Em agosto de 2012, a jornalista brasileira Kamila Urbano virou imigrante. Natural de Canoas, no Rio Grande do Sul, se mudou para Portugal para acompanhar o marido, jogador de futebol contratado por um time lusitano.
O local de morada mudou, mas não a vontade de Kamila de exercer o jornalismo. Foi desse impulso, somado à própria experiência no país, que no começo de 2014 ela decidiu usar as histórias que estava conhecendo a partir de outros imigrantes em um projeto intitulado “Eu, tu, nós: Portugal”.
Lançado de forma independente e viabilizado por financiamento coletivo, o projeto consistiu inicialmente em um catálogo ilustrado com as histórias e fotografias de cinco imigrantes que Kamila conheceu em Viseu (veja aqui a versão virtual), além de uma exposição fotográfica que ficou exposta na cidade ao longo do verão de 2014. Os relatos compartilhados com Kamila pelos personagens também estão disponíveis no blog do Eu, tu, nós: Portugal.
“Este projeto foi uma realização pessoal e uma grande experiência de vida. Nunca vou me esquecer de nenhuma das histórias que ouvi, das risadas e também da emoção e das lágrimas em algumas das entrevistas. Foi também uma grande oportunidade de voltar a escrever e fotografar, duas atividades que me dão muita alegria e motivação”, resume a jornalista, que desde janeiro de 2013 vive na cidade portuguesa de Viseu, na região central do país..
Na entrevista abaixo, Kamila fala um pouco mais sobre a elaboração e os frutos gerados até o momento pela iniciativa. Entre outras atividades (remuneradas ou não), ela continua a atualizar o blog do Eu, tu, nós: Portugal e colabora com o Mundificar, projeto em Viseu que tem como objetivo o acolhimento, a integração dos imigrantes e a valorização da interculturalidade.
De onde exatamente veio a ideia para fazer o projeto? Quanto tempo ele levou para se tornar realidade?
A ideia surgiu da vontade e necessidade que eu sentia de atuar como jornalista novamente. Desde que cheguei aqui nunca trabalhei na área e isto me deixava um pouco desmotivada. Um dia estava fuçando no Facebook e vi uma postagem de um amigo falando sobre fazer o que gosta e não deixar o tempo passar… Neste mesmo perfil assisti um vídeo sobre O Sujeito, que vinha a ser um canal do Catarse para inscrever projetos de jornalismo independentes. Aquilo me pareceu um sinal. No mesmo dia que li a postagem conversei com o Thiago e ele me perguntou: “Por que tu não faz algo sobre os imigrantes que tu conheceu aqui?” Fechou todas. Inscrevi o projeto no canal e ele foi aceito! Em fevereiro iniciei as entrevistas e em março o projeto já estava no ar aceitando doações! Este era o vídeo de captação:
Abril era o mês de encerramento das doações e em maio eu já tinha as reportagens finalizadas. No início de junho realizei a apresentação do projeto na Fnac e já tinha o catálogo impresso em mãos! A produção dele foi feita no Brasil, visto que a maioria dos apoiadores eram de lá. Aqui tem o link da apresentação do projeto na Fnac:
O projeto foi viabilizado pelo sistema de crowdfunding. Como surgiu a ideia de buscar recursos por esse meio e como você avalia a experiência? Você recomendaria para outros projetos?
Como citei acima, vi o canal o Sujeito e achei que tinha tudo a ver com o meu projeto. Foi uma experiência incrível, uma correria maluca, mas faria tudo novamente se preciso fosse. Tive 30 dias para arrecadar a meta estipulada e neste tempo falei com mais de 300 pessoas via facebook por inbox, fora os e-mails e postagens no blog. As pessoas foram super receptivas e apoiaram a ideia! Recebi doações de pessoas desconhecidas, amigos, familiares e empresários da minha cidade. O mais louco de tudo isto é que captei todo recurso estando em outro país e usando somente a internet, uma ferramenta fantástica para este tipo de ação. O jornal Diário de Canoas até fez uma reportagem falando do projeto e deu uma visibilidade muito legal. Com o valor arrecadado fiz as impressões dos catálogos e as fotos que ficaram expostas aqui em Viseu durante todo verão. O pessoal do Catarse deu todo apoio necessário e foram extremamente atenciosos.
Qual foi a maior dificuldade que encontrou para tocar e realizar o projeto?
