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domingo, dezembro 22, 2024

Ato antecipa clima que deve marcar o Fórum Social Mundial de Migrações

Por Rodrigo Borges Delfim

Quer saber o que esperar do Fórum de migrações? Um ato político organizado na última sexta (06) dá uma ideia dos debates e tendências que estarão presentes no evento, que será de 7 a 10 de julho em São Paulo.

Realizado no Sindicato dos Bancários, no centro da capital paulista, o Ato Político em Defesa do Direito à Participação Cidadã dos Imigrantes foi organizado pela Secretaria Técnica do FSMM e reuniu lideranças sociais, autoridades, estudiosos e demais envolvidos na temática migratória.

O evento foi uma reação a dois episódios recentes envolvendo a temática dos migrantes: o boato de que imigrantes de Bolívia, Paraguai e Venezuela estariam “invadindo” o Brasil em apoio ao governo Dilma; e a nota da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) que, a partir desse boato (desmentido, mas que foi reproduzido por grandes meios de comunicação), invocou o Estatuto do Estrangeiro (que proíbe manifestação política de Imigrante, mas acaba invalidado porque contraria a própria constituição) para ameaçar de expulsão do Brasil qualquer imigrante que tomasse parte em manifestações políticas.

Além de se posicionar em relação a esses dois fatos, o evento também tinha como objetivo debater estratégias para buscar avanços nas políticas de participação social e na superação do Estatuto do Estrangeiro.  Também aconteceram manifestações de apoio a Paulo Illes, do Comitê Organizador do Fórum, que denunciou ter tido os dados pessoais violados e vazados na internet.

Mesa do evento teve lideranças da sociedade civil, imigrantes e autoridades. Crédito: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo
Mesa do evento teve lideranças da sociedade civil, imigrantes e autoridades.
Crédito: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo

Ambiente político nacional e global

O ato foi marcado fortemente pelo contexto político atual do país, com o iminente afastamento da presidente Dilma Rousseff e os retrocessos que esse fato pode ter sobre políticas públicas e iniciativas adotadas sobre direitos humanos nos últimos anos – incluindo àquelas voltadas a imigrantes e refugiados.

A partir da carta do sindicato dos policiais e desse cenário político conturbado, a professora Deisy Ventura, do Instituto de Relações Internacionais da USP, lembra que os imigrantes estão no lado mais fraco da corda e que a não revogação do Estatuto do Estrangeiro é um dos responsáveis pela manutenção dessa fragilidade.

“Infelizmente nós não conseguimos revogar o Estatuto nos últimos anos. Na hora que estávamos fortes e tínhamos condições de fazer, as forças se dividiram por conta de interesses próprios. Não adianta contemplar interesses pontuais e deixar uma estrutura que, no todo, depõe contra nós. Não fizemos o avanço no momento que deveria ter sido feito e a situação atual não nos ajuda. Vamos acompanhar o que vai acontecer com atenção para sabermos como agir”.

O congolês Pitchou Luambo foi um dos imigrantes que tomaram a palavra no ato. Crédito: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo
O congolês Pitchou Luambo foi um dos imigrantes que tomaram a palavra no ato.
Crédito: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo

“A nota e a lei  dizem que não podemos nos manifestar. E por que não podemos?  Isso já provoca no imigrante uma sensação de vulnerabilidade”, exemplifica o congolês Pitchou Luambo, líder do GRIST, o Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem Teto de São Paulo.

Deisy ainda lembrou o contexto internacional e a apropriação da pauta migratória por grupos conservadores e de extrema-direita, citando especialmente países europeus – e a necessidade de combater essa visão aqui no Brasil. “Hoje a Europa é violadora de direitos, lidera uma percepção das migrações como uma ameaça à segurança, ao emprego. Esse olhar para a Europa, que no passado era de copiar a visão, hoje precisa ser de forma dura. A Europa não é mais referência para nós em matéria de direitos humanos dos imigrantes e refugiados”.

