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domingo, dezembro 22, 2024

Comissão do Senado adia votação e deixa lei de migrações para 2015

A Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado decidiu adiar a votação do Projeto de Lei (PLS) 288/2013, de autoria do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que visa substituir o Estatuto do Estrangeiro.

De acordo com a Agência Senado, ela deveria ter sido analisada nesta terça-feira (16) pela CRE, mas esta aprovou um pedido de vista coletiva para os membros da comissão terem mais tempo para analisar a proposta.

Como já passou pelas Comissões de Assuntos Sociais (CAS) e de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ), a aprovação na CRE deixaria o caminho livre para o projeto ir diretamente à Câmara dos Deputados, sem passar pelo plenário do Senado.

A legislação atual, em vigor desde 1980, foi elaborada sob o espírito da ditadura militar, de segurança nacional, e está em completo descompasso com a Constituição de hoje. Com uma lei insuficiente, fica mais complicado lidar com questões tanto locais como de alcance nacional, como a chegada de imigrantes ao Acre e o envio destes a São Paulo e outros Estados

A revisão dessa lei é aguardada com ansiedade pelos imigrantes e pela sociedade civil organizada, que com isso esperam ver um ambiente legal mais propício para implementação de políticas públicas. No entanto, com o adiamento da votação, o tema fica para 2015.

Os senadores Ricardo Ferraço, presidente da CRE e relator do projeto; e Aloysio Nunes Ferreira, autor. Crédito: Marcos Oliveira/Agência Senado
Os senadores Ricardo Ferraço, presidente da CRE e relator do PLS; e Aloysio Nunes Ferreira, autor do projeto.
Crédito: Marcos Oliveira/Agência Senado

PLS/288: avanço ou retrocesso?

Além dos adiamentos, há também certas divergências e dúvidas sobre mecanismos presentes na proposta de Aloysio, além da existência de outros projetos de legislação migratória: o Projeto de Lei 5655/09, que está parado no Congresso e é considerado muito parecido com a lei atual; e o anteprojeto de Lei de Migrações, entregue em agosto ao Ministério da Justiça (MJ) e defendido por entidades da sociedade civil como o modelo mais adequado.

A advogada Ruth Camacho, que desde 1991 acompanha debates sobre a legislação migratória brasileira, acredita que o PLS 288 é bom, mas não apresenta uma questão fundamental. “O projeto do Aloysio é bom, mas falta o amparo e a concessão de direitos que o que imigrante necessita, a cidadania plena”.

Para Diego Acosta, professor de Direito de Imigração na Universidade de Bristol (Inglaterra), o PLS 288 constitui um grande avanço quando comparado à lei atual e ao PL 5.655/09, e apresenta semelhanças com o Anteprojeto do MJ. Porém, tem pontos que poderiam ser melhorados, como a questão dos mecanismos de regularização migratória.

“A proposta inclui dentro dos princípios reitores da política migratória brasileira a universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos dos migrantes, a promoção de regularização migratória e a não criminalização da imigração. O problema é que o projeto não estabelece nenhum mecanismo de regularização migratória. A possibilidade de regularizar a situação do migrante, para que ele possa cumprir os requisitos para a concessão dos vistos, é muito importante e precisa de uma regulamentação concreta em base a mecanismo ordinários de regularização”, explica Acosta.

Escultura no Museu da Imigração, em São Paulo. Migrar é um direito humano, que precisa ser reconhecido como tal, não importa a origem, crença ou motivo. Crédito: Rodrigo Borges Delfim
Escultura no Museu da Imigração, em São Paulo. Migrar é um direito humano, que precisa ser reconhecido como tal, não importa a origem, crença ou motivo.
Crédito: Rodrigo Borges Delfim

Outro ponto levantado pelo professor diz respeito à concessão de residência para o imigrante. O Artigo 11 do PLS estabelece que a residência seja concedida ao imigrante permanente mediante requerimento que satisfaça determinadas condições, mas não inclui a possibilidade de obter a residência permanente apos ter residido no país por um número de anos. “Isto é problemático, porque não dar a possibilidade de obter residência permanente a aqueles estrangeiros que, não sendo cidadãos dos Estados do Mercosul ou associados, tenham residido por um número de anos no país, pode ter consequências negativas na integração dos mesmos. A residência permanente é essencial, pois oferece ao cidadão estrangeiro uma segurança no seu estatuto jurídico, o que possibilita o desenvolvimento de um projeto de vida no país de acolhida”.

Um ponto positivo levantado no PLS por Acosta é a previsão do direito à reunião familiar, com a sugestão de incluir uma menção ao Artigo 17 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos sobre direito à proteção da família.

“São aspectos que poderiam ser melhorados, sobretudo se o Brasil quer estar em linha com um discurso político bastante aberto em matéria migratória, crítico de outros países na Europa e nos Estados Unidos, mas que não se corresponde com a lei atual”.

Imigrantes: a necessidade da mobilização

O adiamento da votação do PLS é, na verdade, um filme que se repete há pelo menos duas décadas e que colabora para a manutenção da lei atual. “Desde 1991 observo as instituições pedindo uma nova Lei de Imigração, que ampare os direitos humanos e os direitos fundamentais do imigrante. Até agora já se passaram 04 ou 05 projetos de uma Nova Lei de Imigração, chegando inclusive os projetos anteriores a serem retirados porque já se tornavam ultrapassados com a realidade migratória. Por tal motivo ainda persiste a mesma lei, o Estatuto do Estrangeiro”, descreve Ruth.

Haitianos aguardam liberação de visto no campo de migrantes de Brasileia (AC), atualmente fechado. Crédito: João Paulo Charleaux/Conectas
Haitianos no campo de migrantes de Brasileia (AC), atualmente fechado. Lei atual é insuficiente para lidar com as migrações no Brasil, mas permanece em vigor.
Crédito: João Paulo Charleaux/Conectas

Para o jornalista e militante chileno Miguel Angel Ahumada, os imigrantes precisam se organizar de forma suprapartidária para reivindicar mudanças na legislação – uma articulação a ser realizada em nível de Assembleias Legislativas, Senado, Câmara dos Deputados. “É preciso qualificar a intervenção das diversas políticas que atuam sobre as migrações, começando por integrar o planejamento estratégico de diversos atores de governo, hoje dispersos em várias frentes de atuação governamental. Merece especial atenção o futuro de organismos de governo como o Conselho Nacional das Migrações, a absoluta reconstrução da política para imigrantes”.

A falta de vontade política por parte dos parlamentares e a necessidade de mobilização também são lembrados por Ruth, que ainda toca naquele que é considerado um dos pontos centrais para o imigrante no Brasil: a luta pelo direito ao voto. “Acredito que a falta de lobby é que faz com que os projetos de uma nova Lei sejam colocados de lado. Não há interesse porque não existe resultado prático e político, o tal do ‘Sr. Voto’. Enquanto não houver lobby, deputados que realmente comprem e encampem a Imigração como uma prioridade, acredito que continuaremos a ver mais vezes o tema ser adiado. Afinal, não somos votos”, descreve Ruth.

O Brasil é o único país da América do Sul que não permite o voto do imigrante.

Com informações da Agência Senado

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