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sexta-feira, novembro 1, 2024

Capital social, um fator fundamental na hora de migrar

As redes de contatos fazem com que a migração torne-se possível. E quando esses recursos humanos são transformados em um potencial a ser utilizado, tornam-se capital social

Por Debora Draghi
De Curitiba (PR)

Uma rede de contatos é um excelente recurso para reduzir os custos de migração, sejam eles psicológicos, sociais ou econômicos. Através dela, é possível ter mais oportunidades, apoio mútuo, encontrar uma moradia ou emprego e até mesmo estimular novos migrantes. Quando isso acontece, os motivos e desafios iniciais que existiam para os pioneiros já não estão mais presentes, pois uma rede de contatos torna a trajetória mais amena para os que viajam depois.

Assim, cada migração adicional faz a próxima mobilidade de alguém ser ainda mais possível, dando início a um processo que se auto perpetua. Mas o contrário também pode acontecer, pois quando um migrante volta ao seu país de origem trazendo informações desagradáveis, principalmente no que diz respeito a meios de vida ou histórias ruins, os migrantes em potencial tendem a mudar de escolha, partindo para outro destino.

No entanto, nem todos os imigrantes fazem parte de uma rede de contatos ou acabam trazendo mais uma pessoa para uma nova cidade ou país, pois muitas vezes o Estado, como agente regulador, acaba interferindo e desenvolvendo políticas para conter o número de imigrantes, restringindo assim a movimentação de estrangeiros e limitando o capital social dos mesmos. Assim, o Estado acaba facilitando a ação de contrabandistas humanos e provedores de documentos falsos. Quanto mais difícil e quanto mais barreiras o Estado colocar para tentar impedir o processo migratório, mais importantes são os contatos.

De certo modo, essa rede é uma maneira de apoio intra étnico, que tem o mesmo papel de uma instituição, oferecendo um suporte social. Os laços interpessoais tem um papel definitivo no processo de migração, seja entre parentes, amigos ou conhecidos. Através de uma rede, futuros migrantes tem a possibilidade de descobrir mais sobre um lugar e pedir conselhos e informações de alguém quem tenha migrado anteriormente. Para Massey, Goldring e Durand(1994, p. 1495), “pessoas vivendo em uma comunidade caracterizada por uma longa história e alta prevalência de emigração são muito prováveis de estarem socialmente conectadas a pessoas que já estão fora do país, e essas pessoas tendem a ter um conhecimento considerável sobre condições e recursos no ponto de destino.” No caso de sírios e haitianos no Brasil, por exemplo, alguns tiveram a possibilidade de reunir mais informações e escolher uma cidade para viver baseados em um contato prévio.

Riscos e custos são reduzidos quando migrantes tem conexões sociais. Geralmente os pioneiros não sabem o que esperar, nem seus deveres, língua, cultura e outros diferentes aspectos, que podem dificultar uma integração bem sucedida (IDEM, ps. 1495-1497). Após chegarem em um novo país, aprenderem a língua, estabelecerem conexões com outras pessoas, encontrarem um trabalho e sentirem-se mais adaptados, muitos decidem se estabelecer na nova sociedade. Deve-se ter em mente que para um refugiado, radicar-se pode ser a única opção a curto prazo, já que os países dispostos a acolher essa população vulnerável são restritos.

Ao contrário de Massey, Goldring e Durand, Krissman oferece uma outra abordagem no que diz respeito a rede de contatos sociais: para ele, os contatos nem sempre se desenvolvem de maneira proporcional; algumas vezes, pessoas com ligações fracas também participam no processo de migração, ou seja, o processo todo independe de parentescos ou conexões mais fortes entre pessoas, pois uma rede de contatos vai além de família, amizade ou organizações, envolvendo também contrabandistas e instituições religiosas, por exemplo. (2005, ps. 5-7, 25, 34). Enquanto os primeiros agem exatamente com o propósito de tirar vantagem, o segundo, através de missões, tenta salvar as pessoas de conflitos e oferecê-las um lugar seguro. Os contrabandistas, no entanto, funcionam como uma substituição paga, já que muitos imigrantes não dispõe de contatos familiares ou amigos. (Collyer 2005, p. 706).

Outro fator a ser considerado em relação a uma rede de contatos, é o quanto esta influencia na integração nos países de destino, ao mesmo tempo em que os migrantes tentam manter ligações com seus países de origem, pois os imigrantes geralmente se agrupam, e ficam limitados a um bairro, encarando uma dificuldade de se mudar e um consequente isolamento. Contudo, aqueles que conseguem um trabalho no novo país tem a oportunidade de mandar remessas, que são enviadas e chegam ao destino de forma mais fácil, geralmente facilitadas por associações no país de origem.

As redes de contatos fazem com que a migração torne-se possível, e quando esses recursos humanos são transformados em um potencial a ser utilizado, tornam-se um capital social. No entanto, como lado negativo, pode-se dizer que muitas vezes esses vínculos podem se romper, gerando tensão e levando promessas a serem descumpridas ou quando imigrantes do mesmo país exploram seus iguais no ambiente de trabalho.

Essa expansão da migração através de relações interpessoais afeta o destino de milhares que estão dispostos a mudar de país em busca de um futuro melhor, reunião familiar ou um local seguro e exercem influência tanto no país de origem quanto no de destino, fomentando o progresso no primeiro e dando a possibilidade que mais pessoas migrem, e alterando as políticas de recepção no segundo.

Referências:

Douglas S. Massey, Luin Goldring and Jorge Durand, “Continuities in Transnational Migration: An Analysis of Nineteen Mexican Communities.” University of Chicago, 1994.

Fred Krissman, “Sin Coyote ni Patrón: Why the “Migrant Network” Fails to Explain International Migration.” Center for Migration Studies of New York 39(1) (Spring 2005): 4-44

Michael Collyer, “When Do Social Networks Fail to Explain Migration? Accounting for the Movement of Algerian Asylum Seekers to the UK.” Journal of Ethnic and Migration Studies 31(4): July 2005, 699-718, DOI: 10.1080/13691830500109852

Stephen Castles, Hein De Haas e Mark J. Miller, The age of migration: International Population Movements in the Modern World. (New York: Palgrave Macmillan, 2014)

Debora Draghi é internacionalista e Mestre em Migração e Etnia pela Universidade de Amsterdam. Realizou pesquisa com imigrantes sem documentação no mercado de trabalho holandês e refugiados sírios no Brasil. Durante a estada na Holanda, percebeu as dificuldades no processo de integração e presenciou a recepção e estrutura para refugiados da África e Ásia. Participa atualmente no Projeto Linyon em Curitiba (PR) e também faz colaborações para o MigraMundo

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