Armazém que funciona desde outubro de 2015 e atende cerca de 3.000 refugiados e pessoas em situação de rua em Atenas; trabalho é feito totalmente por voluntários
Por Alethea Rodrigues*
Em Atenas (Grécia)
*O nome de alguns dos entrevistados foi alterado a pedido dos mesmos
Depois de mais de oito anos convivendo com uma catástrofe financeira, a Grécia também procura uma solução para a questão migratória. Devido à sua posição geopolítica, nos últimos dois anos ela foi usada como um ponto de passagem para milhares de pessoas que tentavam alcançar o norte da Europa, através da travessia do Mediterrâneo ou via terrestre pela Turquia, para sobreviverem à miséria, à guerra e às perseguições políticas e religiosas. Hoje, depois do fechamento das fronteiras, quase 60 mil pessoas tiveram que permanecer no país. Como são proibidos de trabalhar, praticamente todas as famílias sobrevivem de doações e moram em squads (ocupações não reconhecidas pelo governo grego) e acampamentos considerados oficiais, que recebem apoio do exército da Grécia e são monitorados pelo ACNUR, a agência da ONU para refugiados.
A maioria das doações chegam semanalmente através de contêineres de países europeus, principalmente da Espanha. Tudo que é recebido fica estocado em um espaço cedido pelo governo. Esse chamado Armazém, faz parte do Campo de Elliniko, em Atenas, um complexo que reúne um antigo aeroporto e dois estádios abandonados que foram palcos de jogos das Olimpíadas de 2004 – e que hoje também abrigam imigrantes.
Para contar como todo esse trabalho começou, conversamos com a coordenadora e voluntária do Armazém, Negia Milián. Ela é cubana, mas vive na Grécia há trinta anos. Tem 67 anos, é aposentada, mas deixou de lado o cansaço de todos esses anos trabalhados para se dedicar integralmente ao trabalho com refugiados, que começou agosto de 2015, quando os imigrantes começaram a chegar no país.
“Centenas de famílias chegavam em Atenas todos os dias, no porto de Pireus. O povo grego se desesperou com aquela situação, pessoas machucadas, somente com a roupa do corpo, muitos dias sem comer e começou a ajudar. Uma amiga que já estava ajudando me convidou a participar do trabalho e a partir daí nunca mais parei. Sou refugiada. Com 11 anos minha mãe me mandou pra Miami e depois vivi boa parte da minha vida escondida em Porto Rico. Minha família sofreu perseguição após a Revolução Cubana. Sei muito bem o que eles sentem”, desabafou a coordenadora.
Negia conta que devido à repercussão do que estava acontecendo na Grécia, outros países europeus iniciaram uma arrecadação de doações e enviavam através de contêineres. Voluntários de todas as partes do mundo também se sensibilizaram e viajaram para colaborar. Foi a partir daí que ela, juntamente com outros colegas, abriram a associação Pan Piraeus Initiative to Support Refugees and Migrants para receber os donativos e distribuir entre as famílias que não paravam de chegar. “Recebíamos tanta coisa que não tínhamos mais onde colocar. Em outubro de 2015, conseguimos que o governo cedesse um salinha do prédio que chamamos de Armazém e fomos estocando tudo lá”. Conforme as semanas foram passando, apenas uma sala não já não era suficiente e o governo cedeu mais um espaço do edifício que é o local onde trabalham até hoje.
O armazém recebe voluntários de todos os continentes e tem uma parceria com a ONG espanhola SOS Refugiados, que indica voluntários e é responsável por arrecadar doações em cidades da Espanha que são enviadas a Grécia e estocadas no local. Segundo Negia, desde que o trabalho começou, já foram recebidos 70 contêineres somente desse país.
O trabalho dos voluntários é realizado cinco dias por semana, cerca de sete horas por dia. Eles recebem os produtos e fazem uma triagem rigorosa de tudo que chega. São roupas, calçados, roupas de cama, fraldas, brinquedos e produtos de higiene. As tarefas são bem divididas e consistem em separar tamanhos, avaliar se realmente há condições de uso, retirar alimentos fora do prazo de validade, encaixotar, organizar e separar os produtos que são enviados aos 12 squads cadastrados, famílias que já conseguiram alugar um local para morar, mas ainda passam dificuldades e alguns moradores de rua tanto imigrantes, quanto os nativos.
Negia confessa que a parte mais complicada do trabalho é a distribuição. Os coordenadores dos locais cadastrados enviam listas do que as famílias necessitam e é necessário um controle rigoroso do que sai do Armazém. Hoje são cerca de 3.000 refugiados assistidos. “Temos que checar quantas famílias são, se o que estão solicitando é o ideal para essas pessoas consumirem, se há desperdício, se tudo está sendo repartido igualmente entre eles. É algo muito mais complexo do que parece. Já tivemos até problemas com algumas pessoas que venderam as doações para conseguirem algum dinheiro”.
Há outros problemas que o armazém enfrenta. A distribuição acarreta gastos com gasolina e manutenção das vans. “Tudo que conseguimos é através de doações e nem sempre elas chegam. Não temos nenhum apoio financeiro do governo”, conta a coordenadora. Além disso, ela afirma muitas vezes durante a conversa a importância dos voluntários. Nem sempre há pessoas suficiente para trabalhar. “Não temos voluntários fixos. Algumas semanas temos muitos, outros não temos quase ninguém. É complicado porque sem eles não podemos desenvolver nosso trabalho”.
O francês Olivier* vive em Atenas há onze meses e trabalha como voluntário no Armazém. Foi para a Grécia com o intuito de conhecer melhor a religião ortodoxa, principal crença no país, e talvez se tornar monge. Mas, conheceu o trabalho através de um colega espanhol, mudou seus planos e abraçou a causa. Aos 32 anos, conta com a ajuda dos pais para se manter no país. “Eles apoiam a minha escolha de vida. Me sinto bem aqui. Como não tenho muito jeito para desenvolver um trabalho com crianças, resolvi ajudar os voluntários no Armazém, que considero tão importante quanto. Temos que fazer o que gostamos para que o serviço saia bem feito”, contou.
O francês não sabe quanto tempo permanecerá em Atenas, mas pretende continuar como voluntário até o último dia. “Talvez mude de área. Tenho interesse em participar da distribuição de alimentos e roupas para imigrantes e gregos que vivem nas ruas. Tenho vários projetos aqui, estou até estudando grego duas vezes na semana”.
Quanto ao futuro do Armazém, Negia afirma que enquanto as doações existirem o trabalho vai continuar. “Infelizmente, o problema dessas famílias está longe de ser resolvido. Não está fácil se legalizar na Grécia. Seria ideal para que eles pudessem tentar recomeçar suas vidas. Vamos continuar fazendo a nossa parte, sempre com a esperança de dias melhores”.
No final da entrevista, a coordenadora surpreendeu com a notícia que o complexo de Elleniko foi vendido e o armazém será desativado nesta semana. O próximo desafio será conseguir um novo prédio.
*A colaboradora Alethea Rodrigues trabalhou por três semanas no Armazém
[…] voluntária realizou dois projetos pessoais. O primeiro deles é fruto de pouco mais de um mês que esteve em campos de refugiados na capital grega, em maio de 2017, produzindo a exposição “Um Sonho e Um Sorriso” (apresentada em novembro do […]