Para Wagner Oliveira, da DAPP-FGV, dados recentes do IBGE apontam lacunas, mas também caminhos a serem trilhados para uma melhor gestão das migrações no país
Por Rodrigo Borges Delfim
Em São Paulo
Os dados divulgados no final de setembro pela pesquisa MUNIC, do IBGE, deixaram evidente a lacuna existente nos municípios brasileiros em relação ao atendimento e apoio a migrantes internacionais: apenas 5,5% possuem algum tipo de serviço para essa população.
Para Wagner Oliveira, economista e pesquisador da DAPP (Diretoria de Análise de Políticas Públicas) da FGV (Fundação Getulio Vargas), é necessário um novo olhar dos gestores públicos em relação às migrações.
“O Brasil já avançou muito com a nova Lei de Migração, mas é necessário considerar a nova realidade dos fluxos migratórios brasileiros em um olhar estratégico para a imigração, que busque a integração plena desses migrantes, aproveitando seu potencial para contribuir com a sociedade e a economia”, explica.
Em entrevista ao MigraMundo, Oliveira cita ainda que os dados da pesquisa do IBGE trazem elementos concretos que permitem adotar tais medidas. Ele também defende a regulamentação do artigo 120 da Lei de Migração, que prevê a adoção de uma Política Nacional Migratória para definir as diretrizes dessa atuação.
“Partir das evidências disponíveis é o caminho para promover políticas efetivas nesse sentido.”
A pesquisa mostrou a presença de imigrantes em mais da metade dos municípios brasileiros, e não apenas nas grandes cidades ou capitais. Seria essa uma das principais contribuições desse levantamento?
A MUNIC do IBGE é uma pesquisa sobre o perfil dos municípios brasileiros que possui elevado grau de detalhamento. No entanto, ela não traz informações sobre a presença de imigrantes nos municípios brasileiros. Essa é uma informação que pode ser obtida através da Polícia Federal, por exemplo. Em cada ano, a pesquisa contempla módulos sobre temas específicos, sendo que, na recém-lançada edição de 2018, ela contemplou perguntas sobre instrumentos de gestão migratória no nível municipal, uma informação muito importante para o debate. Vimos, no entanto, que são muito poucos os municípios que apresentam alguma política voltada para este público (4% do total ou pouco mais de 5% dos municípios que possuem imigrantes).
Que outro elemento chama a atenção nesse estudo, na opinião da diretoria?
Note que que não é só uma questão de que há muitos municípios pequenos que não possuem estrutura suficiente para isso. A pesquisa mostra, por exemplo, que uma cidade como o Rio de Janeiro não possui atendimento multilíngue, abrigo para acolhimento de refugiados, centro de referência e apoio a migrantes e refugiados, nem sequer alguma cooperação com demais entes da federação para tratar do assunto.
Estamos falando de uma cidade que teve mais de 80 mil registros formais de migrantes internacionais desde 2010 (segundo dados da Polícia Federal). A capital do país, Brasília, que recebeu mais de 20 mil migrantes formalmente registrados no mesmo período, apresenta apenas um dos sete instrumentos pesquisados (possui abrigo).
A questão do atendimento multilíngue, por exemplo, só está disponível em 25 municípios, sendo que nenhuma capital do Sudeste oferece esse serviço, segundo a MUNIC.
As consequências disso podem ser medidas a partir de fatos concretos. A Operação Acolhida tem atuado na questão dos venezuelanos em Roraima a partir de uma política de interiorização que, segundo dados divulgados pela Casa Civil, já beneficiou pouco mais de 10 mil venezuelanos. Contudo, não há garantia de que, uma vez chegando na cidade de destino, o migrante terá de fato condições de buscar sua sobrevivência e se integrar na sociedade e no mercado de trabalho. Na maior parte das vezes, são as instituições da sociedade civil que de fato prestam auxílio a essa população. Utilizando os dados da MUNIC, dos 184 municípios que receberam venezuelanos a partir dessa política, apenas 55 (29,9%) possuem pelo menos um dos instrumentos mapeados. Apenas 15 (8,2%) desses possuem centro de apoio a migrantes e refugiados e apenas 6 (3,3%) desses possuem atendimento multilíngue. É necessário então que haja maior articulação entre a política operacionalizada pelo governo federal – juntamente com instituições internacionais como o ACNUR e a OIM – com as estruturas municipais.
Apenas 75 municípios contam com algum tipo de ação voltada para a população migrante. A situação política vivida pelos migrantes nos últimos anos – não direito a voto e vigência por longo tempo do Estatuto do Estrangeiro e suas restrições – seriam motivadores dessa situação?
75 é o número de municípios mapeados que possuem algum mecanismo de cooperação com outros entes da federação (estados ou a União), o que corresponde a 1,3% dos municípios brasileiros ou 1,9% dos municípios que possuem imigrantes. É de fato muito pouco, e é um sinal da falta de articulação entre os entes da federação para a gestão da política migratória e acolhida adequada dos imigrantes.
O Brasil já avançou muito com a nova Lei de Migração, mas é necessário considerar a nova realidade dos fluxos migratórios brasileiros em um olhar estratégico para a imigração, que busque a integração plena desses migrantes, aproveitando seu potencial para contribuir com a sociedade e a economia no Brasil.
Falando na Lei de Migração, um dos pontos pendentes de regulamentação é o artigo 120, que prevê a implementação de uma Política Nacional Migratória. Essa política ajudaria a incentivar a adoção de políticas para a população migrante nos municípios brasileiros?
Uma política com essas diretrizes seria de fato muito importante. Apesar de ser um avanço isso constar em lei, é muito importante caminhar para a implementação prática, sabendo, claro, que isso é um grande desafio em um país de dimensões continentais como o Brasil, com 5.570 municípios.
Nesse sentido, entendo que utilizar os dados da MUNIC juntamente com os registros administrativos disponíveis permite aferir quais são os municípios prioritários para implementar ações conjuntas entre os entes da federação, isto é, aqueles que possuem um contingente razoável de imigrantes, mas que não possuem qualquer estrutura para acolhê-los e integrá-los hoje. Partir das evidências disponíveis é o caminho para promover políticas efetivas nesse sentido.
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