Começou nesta sexta-feira (30) em São Paulo a primeira Conferência Nacional de Migrações e Refúgio (Comigrar), considerada um marco histórico para a temática no Brasil. Em torno de 800 pessoas – entre autoridades do país e do exterior, delegados eleitos e observadores – lotaram o salão principal da Casa de Portugal, região central da capital. E se já no primeiro dia puderam ser colhidos frutos, a expectativa e ansiedade por mais atos e propostas concretas para a questão migratória só aumenta.
“Esse é um novo e importante passo, inserido nas mudanças que o Brasil viveu nos últimos anos. O Brasil voltou a ser um país de imigração”, disse na abertura do evento o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão. “Estamos muito satisfeitos em ter iniciado esse grande movimento nacional de discussão da questão migratória a partir da perspectiva de quem migra e de um profundo respeito a essa diversidade cultural sob as bases dos direitos humanos. Nós estamos agora nessa etapa nacional com o propósito de sistematizar todas as propostas e contribuir para a formulação de políticas públicas no Brasil”, finalizou.
Para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o Brasil tem uma dívida histórica com os imigrantes e precisa combater os preconceitos e vulnerabilidades que rondam a temática. Para tanto, considera o papel do Estado brasileiro fundamental nessa tarefa. “O Brasil não vai tolerar violações de direitos humanos e não vai tolerar violações daqueles que escolheram nosso país para morar”.
A Comigrar continua neste sábado (31) no campus Vergueiro da universidade Uninove, com as oficinas temáticas e grupos de trabalho que vão lidar com as mais de 2.500 propostas elaboradas nas etapas preparatórias. O evento termina no domingo (01/06), novamente na Casa de Portugal, com a plenária final (veja aqui a programação).
Termo de Cooperação e centros de apoio ao imigrante em SP
O primeiro dia da Comigrar teve como um de seus grandes destaques a assinatura de um Termo de Cooperação entre o governo federal, a Prefeitura paulistana os governos estaduais de São Paulo e Acre para atendimento e integração dos imigrantes. A medida é uma resposta às lacunas que ficaram evidentes com a vinda dos haitianos para a capital paulista.
O termo será complementado na prática por dois centros permanentes de apoio aos imigrantes que serão abertos nos próximos meses em São Paulo pela Prefeitura (que já opera um abrigo provisório na região do Glicério, com apoio da Missão Paz) e pelo governo estadual – cada um atuando nas esferas e serviços que lhes cabem.
“É um grande momento de oportunidade. Precisamos nos organizar e é isso que estamos fazendo”, disse o secretário municipal de Direitos Humanos, Rogério Sottili. “Queremos que os imigrantes ingressem no país pela porta da frente”, afirma a secretária estadual de Justiça, Eloisa Arruda, ao anunciar a abertura do centro – prevista para agosto.
Além da assinatura dos termos e do anúncio dos centros de apoio, a Comigrar também fez homenagens a pessoas que dedicaram parte de suas vidas ao apoio e à defesa dos direitos dos imigrantes.
Expectativas pelos próximos passos
Com a Comigrar sendo uma realidade, já se começa a pensar no que virá dela e no que deve ser feito assim que a conferência terminar. “Espero que a gente não perca o ritmo, que mude uma legislação brasileira, mas também que cada um faça sua lição de casa”, disse Juliana Armede, coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e da Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo da Secretaria Estadual de Justiça de São Paulo.
O padre Mario Geremias, da Pastoral do Migrante do Rio de Janeiro e um dos homenageados da noite, espera que seja aprovado em breve o novo projeto de lei e que o país tenha de fato uma política de migrações. “Existe a migração espontânea e seletiva, mas queremos que o país tenha uma política que trate os imigrantes com base nos direitos humanos e garantia da cidadania”.
Outra homenageada da noite, sob grande salva de palmas, a irmã Roselita Milesi, do Instituto de Migrações e Direitos Humanos, foi direta em seu desejo. “Que os planos aqui anunciados se tornem realidade”.
No sentido de pensar no pós-conferência, o diretor do Departamento de Estrangeiros da Secretaria Nacional de Justiça, João Guilherme Granja, vê a Comigrar como fundamental na busca e consolidação de apoios para os próximos passos a serem dados. “Muito em breve passaremos dessa etapa de diálogo social, de formulação, para uma outra que envolve disputa, discussão, formação de consensos, a discussão com o Congresso. E depois discutir com os governos em nível federal, estadual e municipal que ações concretas e programas devem ser criados para melhorar o atendimento à população migrante no país.
E os refugiados?
Para Andrés Ramirez, representante da Agência para Refugiados da ONU (Acnur) na América do Sul, a conferência é fundamental também para a questão do refúgio. “Tudo que beneficie os imigrantes, seja em termos de uma lei mais progressista, mais moderna para tema, ou de procedimentos, também beneficia os refugiados. Nós temos uma expectativa que uma conferência como essa aqui dê um resultado muito bom para os refugiados”, completou.
A expectativa de bons resultados para os refugiados é compartilhada também por Mohamad El Badri, filho de libaneses e representante da comunidade na Comigrar. “Tivemos problemas com o assentamento de palestinos vindos do Iraque no passado. E recentemente tivemos também com os sírios – até a Prefeitura estava disposta a fazer um trabalho com eles, mas o fato de não terem documentação e o visto de refugiado impediram que a própria Prefeitura pudesse atuar em favor dos sírios”, lamentou.
Com colaboração de Gessica Brandino
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