“Não podemos ter para nós os paradigmas das migrações norte-sul”. Essa frase, da professora Deisy Ventura, resume bem um dos objetivos do curso “São Paulo de todos os Imigrantes”, que teve início no último dia 5 de novembro e vai até 10 de dezembro, quando é celebrado anualmente o Dia Internacional dos Direitos Humanos.
O curso, que tem sua segunda edição neste ano (veja aqui como foi em 2014), pretende debater os diversos aspectos das migrações contemporâneas, reforçando a afirmação de que migrar é um direito humano – ao contrário de concepções restritivas e xenófobas de migração presentes mundo afora.
A ação é resultado de uma parceria entre o Museu da Imigração de São Paulo, que sediou a aula inaugural, e a Escola do Parlamento paulistano – as próximas aulas e debates, sempre às quintas-feiras, vão acontecer na Câmara Municipal.
“Deslocamentos sul-sul”
A professora Deisy, do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI-USP), abriu as discussões do curso com uma reflexão sobre os movimentos migratórios contemporâneos e destacou o crescimento das migrações entre países em desenvolvimento, o chamado “deslocamento sul-sul”. “Os países que mais acolhem refugiados são os em desenvolvimento”, lembrou Deisy, derrubando a imagem de que a Europa estaria “sobrecarregada” com a chegada de pessoas da Síria, Iraque, Afeganistão e outras nações em dificuldades.
De acordo com dados de setembro do Acnur, o Alto Comissariado da ONU para Refugiados, o país que mais acolhe refugiados no mundo é a Turquia (1,59 milhão), seguida por Paquistão (1,51 milhão), Líbano (1,15 milhão), Irã (982 mil), Etiópia (659,5 mil) e Jordânia (654,1 mil). Se levado em conta o total de refugiados em relação ao de habitantes, Líbano e Jordânia são os países que possuem a maior população refugiada.
Deisy lembrou ainda que as causas que levam as pessoas a migrarem são diversas, além do fenômeno migratório em si ser complexo. Mas que existe um traço comum em boa parte dessas causas. “Ele está intimamente ligado à desigualdade mundial, que gera uma série de outros fatores que levam aos deslocamentos”.
Cada mesa do curso terá a presença de um migrante residente no Brasil ou de um brasileiro que teve experiência de viver nessa condição, par contribuir com o debate. O primeiro convidado foi o poeta malinês Adama Konate, fundador e atual secretário-geral da União dos Malineses em São Paulo no Brasil (UMSPB). “Migrar deve ser um direito, aqui e em qualquer lugar. Todo mundo tem seu motivo para migrar”, lembra.
Curso “heterogêneo e plural”
Antes do debate, aconteceu a mesa de abertura, da qual participaram: Camila Baraldi, coordenadora-adjunta de politicas para imigrantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo; Marília Bonas Conte, Diretora executiva do Museu da Imigração; Marcelo Mattos de Araújo, secretário da Cultura do Estado de São Paulo; Prof. Dr. Christy Ganzert Pato, diretor-presidente da Escola do Parlamento Paulistano; Prof. Dr. Antonio Rodrigues de Freitas Jr, Diretor executivo da Escola do Parlamento; além do próprio Adama, representando os migrantes.
“O curso foi concebido para ser essencialmente dialógico. Queremos trazer migrantes, sociedade civil e outros para construir esse diálogo”, disse Freitas para exemplificar o caráter “heterogêneo e plural” do curso. “Ele é uma oportunidade única de discutir e compartilhar o papel social do Museu da Imigração”, lembra Marília, que dirige a instituição.
Representando o poder público municipal, Camila elogiou o curso e o vê como necessário em meio a casos recentes de violência contra imigrantes e de intolerância contra minorias sociais. “Os riscos de retrocesso são sempre presentes. Por isso é importante que esse debate se fortaleça.”
Durante os intervalos entre as mesas eram projetadas produções do Visto Permanente, grupo que registra as expressões artístico-populares das novas culturas imigrantes de São Paulo.