Espaços também abrigam as mães viúvas e dão suporte financeiro e psicológico às famílias afetadas pela guerra
Por Alethea Rodrigues
Em Gaziantep (Turquia)
Desde 2015, a Associação AlSham mantém 14 orfanatos, localizados na Síria e na Turquia. Os espaços acolhem crianças sírias que ficaram órfãs por consequência da guerra – que teve início em março de 2011 e já deixou pelo menos 800 mil crianças sem o pai, a mãe, ou ambos.
A sede da Associação, que fica em Gaziantep (Turquia), abriga atualmente 30 crianças sírias. A unidade é mantida, assim como as outras 13, por doações principalmente vindas do Kuwait e da Arábia Saudita. O espaço também acolhe as mães desses órfãos, que perderam seus esposos e tiveram que se refugiar na Turquia. Quase todas as famílias que fogem da guerra não conseguem trazer qualquer bem material ao país de refúgio e chegam apenas com a roupa do corpo.
Na Síria, não é comum que as mulheres trabalhem. Por isso, atualmente a maioria das mães se dedicam apenas à criação das crianças – seja pela questão cultural, falta de experiência profissional ou até mesmo pela dificuldade com o idioma. Apesar disso, boa parte das famílias recebe um auxílio mensal do Crescente Vermelho (braço da Cruz Vermelha que atua em países islâmicos, como a Turquia e a Síria) para que possam manter suas despesas pessoais.
O prédio da sede tem cinco andares, porém é bem simples e antigo. Apesar dos cômodos serem bastante improvisados, há espaço suficiente para que todos possam cozinhar, dormir e realizar atividades de recreação e cursos de idioma para as crianças. Além disso, a AlSham tem um centro próprio na mesma cidade, onde as crianças refugiadas da sede, juntamente com outras 200 órfãs, frequentam todos os dias no período da manhã.
“Temos dez funcionários sírios que nos ajudam na manutenção do prédio, além de psicólogos e professores voluntários, a maioria deles sírios. Além disso, oferecemos cursos de capacitação para as mães, para que elas aprendam a confeccionar artesanatos e os mesmos sejam vendidos”, afirma a coordenadora Om Alkher, que é responsável pela acomodação de toda a rede de orfanatos.
A maioria dos orfanatos não permitem que adolescentes que completam a maioridade permaneçam vivendo no local. A Associação, porém, tem uma política diferente: as mulheres que cresceram ali podem continuar no abrigo se não tiverem casado ou condições de alugar uma moradia; já os garotos acima de 14 anos são levados para outro abrigo. No Islã não é permitido que mulheres e homens desconhecidos vivam e convivam no mesmo ambiente, com exceção das crianças.
Tanto a Turquia quanto a Síria são países em que o islamismo predomina e dentro do orfanato a religião é levada a sério. As mulheres podem andar à vontade, não são obrigadas a usar o hijab (lenço que cobre o cabelo e o pescoço de mulheres muçulmanas) dentro do espaço, mas há outras regras em relação a visitas, horários de entrada e saída do orfanato e obrigações relacionadas a manutenção do ambiente limpo e amistoso.
Visita de qualquer homem é proibida dentro do prédio, assim como é necessário pedir permissão para irem às ruas, mesmo que seja uma mãe ou uma órfã adulta.
Om Alkher tem 53 anos e chegou na Turquia em 2013, também como refugiada síria e no mesmo ano se tornou funcionária da associação. A coordenadora lembra da situação das crianças e das mães quando chegaram no orfanato precisando de ajuda.
“Todos chegam da Síria exaustos, as mães muitos estressadas e cansadas e as crianças com o psicológico extremamente abalado. Mas, graças a Deus, essa situação foi melhorando aos com o trabalho intensivo de nossos psicólogos e hoje temos raros casos de crianças ou mães que ainda precisam de tratamento. Felizmente nossos órfãos têm a mãe do lado e isso facilita com que eles aprendam a conviver sem a figura do pai”.
A coordenadora ainda ressalta que a política da Associação consiste em trabalhar com a verdade, por isso todas as crianças sabem do que está acontecendo, tanto na Síria, quanto sobre a morte de seus pais. A AlSham acredita que, dessa maneira, elas amadurecem de maneira mais independente, auxiliando na formação do caráter e aprendendo a valorizar a família e ajudar as mães.
Atualmente, não há voluntários internacionais trabalhando na sede. Porém, durante a entrevista ao MigraMundo, Alkher falou sobre a importância das pessoas que dedicam um pouco do tempo para ajudar a quem precisa.
“O voluntariado traz benefícios enormes para as nossas crianças porque elas têm contato com outros idiomas e outras culturas. Além disso, voluntários nos ajudam basante na parte administrativa e a nossa demanda é grande demais”.
O fundador da AlSham é sírio, mas atualmente vive na Arábia Saudita e auxilia na arrecadação das doações que mantêm os orfanatos. Segundo a coordenadora, o principal objetivo da equipe é que todas as crianças cresçam independentes, conheçam o verdadeiro valor da religião e sejam encaminhadas para a universidade.
Segundo dados do ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados), a Síria é atualmente o país que mais gera refugiados no mundo – 6,7 milhões – em virtude da guerra que atinge o país desde 2011 – e que ainda parece longe de uma solução.
Por sua vez, a vizinha Turquia é o país que abriga mais refugiados no mundo (3,7 milhões, a maioria deles da própria Síria).