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quinta-feira, dezembro 26, 2024

Bolivianos no Brasil se mobilizam para garantir direito de voto do exterior e participar de eleição

Após informações de que as eleições bolivianas presidenciais não seriam realizadas no Brasil, comunidade se organiza para garantir seu direito, previsto na Constituição

Depois que um documento da Embaixada da Bolívia veio a público em 28 de agosto, dizendo que nenhum boliviano em solo brasileiro poderia votar nas eleições presidenciais, a comunidade boliviana se mobilizou para garantir o direito de votar.

A Embaixada, dirigida por Wilfredo Rojo Parada, e o Consulado em São Paulo justificaram a informação alegando dificuldades logísticas e barreiras sanitárias para organizar o pleito; a comunidade, por outro lado, diz se tratar de um ataque democrático.

Marcada para 18 de outubro, a eleição ocorrerá quase um ano depois do pleito original, anulado por suspeita de fraude. Desde então, o país vive uma instabilidade política com a renúncia de Evo Morales, que caminhava para seu quarto mandato, e com a autoproclamação de Jeanine Añez, acusada de golpe.

Eleições anteriores

Bolivianos e bolivianas que vivem no exterior obtiveram direito ao voto em 2009. Desde então, nas quatro eleições realizadas, o Movimento Ao Socialismo (MAS), partido de Evo Morales, teve uma ampla vitória em relação aos seus opositores.

Em conversa com o portal Opera Mundi, Mirna Chávez, do Movimento Wiphala de São Paulo frisou a importância do voto daqueles que estão expatriados. “O voto no exterior representa 4,7% do eleitorado boliviano, 90% concentrado em quatro países: Argentina (161.057), Espanha (72.602), Brasil (45.793) e Chile (30.943)”, pontuou.

Dos mais de 45 mil nacionais que residem no Brasil, 44.232 (96%) se encontravam em São Paulo nas eleições do ano passado, de acordo com as organizações bolivianas. Os demais estavam nos estados do Acre, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Rondônia.

No que diz respeito aos votos, segundo a apuração oficial da eleição de outubro de 2019, 70% dos bolivianos e bolivianas que vivem no Brasil votaram pela reeleição do ex-presidente Evo Morales.

Protestos

Na última quarta-feira (2), cerca de 60 bolivianos e apoiadores se concentraram em frente ao Consulado da Bolívia em São Paulo, mas não foram atendidos pelo cônsul José Luis Bravo Balcázar. Os participantes reivindicavam o diálogo sobre o direito à realização das eleições com a autoridade consular que está no cargo temporariamente e foi enviado pelo governo de Añez — que trocou diplomatas no Brasil e em outros países desde que se autodeclarou presidente.

O ato sucedeu um de caráter similar que havia acontecido no dia anterior. Em conversa com o MigraMundo, Daniela Cuajera, que faz parte da Federação de Residentes e Associações de Bolivianos no Brasil (FRABB) disse que estava marcada para às 15h do dia 1º de setembro uma conversa com Bravo, mas que o fechamento do consulado e o cancelamento da reunião não foram informados. Segundo ela, o mesmo aconteceu na quarta-feira.

“O consulado que seria o único órgão governamental em São Paulo que representa a comunidade não fez nenhum tipo de posicionamento ao tema, mesmo sabendo que tinha pessoas organizando as manifestações. Podemos ver que não existe o diálogo da parte deles, mas que a comunidade queria e ainda quer dialogar.” explicou Cuajera.

Jobana Moya Aramayo, membra fundadora da Equipe de Base Warmis – Convergência das Culturas, coletivo que faz parte do Comitê Brasileiro de Solidariedade ao Povo Boliviano, afirmou ao MigraMundo que a representação consular é a única figura legal que existe para a comunidade boliviana como elo com o governo transitório da Bolívia e, por isso, vê como fundamental a existência de uma mediação.

O debate

Em conversa com o jornal Folha de S.Paulo, o embaixador Parada disse estar esperando a posição dos seis consulados em outras cidades brasileiras para informar ao Ministério das Relações Exteriores boliviano das condições para a realização das eleições. Cabe ao MRE da Bolívia comunicar o Tribunal Supremo Eleitoral, o qual tomará a decisão final.

Segundo o embaixador, situação não é favorável para que ocorra a votação, uma vez que escolas estão fechadas e aglomerações devem ser evitadas. Questionado se a Embaixada avalia outros tipos de espaço para receber os eleitores, ele respondeu que não existe experiência a esse respeito.

