Por Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Dizem que os extremos se tocam. Poucas figuras de abrangência mundial se revelam hoje tão opostas como Jorge Mario Bergoglio e Donald Trump. E o campo das migrações constituem justamente o cenário onde o desencontro é mais incisivo e contundente. De um lado, o Papa Francisco desde a sua eleição tem mostrado uma sensibilidade e uma solicitude surpreendentes diante do fenômeno migratório. De outro, o 45º presidente dos Estados Unidos, desde a sua campanha eleitoral e após a sua vitória, aparece em cena como um adversário tenaz da imigração.
Semelhante quadro evidencia, uma vez mais, que as migrações figuram na história como um “sinal dos tempos”, na linguagem da Doutrina Social da Igreja (DSI). Sinal negativo de crise e contradição e, ao mesmo tempo, sinal positivo de encontro e intercâmbio cultural. Se, por uma parte, milhões de pessoas e famílias são arrancadas de sua terra natal devido à fome, à violência e à guerra, de outra, os mesmos personagens abrem sulcos no terreno da trajetória humana para o lançamento de novas esperanças de vida. A aridez da separação e do sofrimento combina-se com a fertilidade de múltiplas formas de convivência humana, que a todos podem fazer crescer e enriquecer.
Emerge com força a ambiguidade de toda crise. Nesta, há sempre o momento da queda, do choro, das lágrimas, das adversidades e dos contratempos. Momento da miopia e da cegueira, onde a dor e o sofrimento impedem uma visão de futuro. Mas há também o momento da encruzilhada, de enxugar o pranto, levantar a cabeça e constatar as novas veredas que a própria crise cavou. A encruzilhada, de fato, pressupõe duas coisas: caminhos diversos e possibilidade de escolha. Permite olhar o horizonte em termos prospectivos. Enquanto a crise pode tornar-se um instrumento capaz de desconstruir formas sociais petrificadas, cristalizadas e fossilizadas, a encruzilhada irrompe como um tempo oportuno para mudanças que levem à construção de sonhos pessoais e coletivos.
Entre uma e outra, encontra-se o migrante, como uma espécie de termômetro da história humana sobre a face da terra. Crises inesperadas o desenraízam e o obrigam a marchar, a percorrer estradas inóspitas e desconhecidas. Forçam-no a enfrentar muros, barreiras, fronteiras, leis restritivas, preconceitos, discriminação, xenofobia, perseguição… e hostilidades de toda ordem. Mas a resistência e a teimosia o tornam simultaneamente mais frágil e mais forte. De tal forma que a encruzilhada o leva a erguer o olhar e fazer da fuga uma nova busca. Com coragem redobrada, põe os pés na estrada e, mesmo com a saudade da terra de origem, luta, sonha e trabalha por uma sociedade onde todos possam ser cidadãos de uma mesma pátria.
Semelhante teimosia e bravura coloca na terra de destino sementes de diferentes formas de vida, seja ela pessoal e familiar, social e econômica, política e cultural. Da mesma forma que as asas do vento fecundam o solo de sementes novas, o impacto das migrações, ao longo da história, cria e/ou robustece novas formas de sociedade e mesmo novos países. Scalabrini, no final do século XIX, já alertava para o lado negativo e positivo dos movimentos humanos. O mesmo tem feito a DSI em seus documentos voltados para o mundo da mobilidade humana.
Disso se conclui que o migrante, frágil e forte ao mesmo tempo, entra em cena como protagonista e profeta de mudanças e de novas maneiras de organização social. Ao por-se em marcha, faz marchar os demais agentes da história. Na saída, questiona pela raiz as injustiças e assimetrias que dividem o mundo; no trânsito, rompe e supera obstáculos; na chegada, exige maior distribuição dos benefícios do progresso e da tecnologia. Numa palavra, profetiza o “desenvolvimento integral como alicerce da paz”, de acordo com a Carta Encíclica Populorum Progressio (1967), do então Papa Paulo VI.
Roma, 7 de março de 2017