Em São Paulo, na Missão Paz, imigrantes dormem no salão da igreja Nossa Senhora da Paz por falta de vagas na Casa do Migrante; não muito distante dali, em Guarulhos, famílias imigrantes (bolivianas, peruanas, paraguaias, entre outras) ficam sem teto após reintegração de posse em terreno da Prefeitura local.
No meio nacional, o Legislativo continua a empurrar com a barriga a tão esperada revisão da lei migratória brasileira, que continua regida pelo retrógrado Estatuto do Estrangeiro (1980), herança da ditadura militar. E no campo internacional, imigrantes continuam a morrer no mar Mediterrâneo, que já ganhou a alcunha de fronteira mais letal do planeta.
Estes são apenas alguns exemplos recentes de notícias negativas envolvendo a questão migratória. Nesse contexto, sentimentos como raiva, indignação e impotência se misturam. É bem provável que você, envolvido ou simpático à temática migratória, já tenha sentido a sensação amarga de que “ninguém se importa” de fato com a questão, de sentir que seus esforços têm sido pequenos diante de tanta demanda e fatores negativos ao redor.
“A messe é grande e os trabalhadores são poucos”, já dizia uma famosa passagem do Evangelho de Mateus (capítulo 9, versículo 37) na Bíblia cristã.
No entanto, esses sentimentos de indignação e de impotência convivem lado a lado com a luta diária pelo direito humano daqueles que chegam de terras distantes em busca de uma vida melhor. E em meio tantas notícias negativas é preciso buscar alimento nos bons frutos já colhidos e que continuam a crescer mesmo sob essas condições adversas.
Só para citar alguns exemplos recentes: a festa Alasitas, uma das mais tradicionais da comunidade boliviana, atualmente integra o calendário oficial de eventos da cidade de São Paulo, mas há pouco anos atrás era considerada ilegal e já chegou a ser dispersada pela polícia; na questão da acolhida, o centro para imigrantes aberto no ano passado pela Prefeitura já está com lotação máxima, mas também busca ser um espaço de articulação entre os diversos atores da sociedade civil e do poder público envolvidos na questão migratória da cidade; e claro, não se pode esquecer dos diversos momentos de agradecimento promovidos pelos próprios migrantes pela mão estendida nos momentos de necessidade.
É verdade que os avanços acontecem de maneira mais lenta ou mesmo de forma inesperada em relação à crescente demanda, mas eles existem e precisam ser valorizados e divulgados. A crítica às autoridades pela lentidão na adoção de políticas públicas para a imigração em um contexto mais amplo não invalida – e nem deve invalidar – o que já foi conquistado. Mesmo diante de tantas limitações, essas diferentes formas de estender a mão fazem a diferença para os que se encontram em situação vulnerável.
Essas conquistas, recentes ou não, são suficientes para mostrar que a luz no fim do túnel existe. Cada novo voluntário ou pessoa simpática à questão migratória, que reconhece a migração como um direito humano, funciona como uma injeção de ânimo, como um gole de água que recobra o ânimo daquele que caminha sob sol escaldante.
Transformar a indignação em força e resistência para manter a caminhada talvez seja uma das grandes lições que momentos de crise ensinam. E essa força e resistência se tornam ainda maiores quando você olha para os lados e percebe que não está sozinho e que outros tantos comungam do mesmo ideal.
A luta deve continuar. E com ela, a esperança de um mundo melhor e de uma sociedade mais justa, com mais pontes e menos muros, que veja também como integrantes aqueles que chegam de longe dispostos a buscar uma nova vida para si e para o próximo.