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sexta-feira, abril 26, 2024

De forma pacífica, migrantes deixam ponte no Acre após decisão da Justiça

"Somos humanos. Decidimos sair com a consciência limpa e para mostrar para o mundo que não estávamos aqui para fazer algo ruim. Estamos procurando uma saída possível [para nossas vidas]", disse um dos migrantes durante o ato de desocupação

Os migrantes que ocupavam a Ponte da Integração, que liga o Brasil ao Peru, no estado do Acre, deixaram o local nesta segunda-feira (8) de forma pacífica e sem incidentes.

 A via estava fechada desde o último dia 14 de março, quando migrantes se fixaram em forma de protesto contra a impossibilidade de passar para o lado peruano. Havia cerca de 60 pessoas na ponte, de acordo com estimativas da sociedade civil local.

Poucas horas após o aval da Justiça, a Polícia Federal chegou ao local para realizar a reintegração de posse. Os migrantes realizaram um ato político e saíram do local, sem que os agentes precisassem de qualquer intervenção. A rádio peruana Madre de Dios fez transmissão da desocupação da ponte pelo Facebook e registrou a ação.

“Somos humanos. Decidimos sair com a consciência limpa e para mostrar para o mundo que não estávamos aqui para fazer algo ruim. Estamos procurando uma saída possível [para nossas vidas]. Estamos liberando o movimento na fronteira e queremos agradecer [aos que nos ajudaram]” disse Jean Nazaire, do Haiti, um dos migrantes que estavam na ponte, no ato de desocupação.

Questão de tempo

A reintegração de posse era considerada uma questão de tempo por atores envolvidos na tentativa de resolver a situação na fronteira.

O governo peruano se mostrou irredutível quanto a liberar a passagem, enquanto entre os migrantes já havia sinais de cansaço e desgaste após três semanas de mobilização em um ambiente inóspito. Uma saída voluntária do grupo já era avaliada antes mesmo da decisão da Justiça autorizando a desocupação, conforme mostrou o MigraMundo.

O pedido de reintegração de posse havia sido feito no último dia 26 de fevereiro, mas o magistrado Herley da Luz Brasil cobrou da União quais providências seriam tomadas em relação aos migrantes e negou inicialmente a liminar.

Também se colocaram contra a reintegração de posse a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal, chamadas a se manifestar no processo. Ambas cobraram do governo federal a garantia de que o processo seria pacífico e que os migrantes receberiam tratamento digno durante e após a ação. O fato de o governo federal ter autorizado o uso da Força Nacional de Segurança Pública na região era um ponto de grande preocupação.

Diante disso, representantes do poder público e da sociedade civil tiveram uma série de reuniões e visitas de campo à região da fronteira nos últimos dias. As conversas tinham como objetivo principal garantir um desfecho pacífico para o protesto e condições para os migrantes seguirem para outras regiões do Brasil.

“Temos de monitorar a situação pra garantir que não haja truculência. Tem que ter um olhar humanitário sobre essas pessoas”, apontou Virginia Berriel, representante da CNDH (Comissão Nacional de Direitos Humanos) que esteve no Acre.

Imigrantes acampados na ponte que liga Assis Brasil (AC) a Iñapari, no lado peruano da fronteira
Imigrantes acampados na ponte que liga Assis Brasil (AC) a Iñapari, no lado peruano da fronteira. (Foto: Samuel Bryan/Agência Acre)

Na decisão da última segunda, o juiz Herley da Luz Brasil, da 2ª Vara Federal Cível e Criminal da SJAC, deferiu o pedido da União. Ele considerou que o poder público, tanto local quanto federal, tem demonstrado boa vontade com os migrantes que estão em Assis Brasil. E que a abertura da fronteira é uma questão de soberania do governo peruano, que se coloca irredutível quanto ao assunto.

Segundo pessoas que estão atuando na região de fronteira e que falaram extraoficialmente ao MigraMundo, o compromisso da União é trabalhar junto com a Prefeitura de Assis Brasil para ajudar em eventuais retornos, com compra de passagem de onibus e insumos em geral.

Pós-desocupação

Ainda há migrantes que chegam a Assis Brasil na esperança de tentar cruzar a fronteira, mas já é possível notar um fluxo maior de pessoas que partiu para outras regiões do Brasil.

Por meio de nota, a Rede Sem Fronteiras, que congrega uma série de entidades ligadas à temática migratória dentro e fora do Brasil, criticou o andamento da questão na fronteira. Também fez críticas a organizações internacionais que costumam acompanhar o assunto.

“As organizações internacionais e supranacionais também abstiveram-se de manifestar-se, ressaltando a diferença de tratamento entre fluxos migratórios que são politicamente interessantes, como no caso dos migrantes venezuelanos, daqueles aos quais é reservado o silêncio conivente”. 

Fontes ouvidas pelo MigraMundo apontam que os migrantes que deixaram a ponte estão ainda na região de Assis Brasil, sem um destino definido. Entidades como o Cimi (Conselho Indigenista e Missionário) e a CPT (Comissão Pastoral da Terra) se mostram preocupadas com o que vai acontecer com os migrantes após a desocupação.

Enquanto parte dos migrantes retorna para as cidades onde viviam no Brasil, outros ainda permanecem em Assis Brasil definindo os próximos passos. O sonho de cruzar a fronteira, mesmo com os bloqueios criados em razão da pandemia de Covid-19, ainda é forte. Há relatos de pessoas que tentam ingressar nos países vizinhos por meio de coiotes, ficando à mercê de mais situações de vulnerabilidade.

Com as informações colhida ao longo da semana, o CNDH deve se reunir e apresentar recomendações ao governo federal para lidar com a questão na fronteira. Uma delas é a criação de uma campanha de conscientização sobre os riscos que uma saída do Brasil representa no atual momento.

“Tem que ter uma campanha informativa grande. Se não tivermos essa iniciativa, esse processo vai continuar. Temos que trabalhar com prevenção, explicando. As pessoas têm como ter acesso à informação”, pontua Berriel.

A DPU também tem feito ações que visam expor aos migrantes os riscos de tentar viajar pelo continente em meio à Covid-19. A viagem, que já é penosa e incerta em condições normais, ganha ares “de loteria” em um conteto de pandemia. E reforça a necessidade de investimentos em Assis Brasil, uma vez que o município é ponto de passagem de migrantes.

“Ficou muito evidente a necessidade de investimento de longo prazo na região de Assis Brasil”, apontou João Chaves, coordenador do Grupo de Trabalho Migrações, Apatridia e Refúgio da DPU.


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