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sexta-feira, novembro 22, 2024

Como venezuelanos veem a disputa presidencial de 2022 no Brasil

Entre a maioria dos venezuelanos no Brasil há repúdio a Lula e simpatia por Bolsonaro, apesar de ações xenófobas do presidente ao longo da vida pública

Os venezuelanos representam o principal fluxo migratório em direção ao Brasil na atualidade. E esse grupo tem acompanhado com atenção – e com tensões latentes – o desenrolar do segundo turno da eleição presidencial, entre o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição.

Para entender como o processo eleitoral tem sido visto por essa comunidade, o MigraMundo conversou com venezuelanos que vivem em diferentes regiões do Brasil. Por questões de segurança e a pedido dos próprios, a identidade de todos eles será preservada. Um dado que, por si só, serve de exemplo do grau de tensão que o tema tem gerado, assim como na própria sociedade brasileira.

De acordo com o informe mais recente da OIM (Organização Internacional para as Migrações), de agosto de 2022, desde janeiro de 2017 o Brasil já emitiu CPFs para 431 mil venezuelanos. Nessa conta entram aquele que possuem autorização de residência, os que pediram refúgio e os que já tiveram essa condição reconhecida pelo governo brasileiro.

Ainda segundo estimativas da OEA (Organização dos Estados Americanos), 7,1 milhões de venezuelanos já deixaram o país natal em direção a outros países, em razão da crise generalizada que afeta a nação sul-americana pelo menos desde 2015.

Apoio a Bolsonaro

Ao menos uma parte significativa da comunidade venezuelana expressa apoio a Bolsonaro. Como elementos principais usados para embasar esse suporte estão: as críticas do mandatário à esquerda e ao regime de Nicolás Maduro, apontado como de esquerda; a continuidade da Operação Acolhida, iniciada ainda na gestão de Michel Temer, em 2018; e também pelo reconhecimento da Venezuela como um país de grave e generalizada violação de direitos humanos, ocorrido em 2019, embora esse status tenha sido reivindicado junto ao governo federal pelo menos desde 2017 por integrantes da sociedade civil ligados à temática migratória.

“Existe muito medo na comunidade venezuelana sobre o que vai a acontecer se o ex-presidente Lula vencer, como todo parece indicar. O que vai acontecer com a Operação Acolhida, com as pessoas que obtiveram a condição de refúgio, principalmente, aquelas que obtiveram essa condição por perseguição política”, expressou um venezuelano que reside no Rio de Janeiro.

Por outro lado, elementos como declarações e ações xenófobas e anti-migração tomadas por Bolsonaro antes e durante o mandato parecem não repercutir fortemente junto à maioria dos venezuelanos. Entre elas estão a retirada do Brasil do Pacto Global para a Migração e as seguidas portarias de restrição à entrada de pessoas de outros países em meio à pandemia de Covid-19, que excluíam os venezuelanos até mesmo das exceções previstas para ingresso.

Para a advogada Isabella Traub, fundadora do Instituto de Políticas Públicas Migratórias (IPPMI), essa pendência da maioria dos venezuelanos para Bolsonaro se assenta na vivência histórica que a maior parte do grupo teve com um regime que se coloca como esquerda, como o de Maduro.

“Esse posicionamento tem muito viés histórico, do que se compreende sobre política a partir da vivência deles do que aquilo que se sabe a respeito da construção histórica e política brasileira. E acaba tendo esse receio por parte da população venezuelana de vivenciar o que eles tinham no país de origem deles aqui [caso Lula vença].

Fala polêmica

Mesmo representando o principal fluxo migratório brasileiro na atualidade e servindo como motor de ações locais para acolhida e orientação de imigrantes, os venezuelanos pouco apareceram no debate político-eleitoral do Brasil. Essa história mudou após Bolsonaro conceder uma entrevista ao podcast Papparazo Rubro Negro, na última sexta-feira (14), na qual o mandatário e candidato à reeleição afirmou que “pintou um clima” entre ele e garotas venezuelanas de 14 e 15 anos, durante um passeio de moto no Distrito Federal em 2021. Ele ainda sugeriu que as jovens estariam se prostituindo.

