Dezenas de entidades ligadas à temática migratória manifestaram repúdio às declarações recentes do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), sobre jovens venezuelanas.
Em entrevista ao podcast Papparazo Rubro Negro, na última sexta-feira (14), o mandatário e candidato afirmou que “pintou um clima” entre ele e garotas venezuelanas de 14 e 15 anos, durante um passeio de moto no Distrito Federal em 2021. Ele ainda sugeriu que as jovens estariam se prostituindo.
No local, visitado pelo presidente pouco depois, funcionava um projeto social voltado para venezuelanos.
Mais tarde, em meio às pressões geradas pela repercussão negativa das declarações, Bolsonaro inicialmente acusou o PT de explorar suas declarações sobre o encontro com as adolescentes de maneira deturpada. Por fim, na terça-feira (18), disse que “se as minhas palavras, que, por má-fé, foram tiradas de contexto, de alguma forma foram mal entendidas ou provocaram algum constrangimento às nossas irmãs venezuelanas, peço desculpas”.
Repúdio do terceiro setor à academia
Cerca de 20 instituições que fazem parte da Rede Clamor Brasil divulgaram uma carta na qual expressam apoio aos venezuelanos e criticam a estigmatização gerada pela fala do chefe do Executivo.
“As falas e expressões do Presidente da República causaram indignação em nossa rede e afetaram profundamente a comunidade venezuelana, principalmente mulheres e adolescentes. Além disso, estigmatizam a população venezuelana no Brasil contribuindo para a construção de estereótipos falsos sobre migrantes e refugiados que escolhem o Brasil como destino para reconstruir suas vidas e contribuir com o país que os acolheu”.
Também por meio de uma carta conjunta, um total de 21 instituições, incluindo Conectas Direitos Humanos, Missão Paz e Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, expressaram repúdio às falas do presidente.
“A exposição da comunidade venezuelana, promovida através de acusações infundadas do presidente da República, coloca em risco a integridade física e segurança de venezuelanos e venezuelanas, e, de forma ainda mais preocupante, de meninas e adolescentes dessa comunidade”, disse a rede.
“O respeito à dignidade de qualquer pessoa transcende nacionalidade ou condição migratória, devendo o Estado cumprir com sua responsabilidade de acolher migrantes e refugiados decorrentes de tratados internacionais. Meninas e mulheres em contextos migratórios estão mais expostas às situações de violações de direitos e violência física, psíquica, sexual entre outras, razão pela qual o combate às práticas criminosas devem ter uma perspectiva de gênero.
É preciso apurar os fatos e tomar as devidas providências urgentemente para proteção integral de migrantes e refugiados, principamente para grupos vulnerabilizados como crianças, meninas e mulheres”, manifestou também a Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos advogados do Brasil) de São Paulo.
Organizações do meio acadêmico também se manifestaram em relação ao assunto. O colegiado do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios (NIEM) se juntou aos demais coletivos que assinaram a Nota de apoio à comunidade venezuelana no Brasil.
“Promover a desinformação e estigmatizar pessoas em situação de vulnerabilidade é favorecer a xenofobia e o racismo. O atendimento emergencial e humanitário às pessoas migrantes e refugiadas venezuelanas no Brasil não prescinde de políticas de longo prazo que garantam direitos e enfrentem a discriminação a que estão sujeitas”, disse, por meio de nota.
O repúdio também veio de organizações públicas. O Fórum Nacional de Conselhos e Comitês Estaduais para Refugiados, Apátridas e Migrantes (Fonacceram) também se manifestou.
“O FONACCERAM vem se posicionar em defesa da infância e juventude de todas as crianças e adolescentes, inclusive as refugiadas, apátridas e migrantes. O Brasil é dos países que mais explora sexualmente jovens e crianças. Não podemos flexibilizar direitos fundamentais, não pode “pintar um clima”!”
Visão sobre Bolsonaro
Apesar da solidariedade prestada pela instituições, em meio à comunidade migrante venezuelana o sentimento predominante ainda é de suporte ao atual presidente, conforme apuração do MigraMundo.
Os elementos principais desse apoio são: as críticas do mandatário à esquerda e ao regime de Nicolás Maduro, apontado como de esquerda; a continuidade da Operação Acolhida, iniciada ainda na gestão de Michel Temer, em 2018; e também pelo reconhecimento da Venezuela como um país de grave e generalizada violação de direitos humanos, ocorrido em 2019, embora esse status tenha sido reivindicado junto ao governo federal pelo menos desde 2017 por integrantes da sociedade civil ligados à temática migratória.
Por outro lado, elementos como declarações e ações xenófobas e anti-migração tomadas por Bolsonaro antes e durante o mandato parecem não repercutir fortemente junto à maioria dos venezuelanos. Entre elas estão a retirada do Brasil do Pacto Global para a Migração e as seguidas portarias de restrição à entrada de pessoas de outros países em meio à pandemia de Covid-19, que excluíam os venezuelanos até mesmo das exceções previstas para ingresso.
Segundo venezuelanos ouvidos pelo MigraMundo e críticos a Bolsonaro, que falaram na condição de anonimato, a primeira coisa a ser feita é o reconhecimento de fato desse apoio ao atual presidente. Ainda de acordo com eles, a recusa de determinados setores da sociedade em admitir esse apoio é um fato que impede ações mais profundas de conscientização.