Por Nicolli Bernardes
Protagonistas do maior fluxo migratório recente para o Brasil, os venezuelanos pouco a pouco se organizam ou tomam parte em associações que realizam ações em prol da comunidade e de outros migrantes pelo país. Segundo as Nações Unidas, mais de 5,6 milhões de venezuelanos deixaram o país nos últimos anos, sendo que cerca de 260 mil deles vivem hoje no Brasil.
Um exemplo dessa atividade recente é a Associação Venezuela Global, com sede no Rio de Janeiro e fundada neste ano de 2021. Mesmo antes de completar o primeiro ano de vida, já conta com uma série de atividades realizadas em prol da comunidade migrante na segunda maior cidade brasileira.
A associação é presidida pelo venezuelano William Clavijo, que migrou para o Brasil em 2014 para dar início ao seu mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Formado em Ciências Políticas pela Universidad Católica del Táchira, ele conta que a Venezuela vivia em um contexto político, econômico e social diferente do atual. A ideia era retornar ao país de origem após a conclusão dos estudos. Mas os planos não saíram como planejado.
“Vim para cá como estudante, de avião. Vim para estudar na UFRJ, uma das melhores Universidades do país. Saí com a ajuda dos meus pais e consegui aqui uma bolsa de pesquisa. As pessoas estão vindo a pé. Eles vendem tudo na sua casa, tudo o que têm para vir. As pessoas lá estão em situação de miséria. E muitos têm uma formação superior, são professores universitários. É muita gente em situação de miséria mesmo”, relatou Clavijo, declaradamente crítico ao governo de Nicolás Maduro – que ocupa a cadeira de presidente da Venezuela desde 2013.
A criação da Associação Venezuela Global
A “frustração”, a indignação e a vontade de ajudar seus compatriotas em situação de vulnerabilidade – especialmente a partir de 2020 com a crise potencializada pela pandemia causada pelo vírus da Covid-19 – serviram de força motriz para, junto com a advogada Karina Chuquimia e outros membros venezuelanos, fundar e formalizar a Associação Venezuela Global. Atualmente a ONG conta com uma rede de voluntários, entre venezuelanos e não venezuelanos, que participam dos diferentes projetos da entidade.
Um exemplo é o Projeto “Cozinhando Talento”, um programa de capacitação gastronômica que formou profissionais para atender a demanda do mercado gastronômico da cidade do Rio de Janeiro, o que o presidente da Venezuela Global chama de “projeto modesto e simples, mas de impacto importante”, visto que possibilitou que dezenas de migrantes venezuelanos ingressassem no mercado de trabalho local.
“Ele [o migrante venezuelano] se sente valorizado em fazer o curso. Todos terminaram e alguns já conseguiram ser contratados”, conta William.
A Venezuela Global também se divide em organizar e distribuir cestas básicas para migrantes em situação de maior vulnerabilidade e famílias de baixa renda. A ação, chamada de Jornada de Solidariedade Brasil-Venezuela, teve sua última edição realizada no mês de outubro e contemplou 1000 famílias. Outras associações de migrantes venezuelanos, como a Casa Venezuelana, as ONGs Ação Floresta da Barra e Aldeias Infantis também participaram, além do apoio do Programa SESI na Mesa Brasil e do Programa Pátria Voluntária, do governo federal.
Apesar das parcerias de sucesso, Clavijo aponta que os principais desafios para a organização e estruturação de projetos, principalmente os que ele chama de projetos duráveis, são recursos e tempo. Junto aos outros membros da ONG, precisam constantemente abrir diálogo e articular parcerias com o poder público, iniciativa privada e outras ONGs para dar andamento aos programas e projetos.
“É um trabalho difícil, sempre dá muito trabalho, lido constantemente com conflitos. Mas é uma experiência de muito aprendizado, vejo muitos resultados positivos. Em 2022 quero fazer melhor”. Clavijo ressalta, no entanto, que esse não é um projeto pessoal. “A ONG funciona não para ser um projeto de vida, mas para apoiar imigrantes”.
Imigrantes podem fazer a diferença
Quando perguntado sobre a organização de outras e outros migrantes, Clavijo diz que ainda falta muito a ser feito, mas acredita que não seja falta de compromisso, mas sim pelo contexto em que os venezuelanos estão chegando na cidade do Rio de Janeiro. Ele aponta que nos fluxos mais recentes, a maioria dos migrantes chega precisando e procurando ajuda.
No entanto, o líder da Venezuela Global ressalta também que todas as vezes que foram até a comunidade venezuelana pedir ajuda, foram acolhidos e, dentro das possibilidades, moveram-se para ajudar aos seus conterrâneos. Lembra que na Jornada de Solidariedade Brasil-Venezuela, contou o trabalho voluntário de dezenas de outros venezuelanos.
“Dentro da comunidade de venezuelanos, muitos participam dentro das suas possibilidades. Estão precisando de ajuda, mas entendem que podem fazer a diferença”, comenta.
Segundo Clavijo, muitos venezuelanos que chegaram há mais tempo no Rio de Janeiro se conheceram e se conectaram a partir de organização de eventos, articulações sociais e políticas, formando as redes sociais e de contato. Juntos, organizam desde protestos para denunciar a situação da Venezuela, até festas de Natal.
Apesar de ser uma das principais cidades “destino” dos venezuelanos, a Venezuela Global é hoje a única associação de imigrantes venezuelanos para imigrantes venezuelanos no Rio de Janeiro. Há outros importantes coletivos organizados por imigrantes e para imigrantes e há, também, venezuelanos organizando-se de forma independente.
“Há muitos projetos, mas aqui no Rio não. No Brasil tem uns 6 ou 7 projetos bem desenhados”. Por outro lado, o presidente da Venezuela Global acredita que trata-se de um processo e que é uma questão de tempo para as organizações e coletivos se constituírem. “É um trabalho de formiguinha”, completa.
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