Por Karina Quintanilha e Laura Guerreira
Do blog Somos Migrantes (link original aqui)
Para o vindouro 8 de março desse ano, vem sendo articulada e convocada uma Greve Internacional das Mulheres. O objetivo é buscar unidade de ação para combater a violência doméstica, social, legal, política, econômica, e tantas outras que vem permeando de forma autoritária e sem qualquer diálogo com o universo feminino em diferentes partes do globo.
Com inspiração nas recentes greves promovidas por mulheres da Polônia, Islândia, França e Argentina (unida a outros países latino-americanos), o movimento internacional de mulheres tem buscado unificar ações para resistir aos ataques mundialmente. Soma-se a isso imagens da Women’s March nos Estados Unidos que ocupou grande parte da mídia e redes sociais mostrando ao mundo mais de 3 milhões de pessoas contra Trump em janeiro desse ano.
Diante de uma nova e emergente luta feminista que através da globalização – com o boom das tecnologias – reconfigura a relação entre pessoas e Estados, tem-se formado novas pautas e desafios para a luta feminista mundial.
Dentre os mais urgentes desafios que se colocam, está a emergência em se debater o que já é considerado como a maior crise migratória da história, assim como suas causas.
Como essa realidade afeta ainda mais as mulheres que são forçadas a se deslocar entre fronteiras?
Em busca de uma vida digna e trabalho, muitas vezes fugindo de inúmeros conflitos e guerras, mulheres tem sido forçadas a deixar para trás sua história, vínculos sociais e culturais, assim como tantas outras formas de opressão, enfrentando perigosos trajetos e violações para chegar em um novo país completamente desconhecido.
Apesar das dificuldades em encontrar dados consolidados sobre a complexidade dos novos fluxos migratórios no Brasil, pesquisas apontam que tem aumentado rapidamente, em especial nos últimos anos, o fluxo de mulheres nessas condições. No inicio de 2016, chegaram no mesmo dia em São Paulo 50 refugiadas da Angola grávidas, em um total de 600 angolanas que aterrissaram na capital em um período de 3 meses.
No Brasil, vendido no exterior como o País da Imigração, as violações e exclusão das mulheres imigrantes, cuja discriminação não depende tanto da nacionalidade mas sim da condição socioeconômica e raça/etnia, já são uma realidade e todos aqueles que se solidarizam com o 8 de Março como um calendário de lutas devem se levantar também a favor dessas mulheres, apoiando suas demandas concretas de reivindicação ao Estado para garantir acolhida e combate à xenofobia e racismo.
Brasil: Por que incluir as mulheres imigrantes na pauta dos movimentos que apoiam o Chamado para Greve Internacional no 8 de Março?
As múltiplas formas de violência que atingem as brasileiras no cotidiano também são vivenciadas por mulheres imigrantes que vivem no país, principalmente as mulheres que chegam em condições precárias e com problemas na documentação.
Um evento organizado pela Defensoria Pública em São Paulo no final de 2015 buscou dar visibilidade para a questão das mulheres imigrantes e apontou desafios diversos que o Estado brasileiro deve enfrentar para cumprir minimamente com os tratados internacionais de direitos humanos a que está comprometido. Um dos grandes entraves que está contando com a pressão de parte da sociedade civil no Senado trata da substituição do Estatuto do Estrangeiro, uma lei da ditadura militar, que trata a migração como caso de policia.
O desconhecimento da língua portuguesa, a falta de informações sobre seus direitos e a precária estrutura de acolhimento do Estado reforçam o ciclo de silenciamento das violações sofridas pelas mulheres imigrantes.
No final de 2016, o Alto Comissário da ONU, Zeid Ra’ad Al Hussein, ressaltou que “Os deslocados, sejam refugiados ou migrantes, são especialmente vulneráveis e estão entre as principais vítimas de violações dos direitos humanos. Mulheres e crianças são alvos preferenciais.”. Dados coletados por organismos internacionais de direitos humanos revelam as violações específicas que as mulheres migrantes estão sujeitas ao cruzarem fronteiras, sendo frequentes os relatos de estupro e aliciamento para tráfico internacional de mulheres e drogas.
Com a eleição de Trump nos Estados Unidos está ficando mais evidente os caminhos que os Estados podem tomar para endurecer ainda mais a criminalização e restrições aos imigrantes, sob a justificativa ilusória que interessa ao sistema neoliberal, a depender do momento econômico, de que o imigrante representa uma ameaça a empregos e à segurança nacional.
Apesar dos fortes ataques xenófobos e racistas de representantes políticos em diferentes países, inclusive na América Latina – no Brasil e de forma mais grave na Argentina, uma série de protestos desde o inicio do ano tem mostrado uma crescente resistência, a exemplo de mobilizações em Nova York e Barcelona que reuniram milhares a favor da acolhida de imigrantes e em oposição a políticas restritivas.
Os discursos durante a Women’s March também alertaram para a solidariedade em torno dos e das imigrantes como forma de se opor a todas as formas de opressão ao redor do mundo. Foram marcantes os discursos da palestina ativista Linda Sarsour, Angela Davis e o protesto de uma criança latino-americana com o lema “Si, Yo Puedo”.
