Com colaboração de Glória Branco
Que politicas e práticas em prol dos refugiados já são adotadas no Brasil? E o que os refugiados pensam a respeito delas e como se organizam? Foi para levantar essas e outras questões que aconteceu na última quarta-feira (3) o Diálogo Sobre Solidariedade, Convivência e Integração de Refugiados em São Paulo.
Organizado pelo ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os refugiados, o evento reuniu cerca de cem pessoas no Espaço Oficinas do Centro Cultural São Paulo, na capital paulista, entre representantes do poder público, da sociedade civil organizada e dos próprios refugiados. Ele é parte de uma iniciativa global do ACNUR, que já realizou eventos semelhantes nas cidades de Bancoc (Tailândia) e Pretória (África do Sul). Em ambos os casos, foram recomendadas soluções para a convivência e integração.
Panorama global e local
O encontro serviu ainda para divulgação de dados atualizados sobre a questão do refúgio no Brasil e no mundo, dando uma visão mais ampla da temática. De acordo com Andrés Ramirez, representante do ACNUR no Brasil, o deslocamento forçado no mundo já afeta 59,9 milhões de pessoas (mais do que a população da Inglaterra). Destes, 13,9 milhões estão sob mandato do ACNUR, porque tiveram de buscar abrigo em um outro país.
O Brasil conta atualmente, segundo Ramirez, com 7.700 refugiados de 81 nacionalidades diferentes, sendo a maior parte da Síria (23%), seguidos de Colômbia, Angola e República Democrática do Congo. E de acordo com o Conare (Comitê Nacional para Refugiados), o número de pedidos de refúgio no Brasil cresceu 2.131% nos últimos cinco anos – de 1.165 em 2010 para 25.996 em 2014. Esses números colocam o Brasil como o país que mais recebeu solicitações na América Latina no ano passado.
Mesmo distante dos principais pontos geradores de refugiados no mundo, esses números fazem do Brasil uma referência em refúgio na América Latina, e essa visibilidade traz novos desafios aos governos e à sociedade civil. Questões como a dificuldade e a longa espera para obter documentação, comunicação e a falta de conhecimento da sociedade sobre a temática do refúgio foram lembradas pelos refugiados ao longo do dia.
“Tem discriminação sim, muita gente não sabe o que é um refugiado, não sabe onde fica o seu país. Você entende que falta comunicação, e a imprensa e os governos precisam ajudar nisso”, diz a congolesa Miracle Panzu, uma das convidadas a relatar sobre as experiências que já teve vivendo no Brasil.
Limitações e ações concretas
Dentre as autoridades presentes era consenso de que a falta de uma melhor coordenação das políticas migratórias e de integração no Brasil não só prejudicam os migrantes e refugiados como ainda geram impactos nocivos na sociedade. “Quanto menos políticas de integração, mais negativa será a percepção quanto à imigração, muito maior será o preconceito”, lembra Paulo Illes, coordenador de políticas para imigrantes da Prefeitura de São Paulo. Ele ainda citou medidas recentes em prol da população migrante no âmbito municipal, como a abertura do Centro de Referência e Acolhida do Imigrante (CRAI) em parceria com o Sefras (Serviço Franciscano de Solidariedade), a bancarização e a inclusão dos imigrantes nos conselhos participativos municipais.
Representando o poder público federal e o Conare, o diretor-adjunto do Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, Paulo Guerra, disse que já está em curso uma reforma administrativa no comitê que deve agilizar a apreciação dos pedidos de refúgio no Brasil. “Com ela [a reforma], o objetivo é que o tempo seja reduzido. Queremos entrar em um patamar que seja considerado bom em nível internacional, em menos de três meses”, estima Guerra.
“É preciso entender a cabeça das pessoas que são obrigadas a migrar”, lembra Floriano Pesaro, secretário de Desenvolvimento Social do governo de São Paulo, que diz que eventos como esse servem para discutir boas práticas e para ajudar a pensar em como agir pelos imigrantes de hoje – cujas trajetórias são semelhantes aos dos imigrantes do passado. Ele também citou medidas recentes no âmbito estadual, como a abertura do CIC do Imigrante e da Casa de Passagem Terra Nova, além de um abrigo para imigrantes que deve ser aberto em breve em Guarulhos, na Grande SP.