Sinceramente não senti nenhuma dificuldade que fosse empecilho. O mais “chato” é que temos que ser um pouco insistentes, pois apesar de ter sido um valor considerado baixo (R$ 4.500), temos um prazo e metas para cumprir. Confesso que devo ter deixado alguns amigos de cabelo em pé, mas como dependia de tempo, o chamamento foi intenso!
As pessoas que contatei aqui em Viseu também foram muito receptivas, consegui através da vereadora da cultura uma sala para exposição das fotografias e apresentei o projeto na FNAC, após contato com a responsável pela comunicação! Temos que ser criativos e ter cara de pau!!!
No projeto tem personagens de diversas partes do mundo? Como você chegou a eles?
Todos são meus amigos! Pessoas que fui conhecendo no dia a dia! O Ouattara é natural da Costa do Marfim e na época era colega de equipe do meu marido. A Sallette conheci através de um outro amigo também imigrante, jogávamos vôlei nas férias! A Larissa, ucraniana, trabalhava no mesmo piso que eu e sempre tomo café no quiosque que ela atende. A dona Aura, natural da Venezuela, foi a primeira imigrante que conheci aqui, é esteticista em um salão de beleza na frente do prédio onde vivo! E a Claudia, luso-americana é minha professora de inglês desde janeiro de 2013, mês e ano que mudei para Viseu. Eles foram impecáveis, aceitaram o convite na hora e colaboraram da melhor maneira possível.
Como imigrante em Portugal, você se identificou com alguma das situações que os demais imigrantes relataram para você?
Cada história me tocou de uma maneira especial. Seja no quesito saudade da família e amigos, seja na diferença dos costumes. Ser imigrante em um país que fala o mesmo idioma que o teu já é uma grande ajuda, mas ainda sim estamos longe de casa e vivemos situações diferentes! Me identifico muito com a história da Larissa, que era professora na Ucrânia mas aqui teve que inventar uma nova profissão. Eu não atuo diretamente na minha área, então para não ficar parada faço alguns frilas em shopping, algumas formações que o centro de emprego oferece, mas é claro que sinto muita falta de atuar como jornalista. Viseu é uma cidade mais de comércio, com poucas indústrias e oportunidades de emprego escassas.
Por isso mantenho o blog e participo ativamente em um projeto sobre imigração em Viseu (o Mundificar) e agora como membro da ARFAP – Foto Clube Viseu, criada por fotógrafos amadores e profissionais, e que fui convidada para participar. Na associação sou responsável pelos textos do site, agendamento de reuniões com entidades locais e captando locais para as exposições! Sempre gostei de fotografia e agora posso conciliar as duas coisas.
Que tipo de legado esse projeto deixa para ti, na sua opinião? E o que os personagens acharam da versão final?
Este projeto foi uma realização pessoal e uma grande experiência de vida. Nunca vou me esquecer de nenhuma das histórias que ouvi, das risadas e também da emoção e das lágrimas em algumas das entrevistas. Foi também uma grande oportunidade de voltar a escrever e fotografar, duas atividades que me dão muita alegria e motivação! Cada personagem recebeu um catálogo impresso e confesso que a reação deles foi ainda mais especial! Eles gostaram muito e nas férias deste ano alguns levaram para mostrar para os familiares!
O projeto se tornou realidade. Existe alguma ideia de continuidade dele ou ainda de iniciar um outro projeto em Portugal?
O Eu, tu, nós: Portugal agora é um blog, ferramenta que utilizo para postagem de fotografias e alguns textos. Tenho sim, vontade de usar mais este espaço para publicação de matérias e imagens que tratem da imigração e também de aspectos locais, como arquitetura, gastronomia e turismo em geral! Vamos ver se este ano tiro a ideia do papel e coloco a mão na massa novamente 🙂
por apesar de não ser mensionado fico feliz por vc estar bem
parabens vc merece
Prezado Sr. Lima. O texto acima diz respeito apenas ao Eu, tu, nós: Portugal, projeto que executei de forma independente, não havendo a necessidade de citar empregadores e/ou contatos profissionais que não dizem respeito ao projeto.
[…] Kamila Urbano, jornalista brasileira, vive em Portugal desde 2012. É a idealizadora do projeto Eu, Tu, Nós, Portugal (saiba mais aqui) […]