Por ocasião da Marcha, também foi publicado em janeiro um Guia de Visões e Definição de Princípios (em inglês) que traz reivindicações específicas aos Estados sobre o direito de migrar:
“rejeitamos a deportação em massa, a detenção de famílias, as violações do devido processo legal e a violência contra migrantes queer e trans”, diz a declaração. “Reconhecemos que o apelo à ação para amar o próximo não se limita aos Estados Unidos, porque há uma crise de migração global. Acreditamos que a migração é um direito humano e que nenhum ser humano é ilegal”.
Para a Greve do 8 de Março no Brasil, é fundamental que as mulheres e movimentos também dialoguem com as reivindicações das mulheres imigrantes que vivem no país e com a plataforma de ação que está sendo articulada internacionalmente. Uma iniciativa nesse sentido ocorrerá durante o ciclo de debates do mês de Março organizado em São Paulo durante o evento “Conexão Internacional da Luta Entre Mulheres Imigrantes e Brasileiras”, confira a programação.
8M de 2017: A luta das mulheres incendeia mundialmente
Mulheres estão se dedicando em diferentes cidades da América Latina, África, América do Norte, Europa, Oriente Médio e Ásia para construir “um feminismo mais amplo e com unidade de ação: antirracista, ‘antiheterossexista’ e antineoliberal, anti-imperialista, e que defenda também as pautas das mulheres negras, pobres, lésbicas, trans e queers, sem colocá-las em segundo plano”.
A data 8 de março emerge originalmente como proposta em um turbilhão de transformações históricas na virada do século XX, durante o processo de intenso desenvolvimento da industrialização e expansão econômica, ao qual as mulheres em condições precárias de trabalho nas fábricas começam a contestar essas condições de total descomprometimento dos patrões com as mulheres.
Diante desse contexto de fortes opressões, as mulheres em diferentes partes do mundo além de ter na pauta a precarização do trabalho feminino passam a reivindicar também por direito ao voto, melhores salários, redução da carga horária, etc.
Um dos estopins para potencializar a internacionalização da luta das mulheres ocorreu na fábrica Triangle Shirtwaist (Nova Iorque), onde mulheres operárias foram queimadas vivas ao se recusarem a trabalhar em forma de protesto. Após o incêndio ocorrido na fábrica Triangle Shirtwaist alavancou-se uma onda de protestos no mundo inteiro.
Nos últimos anos, o 8 de Março (8M) vinha tomando um viés diferente do que foi proposto na virada do século XX. Uma certa despolitização e otimismo com alguns pontuais e transitórios “Estados de bem estar social” fortaleceu a tentativa de transformar o 8M em uma data de festejos e esquecimento de séculos de luta. Apesar de que é preciso também saber celebrar as conquistas das mulheres, tal deslocamento parece ignorar a existência de um sistema perverso e violento com o universo feminino em todos os campos em que esse corpo atua, além de ignorar a história das mulheres que foram mortas lutando nas fogueiras, nas fábricas e nas periferias do capital.
O aprofundamento das contradições de um sistema que esmaga, a cada dia mais, a grande maioria da população mundial está reacendendo as chamas de uma luta feminista que nunca deixou de existir.
Nesse 8 de Março de 2017, a fim de fortalecer o Chamado Internacional de Greve Geral das Mulheres (link) publicado em meados de fevereiro por reconhecidas ativistas atuantes nos Estados Unidos, mulheres de mais de 30 países estão compondo movimentos de base em torno da plataforma Greve Internacional de Mulheres (International Womens Strike – IWS/Paro Internacional de Mujeres – PIM).
A ideia é mobilizar mulheres, incluindo mulheres trans, e todos os que as apoiam num dia internacional de luta – um dia de greves, marchas e bloqueios de estradas, pontes e praças; abstenção do trabalho doméstico, de cuidados e sexual; boicote e denuncia de políticos e empresas misóginas, greves em instituições educacionais.
No Brasil, mulheres de diferentes estados vem buscando unidade para levantar as pautas contra a violência cotidiana, o Estado machista e genocida que está aprofundando as medidas contra os trabalhadores, a exemplo da Reforma da Previdência que afetará ainda mais as mulheres se for aprovada.
Nos últimos anos no país, ganha destaque a organização das mulheres contra o feminicidio, a cultura do estupro e pelo enfrentamento aos ataques de políticos que buscam retirar direitos das mulheres, como foi o caso das passeatas contra Eduardo Cunha. Protagonismo recente também das mulheres no movimento Mães de Maio que denuncia o Estado genocida contra a juventude negra e as secundaristas que estiveram a frente de grande parte das ocupações de escolas, um dos movimentos mais vibrantes dos últimos tempos no país.
Sem hierarquizar as opressões, as mulheres e movimentos brasileiros podem se colocar em solidariedade as mulheres imigrantes e se conectar também com a luta internacional em torno dessa pauta.
Veja mais informações sobre o 8M no Brasil neste link.