Com Jaqueline Xavier, do coletivo Educar para o Mundo
O Coletivo de Extensão Popular Educar Para o Mundo (EpM), do curso de Relações Internacionais da USP e que lida com a temática dos direitos humanos de pessoas migrantes na cidade de São Paulo, organizou uma mesa de debates sobre o Conselho Participativo Municipal e a recente inclusão dos imigrantes nesse espaço.
Para o debate, ocorrido no último dia 2 de outubro na Sala da Congregação do Instituto de Relações Internacionais da USP, foram convidados o boliviano Luis Vasquez, conselheiro eleito pelos imigrantes da subprefeitura da Mooca; Andreza Galli, coordenadora do Conselho da Cidade na Secretaria Municipal de Relações Governamentais e ex-integrante do EpM; e Lívia Lima – integrante do Coletivo VOZ: Grupo de Incentivo à Participação Política. O formato da mesa foi de uma fala de 20 minutos para cada integrante, ao que se seguiu um período de abertura para debate e perguntas.
Em 30 de março deste ano, imigrantes que vivem em 19 das 32 subprefeituras paulistanas que contam com pelo menos 0,5% de sua população constituída por imigrantes puderam eleger representantes para os Conselhos Participativos locais. A iniciativa foi articulada pela Coordenação de Políticas para Imigrantes (CPMig), criada em maio de 2013 no âmbito da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), e a posse ocorreu no mês seguinte, em 29 de abril. Veja aqui como foi.
Apontada como um dos grandes avanços conquistados pelas comunidades nos últimos anos na capital paulista, a iniciativa pioneira não fica livre de obstáculos e limitações. Debater esses pontos e possíveis medidas para solucionar ou minimizar esses problemas foi um dos objetivos do encontro.
Vale lembrar que a Lei brasileira impede que imigrantes possam votar e serem votados no sistema eleitoral oficial – o direito ao voto é restrito aos brasileiros natos e naturalizados. Um sistema paralelo teve de ser organizado para permitir a participação dos imigrantes na eleição para os Conselhos, independente da situação migratória dos potenciais eleitores.
Raízes do Conselho e desafios
Representando a Prefeitura de São Paulo, Andreza lembra que o Conselho Participativo em si é uma demanda antiga, anterior à Lei Orgânica do Município, e que visa descentralizar a política da cidade e monitorar sua implementação. O modelo, no entanto, tinha sido deixado de lado pelo Executivo e Legislativo em gestões municipais anteriores.
“Estamos começando a viver uma situação de participação social. Além dos conselhos, temos conferências, ouvidorias etc. Porém nos últimos anos na cidade de São Paulo tem-se visto um esvaziamento desses espaços, já que os governos não têm lhes dado a devida importância. Logo, para revitalizarmos esses espaços precisamos inseri-los no sistema político e fazer com que os governos lhes deem a devida importância”, explica Andreza. “O objetivo do conselho participativo é integrar as politicas públicas do território. Agora, precisamos pensar sobre como é a atuação do imigrante nos conselhos participativos: se tem sido possível a atuação deles nesses espaços e se há abertura para essa participação”, completa.
Em sua fala, o conselheiro boliviano Luis Vasquez elogiou as iniciativas articuladas pela Prefeitura de Sã Paulo e pelo CPMig. “Os imigrantes, pela primeira vez na história da política brasileira, têm a oportunidade de participar na gestão do governo através dos conselheiros participativos. Nessa primeira etapa, temos aprendizado e empoderamento dos espaços políticos, e aos poucos os imigrantes vão ganhando mais espaços na criação de políticas públicas para este setor”.
No entanto, Vasquez não deixou de lado as dificuldades que os imigrantes enfrentam no cotidiano – língua, choque cultural, falta do direito ao voto e o isolamento existente entre as próprias comunidades – e as próprias limitações que os Conselhos Participativos apresentam.
“A partir da eleição, foi muito difícil para os candidatos migrantes se integrarem nos conselhos participativos e saber exatamente seu papel. Na teoria, os conselheiros migrantes deveriam ter participação no planejamento e diversas questões políticas, mas na prática, não funciona assim. Existem muitas comunidades migrantes em São Paulo e é muito difícil para um conselheiro boliviano, por exemplo, ouvir e atender as demandas de todas elas. Há muitos conselheiros participativos que deixam os conselhos (principalmente os brasileiros) por não terem o impacto necessário nesses conselhos e não receberem nenhum auxilio monetário (demanda). As reuniões dos conselhos participativos não tem nenhum impacto nas subprefeituras, mas agora, os conselhos devem aprovar tudo o que a subprefeitura decide para descongelar o orçamento”, explica.
Já Lívia Lima, do Grupo VOZ, lembrou o papel do coletivo no acompanhamento da eleição para os Conselhos e o trabalho de conscientização feito junto aos imigrantes para que tomassem parte no processo. Apesar das barreiras e limitações atuais dos Conselhos, ela mostra otimismo com o futuro da iniciativa. “O Conselho Participativo da Cidade de São Paulo é um espaço com grande potencial de crescimento e fortalecimento das comunidades. A participação é o maior e melhor instrumento de educação política e, portanto, esperamos que espaços de governança interativa como esse sejam apropriados pela sociedade”.
Questões pendentes e conclusões do debate
No momento de debate entre a mesa e o público, foram suscitadas questões como a frustração com o pequeno peso que as decisões do Conselho Participativo exerceram até então e o despreparo de gestores, do Estado e do nosso sistema político para garantir o amplo direito à democracia participativa. Foi citado o Curso de Formação de que conselheiras e conselheiros estão participando, que objetiva sanar um pouco das dúvidas que dificultam sua atuação eficiente. Neste ano ainda haverão aulas magnas sobre temáticas mais gerais – e no próximo ano, aulas em cada Subprefeitura tratando de especificidades.
Em relação aos encaminhamentos da defasagem representativa da população imigrante, foi possível notar uma possível tendência a acabar com a distinção entre votos imigrantes e votos nacionais. Contudo, a gestão necessita de estudos que certifiquem qual é o grau de representatividade dessa instância para as comunidades imigrantes, o que auxiliaria nas decisões futuras a respeito da incorporação do setor ao Conselho. Além disso, está sendo organizado o Conselho Municipal de Migrantes, que pode ser um espaço oportuno tanto para essas discussões quanto para a busca conjunta de soluções.
Para o EpM, a mesa mostrou diferentes perspectivas sobre o fenômeno: a mobilização, através de uma integração popular e universitária; a atuação no âmbito governamental pela concretização desse objetivo de gestão participativa das políticas públicas; e a experiência cotidiana do Conselho por um representante eleito pela comunidade boliviana. Os relatos escutados se relacionavam e reforçavam, sempre enfatizando a enorme importância da expansão consciente dos espaços políticos participativos – espaços onde a experiência democrática leva ao empoderamento – e da ação coletiva como norteadora e ponto comum entre todos esses universos.
[…] Dentre as atividades mais recente do coletivo estão: uma série de três oficinas na praça Kantuta, em parceria com o projeto Si, Yo Puedo, sobre temas-chave para o imigrante (legislação migratória, participação política e formas de opressão); e um debate com os imigrantes eleitos para os conselhos participativos das subprefeituras de São Paulo (leia aqui o relato). […]