“Nossa dor não é arte”. Assim começa a carta-manifesto divulgada pelo coletivo cultural Cholitas da Babilônia, responsável pelo protesto que levou ao fechamento da mostra fotográfica “Oficina do Suor”, em São Paulo, que aborda a presença de migrantes em situação análoga à escravidão em oficinas de costura.
A exposição foi promovida pelo Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho), em parceria com a Casa de Criadores, com imagens do fotógrafo e auditor fiscal do trabalho Sérgio Carvalho e curadoria de Rosely Nakagawa. A mostra era parte ainda da programação da 55ª Casa de Criadores, considerado um dos maiores eventos de moda autoral do Brasil, que ocorre até esta terça-feira (10) na Galeria Prestes Maia, na capital paulista.
No entanto, a abordagem proposta pela mostra desagradou coletivos culturais migrantes, que viram nela a reprodução e o reforço a estereótipos que recaem especialmente sobre comunidades andinas. Um ato de repúdio foi marcado para ocorrer na cerimônia oficial de abertura, na noite de quinta-feira (5), na Galeria Prestes Maia.
Além dos cartazes e faixas que expressaram descontentamento com a mostra, parte dos manifestantes jogou tinta vermelha sobre as imagens. Em seguida, agentes da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar intervieram e dispersaram os manifestantes. A Casa de Criadores decidiu, então, pelo fechamento da exposição.
“Comecem a nos escutar”
“Acreditamos que imagens de uma auditoria fiscal, onde a vítima sequer pode contestar o registro de seus corpos, não deve ser usada como arte”, traz trecho da carta, que conta com cerca de 40 apoios, entre pessoas físicas, coletivos culturais e associações diversas, compostas ou não por migrantes. O conteúdo completo está disponível por meio das redes sociais do coletivo Cholitas da Babilônia.
Ainda de acordo com o documento, o coletivo propõs uma nova abordagem para a exposição por meio de diálogo com o Sinait e com a Casa de Criadores. No entanto, informou que não teve retorno.
“Propusemos realizar um congresso ou seminário onde diversos setores do trabalho têxtil pudessem dialogar entre si, em conjunto com a própria auditoria. Trazendo para o debate a comunidade andina migrante, nossa intenção era a construção de algo mais justo para todes. Infelizmente com a falta de retorno e desejo de cooperação e sem respostas, fomos pegos de surpresa ao ver um chamado para um “coquetel de abertura” e workshop (sem a presença de pessoas migrantes da área) com a exposição”.
O workshop estava previsto para ocorrer nesta terça-feira (10), mas foi cancelado junto com o fechamento da exposição.
A carta elaborada pelo coletivo pede ainda que a comunidade migrante seja incluída de fato em ações nas quais ela é retratada, seja no meio artístico ou acadêmico. “Desde aqui lhes dizemos: parem de querer visibilizar e comecem a escutar, parem de querer dar soluções a problemas que seus corpos não conhecem nem conheceram. Escutem, dialoguem, olho no olho”.
Em outubro de 2023, a mesma mostra já havia sido montada na Oficina Cultural Oswald de Andrade, também sendo alvo de críticas. Nesse caso, os responsáveis pelo local cederam espaço para que a comunidade migrante manifestasse descontentamento.
Acusação de censura
A exposição e a manifestação que levou a seu encerramento pela Casa de Criadores polarizou opiniões nas redes sociais, incluindo na postagem feita pelo MigraMundo sobre o ocorrido. Enquanto parte das manifestações demonstra apoio à ação dos coletivos migrantes, outra parte expressa repúdio ao protesto e o considera uma censura à arte.
“Entendemos os pontos levantados pelos manifestantes durante o ato”, disse a Casa de Criadores por meio de nota após o incidente. A entidade disse ainda que “repudia todo e qualquer ato de violência e buscou a resolução pacífica da situação.”
Por meio de nota em seu site oficial, o Sinait-SP se disse alvo de censura e que a proposta da exposição não foi entendida pelos críticos.
“Cabe destacar que as fotografias foram feitas com o extremo cuidado de proteger a imagem das vítimas e que não é possível identificar os trabalhadores e trabalhadoras que nelas figuram nas imagens. Portanto, não há a menor possibilidade de se conectar a imagem da fotografia a uma nacionalidade específica ou a qualquer pessoa específica”. O sindicato afirmou ainda que as imagens eram “obras artísticas, com o único objetivo de chamar a atenção para a grave ocorrência na indústria da moda”.
Na mesma nota, o Sinait também criticou a Casa de Criadores pelo desmonte da exposição após o protesto e considerou o ato “uma validação dos atos de vandalismo ocorridos” e que “eclipsa o real sentido da exposição que é chamar a atenção para a ocorrência de trabalho escravo na indústria da moda em algumas das milhares de oficinas do suor que se multiplicam em São Paulo”.
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