Entidades da sociedade civil envolvidas na temática, como a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo e a ONG Oasis também aproveitaram o evento para expor como trabalham e que medidas têm adotado para lidar com o crescimento da temática migratória e de refúgio na capital paulista.
Grupos de trabalho
O período da tarde foi marcado pelos painéis que debateram desafios para a solidariedade, coexistência e integração de refugiados na cidade de São Paulo. O ponto mais discutido foi o entrave burocrático enfrentado no acolhimento inicial e o acesso à moradia – segundo o ACNUR, cerca de 40% dos refugiados no Brasil residem na capital paulista.
Pela baixa quantidade de vagas em centros de acolhida específicos para imigrantes e refugiados, atualmente a maioria deles vai para os mesmos locais oferecidos à população em situação de rua. Contudo, as diferenças culturais, étnicas e psicológicas trazidas pelos imigrantes e refugiados demandam um atendimento voltado exclusivamente para as suas necessidades e que os auxiliem na adaptação ao país.
“É necessário criar mecanismos em São Paulo para que os imigrantes consigam alugar uma residência. Precisamos de novos abrigos e a capacitação dos profissionais para que os refugiados se sintam acolhidos”, disse o padre Paolo Parise, coordenador da Missão Paz.
Já o agente social Olenga Nkoyi lembra que o refugiado não deixa seu país por escolha e que chega ao Brasil precisando de amparo emocional e psicológico. “Nós sabemos que o governo brasileiro tem seus problemas, mas estamos pedindo ajuda para resolver a situação dos refugiados”.
O evento teve ainda a formação de Grupos de Trabalho, que debateram soluções nas áreas de saúde, cultura, educação, documentação, trabalho e moradia. As sugestões remeteram às conclusões levantadas na Comigrar (Conferencia Nacional sobre Migração e Refúgio), realizada no ano passado em São Paulo – entre elas, o acesso efetivo das pessoas refugiadas a serviços públicos como saúde, educação, habitação e emprego, a inclusão de imigrantes e refugiados nas políticas de moradia, construção de novos abrigos e hotéis sociais para acolher os refugiados e imigrantes no país, a facilitação na regularização de diplomas estrangeiros no país e uma maior oferta de cursos de português para estrangeiros, a celeridade na emissão dos documentos, entre outras demandas.
Ao final do dia, a partir das sugestões dos Grupos de Trabalho, Ramirez pediu maior comprometimento público para solucionar os problemas enfrentados pelos refugiados e a importância de defender os interesses dos grupos mais vulneráveis, como idosos, deficientes, crianças e mulheres. “Todos os pontos levantados são importantes, mas é imprescindível que haja uma articulação do sistema único de assistência social para casos de vulnerabilidade extrema”, salienta o representante do ACNUR no Brasil.
Refugees in Brazil
Ao final do evento ocorreu o pré-lançamento do documentário Refugees inBrazil, um projeto voluntário de jovens refugiados e requerentes de asilo que vivem em São Paulo. Com o apoio da ACNUR e da Cáritas, a ideia do filme é sensibilizar e conscientizar os brasileiros sobre a realidade dos refugiados e dirimir o preconceito contra os imigrantes que chegam ao país. “Queremos passar a mensagem da igualdade entre todos, brasileiros, refugiados e imigrantes”, diz Adama Konate, Secretário Geral da Associação do Mali e um dos idealizadores do projeto Refugees in Brazil.
A produção do documentário levou pouco mais de um ano para chegar à fase final e, futuramente, será compartilhado no Youtube e no site do projeto (www.refugeeinbrazil.com). “Todos nós temos lutas, mas também temos agradecimentos ao Brasil que nos acolheu”, finaliza Adama.
[…] acordo com Comitê Nacional para Refugiados (Conare), o Brasil conta atualmente com 7.700 refugiados de 81 nacionalidades diferentes, sendo a maior parte da Síria (23%), seguidos de Colômbia, Angola e República Democrática do […]
[…] Também está em curso no Conare uma reforma administrativa no comitê que deve agilizar a apreciação dos pedidos de refúgio no Brasil. “Com ela [a reforma], o objetivo é que o tempo seja reduzido. Queremos entrar em um patamar que seja considerado bom em nível internacional, em menos de três meses”, afirmou Paulo Guerra, diretor-adjunto do Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, durante encontro em junho passado em São Paulo que debateu desafios e soluções para a temática do refúgio no Brasil. […]