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quinta-feira, abril 25, 2024

Entre lembranças e desafios, diretor de telenovelas venezuelano recomeça narrativas no Brasil

Aos 75 anos, o diretor de TV venezuelano Raúl Siccalona trocou os bastidores de TV pela atuação como palestrante e adaptação ao Brasil, após decepção com o chavismo

Por Sebastião Rinaldi

“Tres, dos, uno… ¡grabando!” Essa frase, que já foi uma rotina de trabalho, se converteu em uma lembrança de Raúl Sicallona. O ex-diretor de telenovelas e jornalista deixou seu país, a Venezuela, no final de 2018, em busca de um recomeço. Sua trajetória na rede Venevisión segue na memória, que se mantém viva com a ajuda do YouTube e das charlas que ele tem com sua família e amigos.

Aos 75, Raúl vive em São Paulo com sua esposa Elvira, em um apartamento de 40 metros quadrados no bairro de Tatuapé. Ambos vacinados contra a Covid-19, dividem o tempo entre as aulas de português, os trabalhos dele como palestrante e a adaptação no novo destino.

Da Venezuela, guardam boas lembranças de uma casa que tinham na Ilha Margarita – hoje, transformada em 32 caixas de memória, guardadas na residência de um amigo, na qual talvez um dia possam buscar de volta.

Na Venezuela, Raúl – um homem negro que representa uma exceção enquanto ascensão social e sucesso profissional no país, com as mesmas questões de raça e etnia que há no Brasil, de acordo com seu relato – dirigiu obras televisivas como “Ligia Elena” e “O despertar”. Politicamente, afirma que sempre foi de esquerda, porém se viu desapontado com o caminho adotado pelo chavismo – um dos motivos que o fez migrar.

Da Venezuela ao Brasil

A trajetória de migração foi tortuosa. “Pegamos um barco da ilha até terra firme. As pessoas pensavam que a polícia nos impediria. Fomos para a primeira cidade, onde começa a selva amazônica venezuelana – Puerto Ordaz. Uma amiga nos acolheu e nos colocou em um carro até a fronteira com o Brasil. Tínhamos medo de não conseguir passar. Mas as coisas acontecem como têm que ser. Meu pé estava inflamado e não poderia caminhar bem. Uma mulher que limpava o posto da fronteira me viu”, narra.

“Ei, você não pode caminhar”, essa senhora lhe disse. “Foi quando ela pegou o meu passaporte e os documentos da Elvira e voltou com ambos carimbados. Assim, cruzamos a fronteira. Talvez a empatia tenha ajudado. Em seguida, chegamos ao posto da Polícia Militar em Pacaraima. Um militar me pegou pelo braço para me ajudar. Senti medo. Falavam em português e não entendia nada. Mas fui bem atendido e recebido com um sorriso”, continua.

A trajetória até a região sudeste brasileira levou mais dias. “Continuamos até Boa Vista. Meu filho estava me São Paulo, onde trabalhava como assistente de cozinha no Hotel Ibis. Ele conseguiu um quarto na filial da rede de Boa Vista para descansarmos uma noite. O gerente acabou não cobrando a diária. No dia seguinte, pegamos um avião para São Paulo. Chegamos no final de 2018. Morávamos com nosso filho. Era um pouco apertado, além de ter sido pouco cômodo para ele e sua esposa. Começamos a conhecer pessoas aqui. Assistimos palestras e fizemos cursos de português”, acrescenta.

Lá e aqui

Sobre a Venezuela, ele afirma que a nação possui o mesmo mito da democracia racial – ou seja, há aquela mesma lenda de que a nação abraça a diversidade, o que não é necessariamente uma realidade. No Brasil, Raúl afirma que passou por situações de xenofobia e racismo, como uma vez que foi “convidado” a se retirar de um supermercado por um segurança, sabe-se lá por qual motivo. Estava de bengala e, possivelmente, pensavam que ele estaria pedindo algo. À época, saiu do estabelecimento, perplexo, mas ressalta que hoje retrucaria e permaneceria.

Depois desse período de adaptação na capital paulista, esse ilustre autor começou a fazer trabalhos como palestrante. “Tenho pesquisas sobre a escravidão na Venezuela, que é um país de grande branquitude, onde o negro está invisibilizado”, acrescenta. Raúl traz alma para o Brasil desses tempos áridos e com pouco horizonte. Mal sabe ele que sua esperança ao chegar a um novo destino recarrega o otimismo de quem o conhece.

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