Em entrevista realizada em 1º de setembro por Bravo à Honda 10, rádio da comunidade boliviana no Brasil, o cônsul afirmou que das 15 escolas onde se deveria realizar o pleito, 8 estão fechadas, o que dificultou a entrega de cartas de solicitação do espaço pelo consulado. Além disso, uma já teria negado o pedido, enquanto as demais ainda não teriam respondido.

Para a comunidade, a questão das escolas não é motivo suficiente para se cancelar as eleições. “Não vejo como problema , pode ser em pontos estratégicos, como Penha, [rua] Coimbra, Jardim Brasil, Carapicuíba, Guaianases, Itaquaquecetuba”, pontuou o ator Juan Cusicanki que mora há 48 anos no Brasil. Todos os locais citados por ele são bairros de São Paulo e cidades da região metropolitana que contam com população expressiva de bolivianos e bolivianas.

“Há 10 anos os bolivianos que moram fora do país conquistaram o direito ao voto no exterior e as primeiras eleições eram feitas em locais públicos que a comunidade frequentava e não eram principalmente escolas, um exemplo é o memorial da América Latina que fica perto da estação Palmeiras Barra Funda”, complementa Cuajera.

Marcela Farfán Recchia, boliviana-argentina professora e diretora de teatro, trabalhava na Embaixada da Bolívia em Buenos Aires (Argentina) durante as eleições de 2010. Ela recordou que espaços abertos, como centros esportivos, eram usados nos pleitos. Para ela, se a representação consular da Bolívia quisesse dialogar, estratégias e alternativas poderiam ser debatidos com a coletividade boliviana, mas essa falta de diálogo é proposital.

“É uma desculpa, uma estratégia para justificar a não realização das eleições e não votação dos bolivianos e bolivianas que estão no Brasil”, resume a professora, que reside no Rio de Janeiro.

Cuajera também vê interesse político na posição do atual governo boliviano.

“Acredito que tenha um jogo de conveniência política que não quer mostrar sua cara, e por isso utiliza outros meios para tentar impossibilitar o voto dos bolivianos aqui no Brasil alegando o principal problema a pandemia. Sabemos que isso não é totalmente verdade pois as eleições municipais irão acontecer no mês de novembro, e que para isso estão se reforçando as ações para diminuir o índice de contágio no tempo da eleição” comentou Cuajera ao MigraMundo. “Porque por falta de verba não pode ser! Seria absurdo pois imagino que tinha a distribuição dos custos com eleições nos mais de 30 países aptos para o voto dos bolivianos”, completou.

Parada nega que a pandemia esteja sendo usada como meio para impedir o voto da comunidade. “Somos de um governo legítimo e constitucional e valorizamos a democracia e que todo mundo vote. Mas temos que seguir as normas do país anfitrião.”

Para o ex-cônsul boliviano no Brasil e cientista social José Luiz Mendez Chaurara (Lucho), “o objetivo central da autoproclamada presidente Áñez neste momento é fazer com que os bolivianos que se decidiram majoritariamente pelo MAS não votem em países como o Brasil, a Argentina e a Espanha”. “Especificamente em relação à Argentina, que dá todas as garantias para a realização do pleito, e onde 83% dos votantes optou pelo MAS”, explanou Chaurara ao Opera Mundi.

Pronunciamentos

Como maneira de expressar apoio aos bolivianos e às bolivianas residentes no país, o Comitê Brasileiro de Solidariedade ao Povo Boliviano Contra o Golpe fez a realização de ato virtual e lançamento do “Manifesto do Comitê Brasileiro em Solidariedade Ao Povo Boliviano”. De acordo com o grupo, assim como no Brasil e em outros países da América Latina e do mundo, o avanço da extrema direita é também uma realidade na Bolívia. 

Luis Arce Catacora , o candidato do MAS-IPSP à presidência da Bolívia – Evo Morales vive atualmente na Argentina como refugiado após sua renuncia em decorrência das acusações de fraudes e da realização de protestos violência pelo país -, se posicionou sobre as ameaças ao direito ao voto nas redes sociais:

“Exigimos respeito pelo direito político de voto de nossos compatriotas bolivianos no Brasil e no resto dos países onde a votação está habilitada. O TSE Bolívia deve garantir esse exercício democrático adaptando seus protocolos às normas de biossegurança de cada país.”

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