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quinta-feira, dezembro 5, 2024

Brasil, literatura e exílio

Obras literárias em diferentes épocas mostram como a questão do exílio e do deslocamento forçado marcam presença na história brasileira

Por Pe. Alfredo J. Gonçalves

No livro de Mario de Andrade Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, o leitor tropeça com uma frase aparentemente enigmática: “pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”. A expressão “pouca saúde” remete à precariedade de uma população abandonada, num país incompleto. Faz lembrar as condições de superexploração da mão-de-obra nos chamados ciclos econômicos, tais como o pau brasil, o algodão, o açúcar, a borracha, o ouro e diamante, o cacau, o café com leite, e assim por diante. A força de trabalho indígena, negra e dos colonos estrangeiros tiveram suas energias esgotadas, na exata proporção em que o solo e o subsolo brasileiros também se esgotavam pelos saques às riquezas da terra. Com efeito, onde esta última era mais rica, a população se tornou mais pobre. A riqueza natural da terra determinou a pobreza e miséria da população. Os abutres chegam, usam e abusam até a última gota das riquezas naturais e do trabalho humano, para depois abandonar tudo à própria sorte.

A expressão “muita saúva”, por sua vez, dialoga com a anterior. De acordo com os dicionários, a saúva é uma formiga-cortadeira, presente quase em todo território nacional. Como toda formiga, destaca-se pelo trabalho intenso e coordenado. Em uma noite, as saúvas são capazes de dar cabo de um pé de laranja, por exemplo. Uma vez mais, os ciclos econômicos brasileiros foram possíveis graças à exploração incansável e continuada da mão-de-obra já referida. Ainda nos dias atuais deparamos com manchetes sobre o trabalho escravo ou análogo à escravidão. Tamanha exploração, por seu turno, tem como consequência imediata a precarização da existência do trabalhador. E assim o círculo do colonialismo e neocolonialismo se fecha sobre a extorsão do solo, do subsolo, da força de trabalho e mesmo das expressões culturais. Os males do Brasil, se quisermos ampliar como outra metáfora, se reproduzem pelo tripé de sua economia: latifúndio, trabalho escravo e monocultivo de exportação.

Por outro lado, é conhecido e notório o poema de Carlos Drummond de Andrade: “no meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho / tinha uma pedra no meio do caminho”. Qual a pedra no meio do caminho? Também neste caso, a resposta está ligada aos ciclos econômicos do país. Por trás de cada um deles, operaram as oligarquias do algodão, da borracha, café, do açúcar, do cacau, do ouro, e assim por diante. Não seria ilícito prosseguir falando da oligarquia do agronegócio, das comunicações, da indústria, da extração mineral, da agropecuária!… Oligarquias voltadas de costas para o próprio povo, e de cara para os países da Europa e, mais tarde, os Estados Unidos, China, Japão, Coreia do Sul!… É bem sabido que esse punhado de poderosos mandavam, e seguem mandando, seus filhos estudar em Coimbra, em Paris e hoje nos Estados Unidos e outros países.

Tais oligarquias, locais ou regionais, fizeram do Brasil uma colcha de retalhos. Mais do que uma integração confederada, o que se nota é uma justaposição de territórios com mando próprio, quase que dinástico. Os “donos do poder” (Raymundo Faoro) são também os donos da Bahia, do Maranhão, de Alagoas, de Minas Gerais, da Amazônia, do Pará, de Rondônia, do Ceará, da Paraíba!… A geografia se funde e se casa com os ciclos econômicos, num Brasil mal costurado. Os representantes de semelhantes grupos oligárquicos têm recursos para pagar os processos eleitorais, escolhendo a dedo as caras que devem ganhar visibilidade midiática. Os eleitores, quando muito, digitam o número de um ou outro dos candidatos previamente escolhidas. Aqui, dinheiro gera poder e poder abre portas, legais ou ilegais, para outras fontes de dinheiro. De novo, o círculo se fecha em benefício da Casa Grande e em detrimento da Senzala (G. Freyre).

Concluímos a reflexão com a primeira estrofe do poema Canção do Exílio, de Gonçalves Dias: “Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá; as aves, que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”. Depois de pesado trabalho aliado a parca saúde, de um lado, e da pedra no meio do caminho, por outro, o que pode sobrar para milhares e milhões de brasileiros? A migração massiva e compulsória, tanto no interior do território nacional quanto em direção a outros países. E ainda desta vez, cabe lembrar que cada ciclo econômico representou um deslocamento considerável de mão-de-obra (BEOZZO, J. Oscar, Brasil 500 anos de migração, Ed. Paulinas). Alguns exemplos: a cana-de-açúcar desenraizou multidões de indígenas e negros da terra natal; a borracha levou cerca de 500 mil nordestinos para a floresta amazônica; o ouro reproduziu a migração dos negros, do eito no Nordeste para a mina na região Sudeste; o café deslocou novamente os negros para São Paulo, substituídos depois pelos imigrantes italianos!… O exílio nem sempre cruza as fronteiras do próprio país.

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