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sexta-feira, dezembro 20, 2024

Brasil atualiza e facilita autorização de residência de migrante vítima de tráfico de pessoas ou trabalho escravo

Ao MigraMundo, representantes da sociedade civil e da Defensoria Pública da União celebraram as mudanças; segundo eles, o processo ficou mais claro

Uma portaria publicada na edição desta quarta-feira (10) do Diário Oficial da União atualiza as diretrizes para conceder autorização de residência no Brasil para pessoas migrantes que tenham sido vítimas de tráfico de pessoas, de trabalho análogo à escravidão ou de violação de direito agravada por sua condição migratória.

Publicada como Portaria Interministerial MJSP/MTE 46, de 8 de abril de 2024, a publicação foi elaborada pelos Ministérios da Justiça e do Trabalho e Emprego e entra em vigor no próximo dia 17 de abril. Ela pode ser lida na íntegra neste link.

O texto define os critérios para que essa autorização de residência simplificada seja solicitada e concedida. Ele também revoga portaria de mesmo teor, datada de 23 de março de 2020, publicada pelo então ministro da Justiça Sergio Moro durante o governo Bolsonaro (2019-2022).

“O trabalho de reformulação foi uma construção coletiva e envolveu as instituições que podem requerer a autorização de residência, com a anuência do imigrante. O objetivo foi agregar ao texto os melhores padrões de proteção e a expertise de cada uma dessas instituições no tratamento dos casos”, afirmou A coordenadora-geral de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes da Secretaria Nacional de Justiça (Senajus), Marina Bernardes, em comunicado oficial sobre a medida.

Veja os principais pontos da nova portaria

  • dá prioridade no atendimento e análise do pedido de autorização de residência de pessoas nessas condições;
  • Simplifica a documentação necessária para elaboração do pedido de autorização de residência;
  • Estende essa simplificação documental para casos de reunião familiar que se encaixem nos termos da portaria
  • Estende a autorização de residência a familiares de vítimas de tráfico humano, tráfico de pessoas e outras violações de direito – chamadas de “vítimas indiretas”;
  • Deixa de condicionar a concessão da autorização de residência a uma colaboração obrigatória da vítima com o processo criminal que visa apurar a ocorrência de tráfico de pessoas ou trabalho escravo (essa prática é comum em certos países, mas era questionada pela sociedade civil e Defensoria Pública da União, entre outros atores);
  • define a Polícia Federal como entidade que deve receber a solicitação da autorização de residência. Ela também é responsável por avaliar e decidir sobre o pedido, algo que não estava claro na portaria anterior.

Além disso, o governo federal divulgou um comparativo entre as duas portarias (a nova e a antiga, revogada), que segue reproduzido abaixo:

Avanços

A nova portaria foi vista de forma positiva por representantes da sociedade civil e do Judiciário ouvidos pelo MigraMundo, que apontaram mais pontos de avanço do que a serem melhorados.

“Este documento é de extrema importância para assegurar os direitos de migrantes, refugiados e apátridas que tenham sido vítimas em nosso país. Representa o reconhecimento por parte do Estado brasileiro da necessidade urgente de proteger essas pessoas de forma rápida e gratuita. É um avanço significativo na visão da migração como um direito humano e no olhar centrado na proteção às vítimas quando crimes são cometidos nesse processo”, observou Graziella Rocha, Diretora de Relações Institucionais da Asbrad.

Um dos pontos exaltados foi o de estabelecer que a concessão de autorização de residência para vítimas do tráfico de pessoas e trabalho escravo não esteja condicionada à colaboração em processos judiciais, como ocorre em alguns países, como os Estados Unidos.

“A portaria anterior meio que chantageava a vítima para que colaborasse com a investigação, o que nos soava absurdo porque ela já se encontrava vulnerabilizada com todo o processo. Isso saiu, não tem mais”, ressalta o defensor público federal Gustavo Zortea.

Outro destaque levantado pelos entrevistados foi o reconhecimento das chamadas vítimas indiretas como elegíveis para essa autorização de residência, algo que não constava na portaria anterior.

“Ela corrige alguns pontos que eram problemáticos da portaria de 2020 e que nesses últimos quatro anos dificultaram o acesso de pessoas vítimas de tráfico de pessoas e trabalho escravo e outros crimes agravados pela situação migratória à autorização de residência”, salienta o também defensor público federal João Chaves.

Pontos de atenção

Apesar dos avanços contidos no novo texto, Chaves apontou duas questões que seriam dignas de atenção.

Uma delas é o fato da portaria não prever dispensa de documento de identidade (ainda que expirado) para o requerimento de autorização de residência. “Isso é um problema porque a retenção de documentos é um aspecto típico de casos de tráfico de pessoas e trabalho análogo à escravidão contra pessoas migrantes. Muitas vezs essas pessoas não tem como pagar pelos documentos, não tem como acessar embaixadas e isso continuará sendo um problema”, ressaltou ele.

Outro aspecto a ser observado é a necessidade de se ficar atento à leitura que a Polícia Federal fará dos documentos a serem entregues na solicitação da autorização de residência – nesse caso específico, dos que sejam referentes ao processo criminal sobre tráfico de pessoas e trabalho escravo do qual o migrante foi vítima.

“Vai ser muito importante acompanhar e monitorar o como a Polícia Federal vai interpretar esses documentos. Acredito que deve-se tentar uma interpretação na qual a mera instauração do processo ou indícios de ser vítima já justificariam a concessão da autorização de residência, para que se evite uma margem de discricionariedade [quando a decisão final fica muito a critério de quem está avaliando o caso] indevida por parte da Polícia Federal”.

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