Por André Gabay Piai
Em vigor desde a década de 1990, o espaço Schengen, que visa a livre circulação de pessoas no interior de suas fronteiras, tem sido posto à prova por diferentes países integrantes do acordo. A partir da narrativa da crise de segurança nacional ligada a um fluxo maior de migrantes na Europa, os governos locais decidem, com cada vez mais frequência, pelo fechamento temporário e restabelecimento de controle nas fronteiras, pondo em xeque um dos princípios mais caros ao acordo.
Inicialmente assinado em 1985 por 5 países-membros (Alemanha, Bélgica, França, Luxemburgo e Holanda) da Comunidade Econômica Europeia (CEE), o tratado de Schengen assegura a livre circulação de pessoas através da supressão de postos de controle nas fronteiras dos países signatários. Deste modo, durante as décadas de 1990 e 2000, a maioria dos países-membros da União Europeia e outros países associados ao bloco integraram a zona de livre circulação.
Assim, atualmente, o espaço Schengen compreende 25 dos 27 membros da União Europeia (por motivos distintos, apenas Chipre e Irlanda não integram o espaço), além de 4 países associados (Islândia, Suíça, Noruega e Liechtenstein). Além disso, os anos de 2023 e de 2024 marcaram um novo alargamento com a adesão da Croácia, Romênia e Bulgária ao tratado, ainda que estes dois últimos integrem o espaço Schengen de forma parcial. Isto é, os controles nas fronteiras terrestres seguem operantes.
Circulação no Espaço Schengen
Apesar do tratado de Schengen garantir a livre circulação de pessoas no interior de suas fronteiras, esta cláusula não é irrevogável. Assim, os países-membros têm a possibilidade e a autonomia de restabelecer, por período de tempo determinado, os controles fronteiriços sob determinadas circunstâncias ligadas a ameaças à ordem pública e à segurança nacional.
Neste contexto, por diversas vezes, os estados signatários do tratado recorreram à reintrodução de controles em suas fronteiras nacionais. Para citar alguns exemplos, a Alemanha o fez em 2006, quando sediou a copa do mundo e a França o fez em 2015, em decorrência dos atentados ao Bataclan. Neste mesmo ano, diversos países-membros adotaram controles mais rígidos em suas fronteiras em decorrência do aumento do fluxo de refugiados chegando ao continente.
Diante destes eventos, o parlamento europeu e o conselho da União Europeia firmaram um acordo visando a reforma do espaço Schengen, possibilitando assim o aumento da duração do restabelecimento dos controles fronteiriços em caso de crises. A reforma prevê ainda a volta dos controles com vistas a conter a imigração irregular.
O uso desta diretiva que permite a volta do controle de fronteiras foi observado mais recentemente na Holanda, à imagem do que vem sendo feito na Alemanha desde o último mês de setembro. O governo de Olaf Scholz restabeleceu os controles nas fronteiras terrestres do país sob a justificativa de um aumento na criminalidade transfronteiriça, além de ameaças terroristas.
O caso da Holanda
Em um contexto de aumento do sentimento anti-imigrantes no continente, a Holanda estabelece, a partir de dezembro e durante os seis meses seguintes, a volta dos controles fronteiriços com o objetivo de reforçar a segurança nacional. O governo julga atravessar circunstâncias excepcionais devido a um suposto aumento do fluxo de solicitantes de refúgio. A determinação vem do Partido pela Liberdade (PVV, na sigla em holandês), que obteve o ministério das migrações e promete o fechamento das fronteiras holandesas há pelo menos 10 anos. Por mais que a decisão de se fechar as fronteiras do país seja temporária, como determina a norma da União Europeia, a implementação da medida é considerada uma vitória pelo partido.
Com parte da extrema direita compondo o governo, o país prevê ainda sua saída do pacto da União Europeia para a acolhida de refugiados no continente, que preconiza a harmonização das solicitações de refúgio entre membros do bloco.
Ademais, na esteira do crescimento do sentimento anti-estrangeiro na Europa, uma das mais polêmicas medidas que põem em xeque o acolhimento de refugiados é a declaração de determinadas regiões da Síria, ainda em guerra, como “seguras”. Deste modo, à revelia do estatuto dos refugiados da ONU, as autoridades migratórias holandesas poderão negar o reconhecimento da condição de refugiado a cidadãos sírios.
Finalmente, a nova coligação que governa a Holanda busca promover “a mais rigorosa política de asilo” de todos os tempos reduzindo, por exemplo, o número de estudantes internacionais aceitos na universidade do país, além da eliminação da permissão de residência indefinida para os refugiados. Ademais, o fechamento das fronteiras do país simboliza o caminho pelo qual seguem as políticas migratórias do atual governo no contexto de uma Europa cada vez mais fechada e hostil aos estrangeiros.
Em conclusão, a ascensão da extrema-direita no país e, de maneira mais abrangente, no continente, traz à tona a construção do estrangeiro como inimigo e personificação dos males que assolam a sociedade holandesa e outras sociedades europeias. Ainda que os números mostrem que não houve alta significativa nos pedidos de refúgio no país entre 2022 e 2023, a narrativa de que a crise de segurança supostamente causada pelos estrangeiros é suficiente para que se justifique o fechamento das fronteiras. O discurso alarmista seguido por esta ação é o método encontrado pela extrema-direita para manter o eleitorado mobilizado e conquistar cada vez mais espaço nas instituições do continente.
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