Em teoria, é um grupo de extensão do curso de Relações Internacionais da USP, mas na prática seu trabalho extrapola as fronteiras da universidade – e essa é a ideia.
Assim é o coletivo Educar para o Mundo (EPM) – que começou como projeto e virou grupo de extensão que lida com educação popular e direitos humanos dos migrantes na capital paulista. E graças a essa atuação, tem papel fundamental tanto na visibilidade da questão migratória quanto na formação de pessoas e profissionais com sensibilidade para o tema.
O EPM começou em 2009, no âmbito do Centro Acadêmico Guimarães Rosa (Guima), quando estudantes de Relações Internacionais da USP juntamente com a professora Deisy Ventura fundam o então projeto “Educar para o Mundo”. Antes disso, os estudantes já vinham debatendo extensão universitária no âmbito do Guima, o que se juntou com a experiência extensionista da professora no Rio Grande do Sul.
O objetivo do coletivo é construir em conjunto processos que levem o migrante a se emancipar e ser protagonista, por meio da valorização das culturas, interculturalidade, estudos sobre legislação migratória e organização política. Para essa tarefa, o EPM tem como inspiração e instrumento a pedagogia do educador Paulo Freire (1921-1997), considerado o Patrono da Educação no Brasil e cuja frase abaixo sintetiza a atuação do coletivo:
“Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.” (Pedagogia do Oprimido)
Os primeiros passos
O primeiro trabalho do EPM veio logo após sua formação, junto aos alunos migrantes da escola Infante Dom Henrique, próxima à Praça Kantuta, no bairro do Canindé (na época, 14% de seus alunos eram imigrantes latino-americanos). Até 2012, quando o trabalho foi suspenso por dificuldades junto à direção e certos professores da escola, o coletivo participou de atividades culturais que envolveram pais e professores e promoveu diversos debates e oficinas culturais e de direitos humanos junto à comunidade escolar.
Guilherme Otero, egresso do EPM e atualmente assessor da Coordenação de Políticas para Imigrantes (CPMig) da Prefeitura de São Paulo, lembra de uma dessas atividades exercidas junto à comunidade, em 2010. “Foi mão na massa mesmo: convidamos grafiteiros, pintamos parede, debatemos com os imigrantes na praça, organizamos uma atividade para as crianças. Fui o primeiro a chegar e o último a sair, e nossa marca ficou lá por anos (faz tempo que não vou na praça, mas talvez esteja lá até hoje)”.
Embora o EPM fosse mais próximo da população de origem latino-americana em seu início, atualmente também debate e atua junto a outras comunidades migrantes, como a africana e a haitiana, além de questões de refúgio.
Desafios dentro da universidade
Trazer o debate da migração contemporânea de volta para a universidade é outro grande desafio do coletivo. “Uma de nossas preocupações enquanto extensionistas é trazer de volta para a universidade os debates que construímos juntamente às pessoas imigrantes, a outras organizações da sociedade civil e aos setores do Estado que tratam da temática”, explica a estudante Jaqueline Xavier, integrante do EPM.
Além de levar o debate para o meio acadêmico, o EPM também luta contra ressalvas existentes no ambiente universitário em relação ao coletivo. “Há questionamentos sobre a viabilidade do que pensamos, sobre o que ocorreria com o que hoje é considerado como extensão e que nós não consideramos… É uma disputa política legítima”, diz Hugo Salustiano, estudante de RI e integrante do EpM desde o segundo semestre de 2013.
Embora ainda existam reservas no ambiente acadêmico, a visão é bem diferente junto ao poder público e aos movimentos sociais, e ajuda a minar barreiras existentes entre o meio acadêmico e o cotidiano. “As pessoas ficam contentes em ver alunos de uma grande universidade pública – e que em grande parte correspondem às parcelas mais elitizadas da sociedade – interessando-se em agir nas grandes questões da cidade. Surpreendem-se porque a expectativa que têm é que a academia isole-se em sua esfera e crie uma dualidade, uma separação entre universidade e sociedade que jamais deveria existir nos termos em que existe hoje”, diz Salustiano.
Além de promover o debate sobre migrações no meio universitário e servir de ponte para a realidade do tema, o EPM tem ainda outro mérito de grande importância: o de mostrar uma outra dimensão possível a cursos de Relações Internacionais.
“Engraçado… Eu não me vejo como um profissional de RI. Pela natureza do curso que eu fiz – elitista, conservador, excessivamente teórico, eurocêntrico – quando penso em profissional de RI penso em diplomatas, empresas multinacionais, relações institucionais entre países, ternos, gravatas e viagens à Genebra e Nova Iorque. Prefiro me considerar um profissional de direitos humanos, técnico de políticas públicas, militante pela extensão universitária e pelos direitos dos migrantes. Talvez seja isso que tenha mudado no antes/depois da extensão pra mim”, explica Otero.
Realizações e próximos passos
Embora o coletivo tenha apenas cinco anos de existência, a ficha corrida de atividades e contribuições para o debate em torno das migrações já é bastante extensa – indo de seminários, saraus e oficinas junto aos migrantes a parcerias com agentes públicos.
Em conjunto com a Coordenação de Políticas para Migrantes (CPMig) da Prefeitura de São Paulo, o EPM redigiu o documento-base para a 1ª Conferência Municipal de Políticas para Migrantes (ocorrida em 2013), promoveu um sarau no abrigo provisório montado para imigrantes recém-chegados na rua do Glicério e também é parceira na edição do portal Cosmópolis; também coordenou uma das oficinas da COMIGRAR (Conferência Nacional de Migração e Refúgio), em maio deste ano, que incitou a discussão sobre políticas públicas voltadas aos imigrantes entre autoridades do ramo político; sobre legislação migratória, o grupo esteve presente em algumas das audiências públicas que apresentaram o Anteprojeto de Lei de Migrações, entregue ao Ministério da Justiça em agosto passado.
Dentre as atividades mais recente do coletivo estão: uma série de três oficinas na praça Kantuta, em parceria com o projeto Si, Yo Puedo, sobre temas-chave para o imigrante (legislação migratória, participação política e formas de opressão); e um debate com os imigrantes eleitos para os conselhos participativos das subprefeituras de São Paulo (leia aqui o relato).
Para 2015, o EPM busca ampliar o impacto do coletivo junto à universidade por meio de publicações e seminários (sem perder de vista a questão da democratização do conhecimento), promover contatos mais próximos com parceiros e estabelecer novas parcerias, além de ter maior incidência na definição de políticas públicas para a população imigrante.
Republicou isso em Educar para o mundo.