O desafio para a temática das migrações está no equilíbrio entre a atuação local, porém, conectada a uma perspectiva mundial
Por Pe. Alfredo J. Gonçalves
Em Roma (Itália)
Um dos estudos clássicos de Ferdinand Tonnies, Comunidade e Sociedade, vem à luz no final do século XIX, mais precisamente em 1887. De acordo com o título de sua obra, o sociólogo alemão afirma que “enquanto na comunidade os seres humanos permanecem essencialmente unidos, não obstante os fatores que os separam; na sociedade, permanecem essencialmente separados, não obstante os fatores que os unem”. O contexto dessa afirmação é o auge da Revolução Industrial, onde emerge com força o contraste entre o universo rural, de um lado, e, de outro, o universo urbano em franca expansão.
No mesmo período, os estudiosos falam em “século do movimento”. Movimento de navios, trens e carros, mas também deslocamento sem precedentes de pessoas. Produtividade e velocidade são duas grandes inovações dos temos modernos. Enquanto as fábricas vomitam fumaça e produzem bens em série, aqueles que dispõem de recursos podem viajar como nunca. Primeiro, trocando a zona rural pelo mundo urbano, onde “o ar da cidade torna o homem livre”, segundo o provérbio. Depois, com dificuldade de emprego para todos, cruzando os oceanos em busca de pão, paz e pátria nas terras de além-mar. Segundo o historiador alemão radicado nos Estados Unidos, Peter Gay, entre 1820 e 1920, mais de 60 milhões de pessoas deixaram o velho continente europeu em direção às Américas e à Austrália ou Nova Zelândia.
Hoje os deslocamentos humanos só fizeram aumentar. Talvez por isso, em plena modernidade tardia ou pós-modernidade, o tema da convivência comunitária frente à “sociedade racionalizada” (Weber) ressurge tendo como base outro cenário e outro enfoque. O novo cenário é o do neoliberalismo e da mobilidade humana, com fluxos migratórios cada vez mais numerosos, complexos e diversificados. O novo enfoque é o contraste crescente entre o processo de globalização e a emergência das identidades locais. Diz um estudioso italiano em obra recente: “Se a distância do tempo passado podia encorajar uma genérica vizinhança ideal com os «condenados da terra», a vizinhança física dos dias atuais engendrou uma nova distância, sublinhada pelas barreiras, reais ou simbólicas, que muitos Estados se apressam a erguer. Nunca como hoje o cosmopolitismo proclamado pela velha sociedade liberal tornou-se experiência de massa, e todos coexistimos com culturas, religiões e modos de vida diversos” (BREVINI Franco, Così vicini, così lontani: Il sentimento dell’altro fra viaggi, social, tecnologie e migrazioni, Ed. Baldini&Castoldi, Milano, 2017).
Constata-se-se que a globalização não representa um percurso linear e nem sequer de todo irreversível. Em sua expansão, de fato, verificam-se avanços e recuos, resistências inesperadas e imprevistas, como também lutas clamorosas para manter a cultura e os valores dos diferentes lugares de nascimento. Na verdade, ainda seguindo o pensamento de Brevini, “há algumas décadas o mundo caminha em duas velocidades: a homogeneidade e o particularismo, o cosmopolitismo e as reivindicações étnicas, os grandes “esperantos” e os dialetos locais” (Idem). A “aldeia global” não acabou com as ilhas e arquipélagos locais. Ambas as realidades subsistem e se entrelaçam. O risco de uma globalização com cheiro de neo-colonialismo corresponde ao risco oposto, isto é, de uma visão localista que conduza ao nacionalismo populista, fundamentalista e intolerante para com o “outro” e estrangeiro. O desafio está no equilíbrio entre a atuação local, porém, conectada a uma perspectiva mundial.
Do ponto de vista dos movimentos sociais, em geral, e da Pastoral Migratória, em particular, vem à tona uma pergunta: como conjugar as lutas e reivindicações locais com uma visão global das organizações em rede? E vem à tona, de forma espontânea o clássico slogan das campanhas internacionais: “agir localmente e pensar globalmente”. O resgante da própria cultura tende tende ao confronto, ao diálogo e à comunhão com os demais valores engendrados por outros percursos humanos. A busca da justiça, da solidariedade e da equidade em termos universais passa, necessariamente, pelos temas particulares. Na economia que se globaliza de forma cada vez mais acelerada, bem como nos esforços conjuntos para preservar o meio ambiente e defender o planeta Terra – cultivar “nossa casa comum”, como escreveu o Papa Francisco na Carta Encíclica Laudato Si’ – não podem ser esquecidas as identidades localizadas e fundamente enraizadas no solo pátrio.