O militante e jornalista chileno Miguel Ahumada chamou a atenção para a necessidade de os imigrantes se organizarem, independente dos interlocutores já existentes nos governos e na sociedade civil. “Os imigrantes precisam se organizar e começar a criar um fato político, de forma consciente e organizada. Se não nos organizarmos não vamos conseguir nada”.

A necessidade de união foi citada por Luiz Baseggio, integrante do comitê internacional do Fórum.  “É hora de defesa da democracia, de união de forças e da defesa intransigente da defesa da dignidade da pessoa humana”, reforçou.

Citando o avanço de pautas conservadoras no país, a diretora da Fundação Perseu Abramo, Iole Ilíada, também citou a necessidade de união e de resistência no atual momento. “Só há uma maneira de enfrentar isso. É resistir. A luta, o direito de participação é de todos”.

Reconhecimentos e críticas

A sensação de que o evento estaria sendo direcionado para uma defesa do governo federal, atualmente com o PT, e o vínculo direto ou indireto de parte da mesa do evento com o partido, gerou críticas de imigrantes que tomaram a palavra.

“Por que podem tomar uma liberdade dessas e o Ministério da Justiça não se posicionar? Ou o partido que está no governo não é capaz de governar, ou não quer proteger os imigrantes”, criticou o camaronês Mahob Matip Dieudonne, citando a carta do sindicato dos policiais federais e lembrando que a Polícia Federal está subordinada à pasta.

Ato aconteceu no Sindicato dos Bancários, em São Paulo. Crédito: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo
Material de apoio ao ato, que aconteceu no Sindicato dos Bancários, em São Paulo.
Crédito: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo

Outra crítica veio do congolês Christ Kamanda, que lembrou manifestações xenófobas feitas há poucos meses pelo deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ). “Onde estavam vocês quando ele falou isso? É tudo hipocrisia aqui. Vocês não falaram nada. E temos outras prioridades maiores que esta conversa aqui”.

Tais críticas foram consideradas excessivas por Rogério Sottili, ex-secretário de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo e atual Secretário Especial de Direitos Humanos do governo federal. Ele admitiu que “ainda há muito a ser feito”, mas pediu o reconhecimento dos avanços já obtidos. “É importante fazer críticas, mas também é importante reconhecer o que já está sendo feito e que muda a realidade dos imigrantes. Estamos na mesma luta, na mesma trincheira”, disse.

“A César o que é de César. As críticas precisam ser feitas, mas com responsabilidade. Se não, ela não só não tem credibilidade como cria desgastes, injustiças e nos divide. O futuro das lutas dos imigrantes depende da nossa inteligência. E não é inteligente atacar aqueles que estão conosco desde o começo, por mais defeitos que tenham”, reforçou Deisy, que tratou de enfatizar que não possui vínculos com o PT.

“Mesmo tardiamente, é importante ter um posicionamento em relação aos imigrantes”, ponderou o peruano Luis Benavides quanto à realização do ato.

Ato deu uma prévia das convergências e divergências que devem marcar o FSMM. Crédito: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo
Ato deu uma prévia das convergências e divergências que devem marcar o FSMM.
Crédito: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo

#esquentaFSMM2016

Ao final do evento, tanto entre organizadores como entre os participantes, ficou a impressão de que as opiniões e divergências presentes no ato são um aperitivo do que está por vir no Fórum, em julho.

“Foi impressionante o debate que tivemos aqui e a maturidade política apresentada pelos imigrantes. Com certeza é uma prévia do Fórum”, apontou a produtora cultural luso-brasileira Cristina de Branco. “Os imigrantes e refugiados estão colocando as demandas deles, e não necessariamente são as mesmas apresentadas pelas lideranças”, analisou o sociólogo Willians Santos.

Para Illes, que integra a organização do Fórum e também mediou o ato, ele de fato é um “esquenta” do FSMM e aponta como normais a existência de divergências. ”Entendemos que o Fórum é um espaço de convergência, de debate, de disputa, de troca de opiniões. O Fórum não é deliberativo, mas vamos buscar propostas e consensos. Todo o Fórum envolve tensões, mas estamos preparados para isso”.

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