que se veem em situação de insegurança alimentar, de escassez hídrica e expostas a catástrofes. As mudanças climáticas acentuam os fatores de vulnerabilidade, contribuindo para os deslocamentos. É o caso dos refugiados do Mali presentes no campo de Mbera, localizado na Mauritânia, em uma zona particularmente afetada pelas secas e pelo calor intenso. É o caso também do Afeganistão, país particularmente propenso a desastres e, ao mesmo tempo, avaliado como o país menos pacífico do mundo.
O ACNUR tem, cada vez mais, chamado a atenção para a estreita relação que vem se configurando entre mudanças climáticas, vulnerabilidade e deslocamento humano. Esta estreita relação se confirma ao observarmos a nação insular de Tuvalu, localizada no oceano Pacífico. O país é um emblemático caso de território atingido por inundações ligadas à mudança climática. As especulações em torno do desaparecimento da ilha fazem com que Tuvalu seja um dos primeiros países a gerar deslocamentos humanos em decorrência do clima, dada a vulnerabilidade à qual é exposta sua população.
Assim, a complexa interação entre mudanças climáticas e deslocamentos humanos forçados reacende o debate em torno do termo “refugiados climáticos”. Isto porque a Convenção de Genebra, assinada em 1951, não abrange os seres humanos deslocados em decorrência de eventos climáticos. Assim, a noção de “refugiado climático” não produz efeitos jurídicos, já que não é possível ser reconhecido refugiado sob a alegação de ameaças decorrentes de eventos climáticos.
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