A fala gerou repercussão negativa imediata nas redes sociais e junto a opositores do atual presidente. Mais tarde, na madrugada de sábado para domingo, Bolsonaro acusou o PT de explorar suas declarações sobre o encontro com as adolescenteas de maneira deturpada. Por outro lado, ele não explicou o que quis dizer quando usou a expressão “pintou um clima” nem disse se informou alguma autoridade sobre a situação que presenciou na casa em que estavam as garotas.

Em outra frente, a primeira-dama Michelle Bolsonaro e a ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, a senadora eleita Damares Alves, se reuniram na segunda-feira (17) com mulheres venezuelanas no Distrito Federal com o intuito de reparar as falas do presidente.

Por fim, nesta terça-feira (18), o próprio presidente pediu desculpas pelas declarações.

Sobre esse episódio em específico, venezuelanos ouvidos pelo MigraMundo mostraram desconforto. Segundo um deles, que também reside no Rio de Janeiro, as falas criam uma mensagem de estigmatização contra as mulheres venezuelanas, incluindo as migrantes em situação de refúgio.

“Sabemos que a prostituição e homens e mulheres migrantes na região é uma coisa que está acontecendo. Mas, afirmar que essas mulheres estavam se arrumando porque iam se prostituir, sem ter certeza nenhum disso, é delicado. E muito mais num contexto tão sensível como o atual”, declarou ele, antes da manifestação do presidente voltando atrás nas declarações.

Não foi a primeira vez que o debate da migração venezuelana chegou ao processo eleitoral por causa de um evento crítico. Em 2018, foram os atos de violência contra os nacionais do país vizinho em Pacaraima. Já na eleição seguinte, em 2020, candidatos a prefeito em Boa Vista ganharam notoriedade pela defesa explícita ao rechaço a venezuelanos na capital roraimense, caso eleitos – o que não ocorreu.

Ambiente hostil a críticas

Entre os venezuelanos ouvidos pelo MigraMundo também há pessoas críticas a Bolsonaro e que até veem em Lula um candidato capaz de assegurar um ambiente democrático no Brasil. Por outro lado, a falta de uma postura mais contundente contra o governo Maduro por parte do ex-presidente gera decepção e insegurança.

“Eu quase revi meu voto em Lula”, afirmou uma mulher venezuelana residente no estado de Minas Gerais, que já vive no Brasil e pode votar nasa eleições por contar com cidadania brasileira. “Essa não-condenção do governo Maduro me doi na alma, mas sei que o atual presidente não se importa conosco na verdade”.

“Lula não conseguiu ganhar meu voto. E como não admito votar no Bolsonaro, vou anular”, disse uma outraa venezuelana, que mora em Roraima. Por também contar com cidadania brasileira, ela pode participar do processo eleitoral e declarou voto em Simone Tebet no primeiro turno. No entanto, ao contrário da senadora, que decidiu apoiar o petista, a eleitora vai permanecer neutra.

Por outro lado, o simples fato de criticar Bolsonaro é visto automaaticamente por alguns venezuelanos como uma associação de apoio a Lula, rendendo críticas e até mesmo ofensas – a exemplo do que acontece em geral no debate político entre brasileiros.

“Fui excluída de dois grupos de WhatsApp só por não concordar com o Bolsonaro”, disse um venezuelano residente em Minas Gerais.

Para Traub, a demora de determinados grupos ligados à esquerda em reconhecer a gravidade da situação venezuelana e continuidade no apoio a Maduro em outros deixou o tema migratório aberto para Bolsonaro utilizá-lo em seu favor, ainda que ele pouco se importe com o assunto em si.

“Essa situação acabou gerando oportunidade de trazer o discurso de que venezuelanos são acolhidos devido ao cenário que existe hoje na Venezuela. Querendo ou não, alguns segmentos de esquerda ainda demonstram apoio ao que acontece por lá. Então acaba sendo uma oportunidade para que o Bolsonaro se utilize da situação e atuação da esquerda para amplificar seu discurso, o que acaba enlaçando muitos venezuelanos também”, completou.

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