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quarta-feira, abril 24, 2024

Crise entre Itália e França volta a mostrar a migração na Europa usada como ferramenta política

Especialista ouvido pelo MigraMundo aponta que as autoridades europeias utilizam a questão migratória como arma ou estratégia dentro dos processos decisórios da União Europeia

Por Lívia Major

A questão migratória na Europa serviu mais uma vez de embate entre dois países, enquanto o lado humanitário ficou em segundo plano. O caso mais recente envolveu a Itália e a França a respeito da recepção do navio Ocean Viking, que passou três semanas no Mediterrâneo com 234 migrantes a bordo.

O grupo só conseguiu chegar em terra firme após o desembarque no porto militar de Toulon, no sul da França, no último dia 11 de novembro. Os migrantes foram resgatados na costa da Líbia pela ONG SOS Méditerranée, que opera o navio. A organização solicitou autorização de desembarque em diversos países, entre eles Tunísia e Malta, que não responderam aos chamados, e a Itália, que negou o acesso da embarcação.

O ministro francês do Interior, Gerald Darmanin, classificou a reação das autoridades italianas como “desumana” e, pela primeira vez, a França autorizou o desembarque de um navio de resgate em seu território.

Já a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, reagiu às críticas. Disse que é preciso encontrar “uma solução europeia” para a questão da migração e ressaltou que a Itália tem registrado um aumento acentuado de imigrantes – só neste ano houve quase 93.000 pessoas entrando no país, em comparação a 59.300 em 2021. Meloni lembrou ainda que, em junho do ano passado, a União Europeia lançou um “mecanismo de solidariedade”, segundo o qual vários países – incluindo a França – se comprometeram a acolher pelo menos 8.000 migrantes, mas, até agora, apenas 164 deixaram a Itália. O ministro do Interior italiano, Matteo Piantedosi, declarou: “o que não entendemos é a razão pela qual a Itália deve aceitar de braços abertos aqueles que outros não estão dispostos a aceitar”.

Na França , a presidente do principal partido de extrema-direita do país, Marine Le Pen, pediu que os migrantes sejam imediatamente devolvidos. “É necessário que esses navios que põem em risco a segurança dos migrantes resgatados no mar os levem de volta para seu porto de partida”.

Migração como ferramenta política

De acordo com Elias David, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), qualquer sanção a nível comunitário só poderia ser tomada por consenso de todos os 27 países que integram a União Europeia. Por isso, ele acredita que a condenação se manterá no nível moral. Mas, para o especialista, mais importante do que qualquer tipo de condenação, é entender que a migração se tornou hoje na Europa, uma ferramenta política.

“Essa crise demonstra que o acordo da União Europeia sobre a distribuição dos solicitantes de refúgio nos países não está funcionando devido às decisões internas dos respectivos países e, principalmente, da Itália que agora está sob nova orientação ideológica [de extrema-direita]. Observamos que as autoridades utilizam essa problemática como arma ou estratégia dentro dos processos decisórios do bloco”.

Após o desembarque em Toulon, os migrantes foram transferidos para um centro de espera na península de Giens, em Hyères. Desde então, os resgatados passaram a ser submetidos a verificações sanitárias e de segurança, e interrogados por uma junta administrativa que acatará, ou não, a solicitação de refúgio. Durante esse período, os migrantes não podem deixar o centro.

Até agora, 44 tiveram o pedido recusado. Eles serão encaminhados ao país de origem “assim que seu estado de saúde permitir”, afirmou Darmanin. Outros 60 migrantes, entre eles sírios, sudaneses e eritreus foram autorizados a seguir com o processo. Conforme as solicitações forem processadas, parte dessas pessoas serão encaminhadas para outros Estados, já que onze países da União Europeia aceitaram receber dois terços desses solicitantes.

Situação recorrente

O conflito não é de hoje. Em 2018, os dois países entraram em atrito depois que a Itália impediu que o navio de resgate MS Aquarius, que levava 629 migrantes, atracasse em território italiano. A embarcação acabou orientada para a Espanha. Frequentemente, a Turquia também usa a política migratória como estratégia política. Em 2016, o país assinou um acordo com a União Europeia comprometendo-se a acolher refugiados e a reforçar as barreiras em troca de auxílio financeiro. Mas, de lá para cá, por diversas vezes o governo turco decidiu afrouxar as fronteiras, acusando os europeus de falta de pagamento. Nesse impasse, quem sofre são os solicitantes que, enquanto se arriscam para chegar na Europa, vivem em condições miseráveis na Turquia.

O professor Elias David alerta que essa questão deve se agravar ainda mais com o aumento dos fluxos. “Estamos vendo que, a cada ano, mais e mais imigrantes arriscam tudo para atravessar o Mediterrâneo e conseguir entrar no continente europeu. A Europa está pagando pela insaciável e nefasta colonização imposta ao continente africano. E, dado esse custo humanitário, acredito que,  assim como existe o princípio poluidor/pagador nas questões ambientais, a lógica deveria ser a mesma nas questões humanitárias. De forma que os causadores da migração tivessem uma proatividade na solução da necessidade dos migrantes. Mas, por esse contexto, a gente vê que isso não está acontecendo”.

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